Doença celíaca: intolerância ao glúten

por Jocelem Salgado

Certa vez, em entrevista dada pelo filosofo americano Alan Levinovitz nas páginas amarelas da revista "Veja", lhe foi perguntado se ele considerava o glúten o vilão da alimentação, e se isso tinha embasamento cientifico.

Continua após publicidade

Segundo o entrevistado, existem pessoas que realmente precisam retirar o glúten da dieta, são os chamados celíacos. No entanto, essas pessoas representam cerca de 1% da população, mas esse índice varia de país para país, conforme exposto no decorrer deste texto. Além disso, há uma parcela que não é celíaca, mas que pode vir a desenvolver sintomas de intolerância ao glúten. Essa parcela representa 3% a 5% do total. Para as demais pessoas não há necessidade de evitar a ingestão dessa substância. Mas o que se observa hoje no Brasil, Estados Unidos, e em várias partes do mundo, é que as pessoas estão, segundo o autor acima citado, cometendo um erro ao decidirem por elas próprias o que devem ingerir ou não, sem terem um embasamento cientifico do que é melhor consumir à mesa.

Aproveitando esse tema das pessoas que têm intolerância ao glúten, vamos discutir mais sobre doenças que só podem ser controladas por meio da dieta que a pessoa adota. Há outras enfermidades que se enquadram nesse item, mas a doença celíaca é uma das mais graves e mais frequentes.

Quem sofre desse mal acaba sendo privado de todos os alimentos que são provenientes ou produzidos com cereais do tipo farinha de trigo, aveia, centeio e cevada. Para uma criança, por exemplo, significará a proibição de biscoitos, bolachas, pães e tantas outras comidas que fazem a festa dos pequenos.

A doença celíaca, também conhecida como “spru celíaco” ou “spru não tropical”, ocorre por sensibilidade ao glúten. É considerada uma reação autoimune que causa dano ao intestino delgado, levando, na maioria das vezes, à desnutrição e suas consequências. Os danos ao intestino levam à má absorção, o que compromete a utilização de vários nutrientes pelo organismo. A doença ocorre em indivíduos geneticamente predispostos. Com ou sem sintomas, a sensibilidade é permanente.

Continua após publicidade

A doença é ativada em indivíduos suscetíveis à ingestão do glúten e proteínas similares (prolaminas) de cereais como trigo, aveia, centeio e cevada. Mais precisamente, é a fração gliadina no glúten a responsável por distúrbios no metabolismo das células do intestino delgado, produzindo alteração funcional global dessas células através de mecanismos ainda não esclarecidos.

O que é glúten?

Glúten é a massa coesiva que resta quando se retiram os grânulos de amido de uma farinha de cereal, através de lavagens sucessivas. O glúten contém proteínas chamadas gliadinas, e a fração  a-gliadina, encontrada no trigo, centeio, aveia e cevada, está implicada na patogênese da doença.

Continua após publicidade

Os sintomas clássicos incluem: pouco crescimento, perda de peso, má nutrição, diarreia, esteatorreia (gordura nas fezes), podendo ainda o indivíduo manifestar uma série de outros sintomas e sinais, tais como distúrbios de comportamento, anemia e constipação (intestino preso).

A incidência da doença celíaca é variável de região para região, sendo que na Irlanda a proporção é de um para trezentos indivíduos; na Áustria, um para quinhentos; e nos Estados Unidos, um para dois mil, quinhentos e cinquenta indivíduos.

No Brasil, ainda não há estatística, embora a Acelbra (Associação dos Celíacos do Brasil) tenha se empenhado em registrar todos os casos de sua incidência. Em trabalho consultado, a estimativa foi de que, no país, um em cada mil indivíduos é celíaco.

Doença tem causa desconhecida  

Ainda não se conhecem as causas da doença celíaca. Mas já se sabe que os pacientes são portadores de genes que podem responder a algum fator deflagrador que ativa a doença, tais como infecção, cirurgia, gravidez, parto, problemas emocionais graves etc.

