Balanços existenciais

por Monica Aiub

Em um texto anterior (veja aqui), escrito por ocasião da passagem de ano, tratei das promessas que fazemos na virada de um ano para o outro. Naquele texto, apenas citei os balanços que habitualmente fazemos, mas a ênfase era outra: as promessas. Contudo, um elemento muito curioso, que altera o humor e até o estado de saúde de muitas pessoas, é o balanço de final de ano.

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Como foi este ano? Quais os pontos positivos e negativos do ano? O que você realizou no ano que se encerrou?

Cada um avalia à sua maneira: só mais um ano, um ano sofrido, um ano bem vivido, um ano difícil, um ano de crise, um ano de conquistas, um ano de luta, um ano de… Como você completaria esta expressão? Muitas vezes uma palavra é pouco quando observamos o vivido, há muitas perspectivas a partir das quais podemos observá-lo.

O que é um ano? Um período marcado no calendário ou um ciclo do movimento de translação da Terra? Um período demarcado arbitrariamente? O que deveria ocorrer neste período que nos serviria como critério para avaliação do vivido? Com base em quais referenciais avaliamos nosso ano?

A questão da temporalidade faz-se presente. Muitas vezes avaliamos o que nos ocorreu num determinado dia como algo maravilhoso. O mesmo fato ocorrido, visto tempos depois, pode ser compreendido como algo horrível. O melhor evento de nossas vidas, interpretado hoje, talvez seja, no futuro, interpretado como o pior evento de nossas vidas, ou vice-versa. Dependendo do momento em que observamos o que se passa, podemos considerar algo um acerto ou um erro.

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As diferenças de interpretação derivadas da mudança do tempo a partir do qual se avalia, dizem respeito, por um lado, a um distanciamento que permite ou não verificar as consequências, as implicações, as relações entre o fato avaliado e outros fatos decorrentes dele. Trato, aqui, de um distanciamento histórico que permite compreender melhor o vivido. O tempo presente que ressignifica passado e futuro – que pode ser chamado de aion.

Observe seu vivido, retroaja no tempo. Como você compreendia o seu passado e o seu futuro há cinco anos atrás? É como os compreende hoje? Como você compreendia o seu passado e o seu futuro há dez anos atrás? Vinte anos atrás? Como compreenderá seu passado daqui cinco ou dez anos?

A mensuração do calendário, o movimento de rotação e translação da Terra que marca os dias e os anos, o relógio que conta as horas dizem respeito ao tempo cronológico – cronos. Muitas vezes nos propomos prazos que não são suficientes para a realização de nossas buscas e sentimo-nos frustrados porque não realizamos o que pretendíamos no período delimitado.

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Outras vezes, não temos maturidade suficiente para compreender determinados fatos ou fenômenos, e isso nada tem a ver com idade, com tempo cronológico, com o movimento dos planetas. Refere-se, sim, ao movimento existencial, ao kairos,o tempo de amadurecimento, o tempo necessário para uma verdade ser vista como tal. Quantas questões você nem chegou a levantar porque não tinha elementos para pensar o problema naquele momento? Quantas coisas você deixou passar porque não tinha elementos para perceber que elas estavam ao seu dispor naquele momento? Quantas coisas você deixou de fazer porque não conseguiu pensar na possibilidade de fazê-las naquele momento? E quantas coisas você esperou tanto, mas tanto, que quando ocorreram você se disse: "agora é tarde"?

Qual tempo consideramos quando fazemos nossos balanços de final de ano? Será que a contabilidade utilizada para verificar o faturamento de uma empresa pode ser aplicada ao vivido? Ou há fatores existenciais que não podem ser matematizados, como muitos tentam fazer?

Outra possibilidade de perspectivas distintas encontra-se no que observamos. Algumas pessoas observam somente o que não deu certo, o que não foi realizado, o erro, o problema, a dor. Outras pessoas somente observam os acertos, as conquistas, as alegrias. A parte negligenciada, seja ela positiva ou negativa, pode trazer uma grande diferença no resultado da avaliação.

É comum, no consultório de filosofia clínica, que os partilhantes (pacientes) tragam sua avaliação como objeto de reflexão durante as consultas. Alguns em grande crise, porque só observam os problemas, os erros, o que não deu certo naquele ano. Quando rememoramos outras perspectivas, o olhar é modificado, o que parecia um ano perdido pode se transformar em um ano de grandes conquistas. Outros, somente observando os aspectos positivos, tendem a repetir os mesmos problemas, o que constituiria, em alguns casos, uma armadilha, um grande problema futuro. Quando rememoramos outras perspectivas, muitas vezes, os cuidados necessários são observados, passando-se da euforia das conquistas unilaterais e ilusórias para a serenidade necessária para a construção de projetos realizáveis.

Nem sempre conseguimos observar várias e diferentes perspectivas, pois nosso olhar pode tender para caminhos unilaterais. O exercício de observar diferentes perspectivas, o pensar junto com o outro, seja no consultório, no trabalho, na família, no grupo de amigos, nos estudos, nas leituras pode ampliar nosso olhar e permitir novas interpretações.

Mas é muito importante que tais interpretações não sejam o martírio que tornará nossa existência pesada, difícil, em alguns casos, impossível. Elas devem ser aprendizagens para que possamos tornar nossas vidas cada vez melhores; para que contribuamos, de fato, para a construção de um mundo melhor.