Filosofia clínica: por que filosofar pode ser um exercício

por Monica Aiub
 
Neste ano completei 20 anos de estudos e pesquisas em Filosofia Clínica. Neste período, muitas questões surgiram, a área ampliou-se e diferentes formas de atuação foram construídas. Constato, hoje, que as diferentes formas já estavam presentes desde o momento inicial, derivadas de diferentes interpretações da proposta.

Diante da diversidade de práticas no consultório de filosofia clínica, o trabalho que desenvolvo no Instituto Interseção, em São Paulo, tem como característica o fato de ser o exercício do filosofar – o que já aparece como título de meu livro introdutório, Para entender filosofia clínica: o apaixonante exercício do filosofar (WAK, 2004).

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Há, entre os filósofos clínicos, desde o início, uma discussão sobre o que é a filosofia clínica: filosofia (AIUB, 2004; 2010; COSTA, 2013); técnica de ajuda ao outro com fundamentação fenomenológica (CARVALHO, 2013); ética (GOYA, 2007), entre outras possibilidades. Carvalho (2013) afirma, com razão, que inicialmente não foi dada a devida atenção à questão, mas com o tempo, as pesquisas e o desenvolvimento da atividade a questão ganhou sua devida importância.

Faz diferença você consultar um filósofo clínico que considera sua atividade filosofia e consultar um profissional que a considera técnica? Certamente. Os procedimentos são outros. Assim, a necessidade de explicitar o que de fato fazemos torna-se urgente. Por isso, inicio a conversa neste artigo, tratando, como não poderia deixar de ser, da forma como compreendo a filosofia clínica e como atuo, e que sintetizo como o exercício do filosofar. Mas o que é isto, o exercício do filosofar?

O primeiro ponto a ser destacado diz respeito à abordagem inicial às questões apresentadas pelo partilhante (pessoa que procura um filósofo clínico). Elas são abordadas do mesmo modo que tratamos os problemas filosóficos. Mas antes, ainda: o que é um problema filosófico?

Dermeval Saviani, em seu livro, Educação: Do senso comum à consciência filosófica, apresenta uma excelente resposta a esta pergunta. Para ele, um problema filosófico é um problema para o qual não existe uma solução. Diferente de problemas em áreas específicas, para os quais precisamos descobrir as formas existentes para solucioná-los e aplicá-las, em filosofia, como tais soluções não existem, precisaremos compreender o problema e buscar formas para lidar com ele ou criar soluções, quando estas forem possíveis.

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Problemas filosóficos e questões sem solução

Assim, os problemas que surgem no consultório de filosofia clínica dizem respeito a questões sem solução, ou cujas soluções não atendem às necessidades dos contextos e das pessoas envolvidas, ou, ainda, cujas soluções precisam, ainda, ser criadas. Você já se deparou com problemas desta natureza? Morte, sentido da vida, limitações, angústia existencial, insatisfação com o modo de vida que lhe é possível, situações sem saída, contradições internas, impossibilidade de viver nas condições que lhe são ofertadas…

O primeiro passo para abordar problemas filosóficos é contextualizá-los em sua história. Isso mesmo! A história do problema. Quando começou? Qual a sua origem? A partir de quais contextos surgiu? Como foi gerado? Como se desenvolveu, do surgimento até aqui? Perguntas estas que tentam compreender o que é, de fato, o problema com o qual nos deparamos, sua gênese e seu desenvolvimento.

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Falso problema ou problema de linguagem?

Ao fazermos tais questões, muitas vezes descobrimos que estamos diante de um falso problema. Ele não tem bases na realidade, apenas em nossas abstrações, mas mesmo assim nos afeta e, em casos assim, basta observar não se tratar de um problema real, mas de uma ideia equivocada, e o problema se dissolve. Outras vezes, descobrimos tratar-se apenas de um problema de linguagem: não compreendemos claramente o que outros nos disseram, ou não nos fazemos compreender claramente; disso geramos equívocos, que não esclarecidos geram uma rede de equívocos à qual ficamos enredados.

Já se percebeu em situações assim? Já sentiu o efeito libertador que ocorre quando esclarecemos o equívoco? Por isso, clareza conceitual, precisão na linguagem, um discurso logicamente organizado são características fundamentais do filosofar.

Observando este primeiro passo, quais de seus problemas são, de fato, problemas? Quais deles resistem a uma análise que considera: O que é isto? Como isto se constituiu? Por que se constituiu? Com o que se relaciona? A que fins atende?

Podemos fazer estas perguntas para nós mesmos, refletindo sobre como pensamos as questões cotidianas. Às vezes, ao pensarmos sozinhos, nos perdemos, associando ideias que não podem ser associadas, extraindo delas conclusões às quais não podemos chegar, e os equívocos estão instalados. Mas quando investigamos, apresentando a outro como pensamos, examinando o percurso de construção das nossas conclusões, nossos equívocos podem ser evidenciados e corrigidos, fazendo com que muito daquilo que considerávamos problema simplesmente fique esclarecido e dissolva-se. Mas nem tudo o que se apresenta como um problema em nosso cotidiano é um pseudoproblema, um problema de linguagem. Há problemas reais. E é destes que precisamos tratar.

Referências:

AIUB, M. Como ler a filosofia clínica: Prática da autonomia de pensamento. São Paulo: Paulus, 2010.
AIUB, M. Para entender filosofia clínica: O apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: WAK, 2004.
COSTA, C. M. Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica. São Paulo: FiloCzar, 2013.
CARVALHO, J. M. Diálogos em Filosofia Clínica. São Paulo: FiloCzar, 2013.
GOYA, W. A escuta e o silêncio. Goiânia: UFG, 2007.
SAVIANI, D. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1996.