Nas crianças, o desmame precoce e a introdução de glúten através de farinhas colocadas nas mamadeiras podem ser o desencadeador, daí se recomendar o aleitamento materno por longos períodos. Interessante é fazer uma análise familiar retrospectiva, pois seus pais, avós, tios ou primos poderiam ter apresentado sintomas ou sinais que nunca foram diagnosticados: “gastrite”, diarreia, fraqueza, anemia, alterações psiquiátricas. Pode haver história de criança com morte em tenra idade por diarreia profusa com desidratação e desnutrição (no Brasil, conhecida como “doença do macaco”).

Os parentes mais próximos – que incluem avós, pais, filhos, irmãos, tios e primos – podem ter cerca de 10% de probabilidade de ser celíacos.

Em pesquisa realizada pela Acelpar (Associação dos Celíacos do Paraná), através da determinação de antígenos no soro de parentes, o achado foi de 16%. É importante salientar que tais pessoas podem não apresentar queixas sugestivas de doença celíaca. Recomenda-se que, se os antígenos são positivos no sangue, a pessoa se submeta a biópsia do intestino delgado proximal.

Como a doença celíaca é causada pela presença do glúten na dieta, o tratamento dietético é fundamental, e de certa forma problemático, porque requer a exclusão de alimentos que são habituais na dieta do brasileiro e de custo relativamente baixo, tais como pão, macarrão, biscoitos, entre outros. O tratamento fundamental é a exclusão total dos alimentos que contenham glúten – trigo, centeio, cevada e aveia – para evitar a ação tóxica da a-gliadina.

A dieta isenta de glúten faz desaparecer a diarreia, e o intestino recupera a atividade de absorção. Isso não significa, entretanto, que ocorra restabelecimento completo, mas uma cura clínica, pois a reincorporação do glúten na dieta reativa a síndrome, uma vez que as alterações próprias da doença (localizadas no intestino delgado) persistem pelo menos durante alguns anos.

Os cereais que podem ser usados como substitutos são: farinha de milho, farinha de batata, amido de milho, farinha de arroz, farinha de soja, polvilho e araruta.

O tratamento dietético requer a exclusão de alimentos habituais na dieta do brasileiro, como pão, macarrão e biscoitos.

Na tabela abaixo estão dispostos os alimentos permitidos e os proibidos para pessoas celíacas:

PERMITIDOS NO GRUPO DE FARINHAS E FÉCULAS – cereais, tubérculos e seus subprodutos, que encontramos em forma de pó

Os mais indicados:   arroz, batata, milho e mandioca.

Arroz = farinha de arroz, creme de arroz, arrozina,  arroz integral em pó e seus derivados.
O creme de arroz não é um creme ou pasta, e sim um pó.
Milho = fubá, farinha, amido de milho (maisena ), flocos, canjica e pipoca.
Batata = fécula ou farinha.
Mandioca ou Aipim =  fécula ou farinha, como a tapioca,  polvilho doce ou azedo.
Macarrão de cereais = arroz,  milho e mandioca.
Cará,  inhame,  araruta, sagú, trigo sarraceno.

PROIBIDOS NO GRUPO DE FARINHAS E FÉCULAS – cereais, tubérculos e seus subprodutos, que encontramos em forma de pó

TRIGO = farinha,  semolina, germe e  farelo.  
AVEIA = flocos e  farinha.  CENTEIO
CEVADA =  farinha.
MALTE
Todos os produtos elaborados com os cereais citados acima.

PERMITIDO NO GRUPO DE BEBIDAS

Sucos de frutas e vegetais naturais, refrigerantes e chás.   Vinhos, champagnes, aguardentes e saquê. Cafés com selo ABIC.

PROIBIDO NO GRUPO DE BEBIDAS

Cerveja, whisky, vodka, gin, e ginger-ale.    Ovomaltine, bebidas contendo malte, cafés misturados com cevada. Outras bebidas cuja composição não esteja clara no rótulo.

PERMITIDOS NO GRUPO DE LEITES E DERIVADOS

Sucos de frutas e vegetais naturais, refrigerantes e chás.   Vinhos, champagnes, aguardentes e saquê. Cafés com selo ABIC.

