Sonhei que era normal e acordei assustada

por Patrícia Gebrim  

Nossa sociedade está adoecida, profundamente adoecida. Andamos pelas ruas como autômatos, sempre atrasados, correndo, sem tempo para estender a mão a alguém que esteja necessitado. Chegamos em casa exaustos, sem olhos para enxergar a beleza, sem ouvidos para escutar as histórias de nossos filhos, sem energia para trocas humanas que dariam algum significado a essa rotina medíocre que se tornou o pão nosso de cada dia.

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Caminhamos pelas ruas, preocupados apenas com nosso próprio eu, perseguindo exaustivamente objetivos que nos prometemos atingir, nem que para isso tivéssemos que passar por cima daqueles que não conseguem acompanhar nosso ritmo.

Nossa sociedade está doente. As instituições que a sustentam estão corrompidas, mas sabem investir em uma publicidade que cria, com uma perfeição cruel, necessidades e ilusões, grilhões que nos aprisionam, algemas de ouro que se tornam objeto de desejo de uma massa de gente que já não sabe pensar por si mesma.

Precisamos sempre que alguém nos diga o que fazer, vítimas dessa doença que nos tornou surdos às orientações que vem da nossa própria alma. Claro que faz parte da doença encontrarmos pessoas dispostas a nos oferecer orientações, em troca de lhes entregarmos uma boa parcela de nosso poder. E doentes que estamos, permitimos que façam escolhas em nosso nome. E é assim que os políticos enriquecem enquanto adoecemos sem hospitais, enlouquecemos no trânsito e deixamos a vida escapar por entre nossos dedos cansados.

Estamos doentes e nem mesmo sabemos disso. Já não sabemos dar importância ao que de verdade importa, e damos valor demais a coisas que sugam nossa vida, e lá se vai o nosso sangue, escorrendo de nossas veias, nos transformando em robôs programados a partir de falsos valores.

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Estamos esquecidos, enfraquecidos, hipnotizados. Fáceis de sermos manipulados. Dóceis. Entregando nosso bem maior aos senhores do poder, entregando nossa vida, embrulhada em um tempo que não volta atrás.

Esquecemo-nos da natureza, dos valores simples, da conversa amiga ao pé do fogão, da alegria de compartilhar coisas pequenas, dos gestos de afeto, da amizade, da cooperação.

Não temos mais tempo para a delicadeza. Queremos o sucesso, e por sucesso entendam, dinheiro. E no rastro do dinheiro vem uma espécie de poder construído sobre a infelicidade de muitos.

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Amortecidos, não nos importamos. Desde que nossos bolsos estejam cheios, que importa o que se passa em nossos corações?

Nossa sociedade está adoecida, profundamente adoecida.

Perdemos valores, perdemos as trocas humanas, perdemos alma, perdemos nosso coração. Sofremos de falta de verdade, de falta de beleza. Sofremos profundamente de falta de amor. Esse é o "status quo".

Mas eis que uma fagulha dourada brilha nesse cenário sombrio.

Aqui e ali, os "loucos" começam a despertar para além dessa assustadora normalidade. Eu os chamo de sábios. Os loucos são os que começam a se incomodar.

Caminham pelas ruas, vão a festas, trabalham nos lugares onde sempre trabalharam, mas de repente nada parece fazer sentido algum. E eles, os loucos, começam a sofrer, pois já não podem ignorar a dor, já não podem acreditar-se cegos quando tudo se torna cruamente claro aos olhos de suas almas recém-nascidas. E à medida que sua nova visão vai se ajustando, começam a enxergar as injustiças, a dor, a assustadora condição amortecida em que vive a maioria das pessoas. Começam também a enxergar a beleza, as estrelas que sempre brilharam sobre suas cabeças, a delicadeza das flores, a sutileza do toque daquela mãe no rostinho de seu filho adormecido. E é tudo tão lindo.

São eles, os loucos, os poetas, os sensíveis, a parcela de humanidade sã que existe nesse mar de gente adormecida, que subitamente – já não pode evitar – começa a se expressar. Já não podem aceitar tudo como era.

Não se importam com o que pensarão deles, esse é seu maior poder. Tornam-se capazes de sustentar a existência de seu próprio Ser em meio a um mundo de mortos-vivos. São esses, os loucos, os maravilhosos loucos, os mais sãos entre os sãos, os arautos de um mundo que após tanto tempo adormecido, finalmente, começa a despertar.

Esse é exatamente o momento em que nosso planeta se encontra.

Imaginem isso. Após milênios e milênios imersos na sombra da ignorância, do medo e da escuridão, um suspiro divino brota de um lugar feito de pura luz, e dele surge um facho de consciência que está se expandindo, como uma onda, por toda a superfície da Terra. Uma onda que se propaga à velocidade da luz, atravessando todas as estruturas que encontra em seu caminho, iluminando cada átomo, tocando árvores e montanhas, rios e oceanos, geleiras e desertos, plantas e animais, mentes e corações humanos. Ser tocado por essa onda é enlouquecer.

“Tudo começou a despertar. Há quem chame isso de loucura. Prefiro chamar de consciência.”

Estamos todos sob o impacto desse momento planetário.

Estamos todos, agora, sendo convidados a sair do casulo de dogmas sombrios no qual permanecemos por séculos, tempo necessário para que aprendêssemos as lições do medo, da dor e da separatividade, lições que nos fizeram sentir tão sós.

Chegou o momento em que tudo deve se unir novamente.

Chegou o momento de nos lembrarmos que somos todos um, e que somente unidos poderemos nos elevar por sobre esse estado de sofrimento que abarcou a todos nós.

Somente juntos, unidos em consciência e sabedoria, poderemos criar na Terra um estado de paz que acolha a todos nós, e cure o que precisa ser curado. É chegado o tempo de recuperar os olhos capazes de se encantar com a beleza, a voz que é capaz de expressar verdades, os ouvidos capazes de doar-se generosamente.

É chegado o tempo de reaprender a amar.

Aqueles que estão despertando, os "loucos", já sabem disso. Libertos das convenções, das instituições, cansados que lhes dissessem o que fazer, passam a falar e agir de acordo com sua intuição.

Precisamos ser capazes de sustentar nossa "loucura" nessa sociedade patologicamente chamada de sã em que vivemos.

Se não formos capazes de acreditar em nós mesmos a ponto de seguir em frente quando todos nos dizem para parar, não conseguiremos libertar o que já somos.

Sim, porque já somos, todos nós, seres luminosos, destinados a criar harmonia e paz. Precisamos recuperar a memória.

“Enlouquecer é tornar-se capaz de lembrar.”

Quer saber? Enlouqueça um pouco! Pare de olhar à sua volta e ser coerente com o panorama sombrio que pulsa ao seu redor. Não desista de si mesmo. Não desista de nós. Não desista da humanidade. Não é tempo de desistir. É tempo de confiar.

Ouça… Enlouqueça um pouco, a ponto de acreditar que tudo pode e vai caminhar em direção à luz, à paz, ao amor, e que a vida possa se renovar e florescer, mesmo que essa pareça ser a hipótese menos provável. O improvável é o berço do divino.
 

Extraído do livro de Patrícia Gebrim “Deixe a Selva para os leões – Inspirações para bem viver nos dias de hoje”