PROIBIDOS NO GRUPO DE LEITES E DERIVADOS

Leites achocolatados que contenham malte ou extrato de malte, queijos fundidos, queijos preparados com cereais proibidos.   Na dúvida ou ausência das informações corretas nas embalagens, não adquira o produto.

PERMITIDO NO GRUPO DE AÇÚCARES, DOCES E ACHOCOLATADOS  

Açúcar de cana, mel, melado, rapadura, glucose de milho, malto-dextrina, dextrose, glicose.   Geléias de fruta e de mocotó, doces e sorvetes caseiros preparados com alimentos permitidos.   Achocolatados de cacau, balas e caramelos.

PROIBIDO NO GRUPO DE AÇÚCARES, DOCES E ACHOCOLATADOS  

Para todos os casos, verifique as embalagens.

PERMITIDOS NO GRUPO DE CARNES  – (boi, aves, porco, cabrito, rãs), peixes e produtos do mar, ovos e vísceras (fígado, coração)

Todas, incluindo presunto e linguiça caseira.

PROIBIDOS NO GRUPO DE CARNES

Patês enlatados, embutidos (salame, salaminho e algumas salsichas) e carnes à milanesa.   

PERMITIDOS NO GRUPO DE GORDURAS E ÓLEOS

Manteiga, margarina, banha de porco, gordura vegetal hidrogenada, óleos vegetais, azeite. Obs: aqui não há grupo proibido.

PERMITIDOS NO GRUPO DE GRÃOS

Feijão, broto de feijão, ervilha seca, lentilha, amendoim, grão de bico, soja ( extrato proteico de soja, extrato hidrossolúvel de soja)

PROIBIDOS NO GRUPO DE GRÃOS

Extrato proteico vegetal e proteína vegetal hidrolisada.

PERMITIDOS NO GRUPO DE HORTALIÇAS

Legumes e verduras: todas. Obs: aqui não há grupo proibido.

PERMITIDOS NO GRUPO DE CONDIMENTOS

Sal, pimenta, cheiro-verde, erva, temperos caseiros, maionese caseira, vinagre fermentado de vinhos tinto e de arroz, glutamato monossódico (Ajinomoto)

PROIBIDOS NO GRUPO DE CONDIMENTOS

Maionese, catchup, mostarda e temperos industrializados podem conter o glúten. Leia com muita atenção o rótulo.

PERMITIDOS NO GRUPO DE QUAISQUER ALIMENTOS

Leia atentamente os rótulos.

PROIBIDOS NO GRUPO DE QUAISQUER ALIMENTOS

Os proibidos devem ter a expressão CONTÉM GLÚTEN nos rótulos.

FRUTAS

Não há restrições. Consuma frutas variadas como:    

Abacaxi, acerola, caju, goiaba, laranja, kiwi, tangerina, banana, maçã, mamão, manga, maracujá, morango, melão, melancia, pera, pêssego e nectarina.

Fonte: Acelbra (Associação dos Celíacos do Brasil)

Receita para pacientes celíacos

Biscoito de creme de arroz e fubá

Ingredientes:

145 g de creme de arroz
145 g de fubá
40 g de açúcar
40 g de manteiga
1 litro de leite
2 ovos

Modo de fazer:

Peneirar os ingredientes secos.
Acrescentar os ovos, a manteiga e o leite, misturando bem.
Formar os biscoitos e assar em forno quente.

Considerações finais

A garantia de uma dieta isenta de gliadina requer cuidadosa verificação dos rótulos de todos os produtos embalados e de padaria. Grãos contendo gliadina podem ser não somente ingrediente básico como também adicionados durante o processo de preparação dos produtos. Proteínas vegetais hidrolisadas, por exemplo, feitas a partir de trigo, soja, milho ou uma mistura desses grãos.

Portanto, se você é celíaco ou apresenta alguns dos sintomas da doença aqui relatados fique atento, consulte seu médico e observe os rótulos dos alimentos; a legislação atual obriga que os rótulos indiquem a presença ou não de glúten.

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico ou nutricionista e não se caracteriza como sendo um atendimento.