Destilados, vinho e cerveja: qual é menos prejudicial à saúde?

por Danilo Baltieri

"Um mesmo indivíduo que toma um porre com um whisky 12 anos ou com um whisky nacional vagabundo ingerindo a mesma quantidade de álcool (x g/L = dosagem de álcool no sangue), sofreria os mesmos danos no organismo? A regra poderia valer para outras bebidas como vinho, cerveja e cachaça? Ou se para o organismo tudo é álcool e não há essa distinção? Considerando que cada pessoa (alcoólatra ou não) tenha sua cota de álcool (x g/L) necessária para atingir o “êxtase”, pode se dizer que se ela mudar para uma bebida com um menor teor alcoólico (mas atingindo o mesmo (x g/L), o mal seria o mesmo?"

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Resposta: Praticamente, todos os tecidos do organismo são afetados pelo consumo de álcool, independentemente de qual for o tipo de bebida alcoólica utilizada Uma das formas para classificar os alcoolistas tem sido o tipo preferencial de bebida consumida. Se os tipos de bebidas de fato afetam a resposta a diferentes propostas de tratamento ou até mesmo a fissura pelo álcool, uma nova forma de classificação ou tipologia pode ser estabelecida.

Na verdade, até o momento, alguns esforços têm sido realizados para investigar o relacionamento entre os diferentes tipos de bebidas alcoólicas consumidas por alcoolistas e as variáveis associadas com medidas de resultado, tais como aderência ao tratamento proposto e taxas de abstinência. Também, estudos que focam nas diferentes bebidas alcoólicas consumidas têm mais frequentemente avaliado a influência dos tipos de bebidas sobre o desenvolvimento de diferentes problemas físicos advindos do consumo crônico de bebidas, embora ainda poucas conclusões definitivas tenham sido postuladas.

De fato, diferentes variáveis tais como as sóciodemográficas, quantidade de etanol ingerida por dia, tabagismo, e estado nutricional dos pacientes interagem no desenvolvimento de diferentes repercussões para a saúde do alcoolista. Não é totalmente claro se a escolha de diferentes tipos de bebidas, tais como cerveja, destilados ou vinho contribui diferentemente com resultados adversos para a saúde entre dependentes de álcool.

Geralmente, estudos têm apontado que bebedores de vinho tendem a demonstrar um melhor perfil em alguns parâmetros físicos do que os bebedores de cerveja ou destilados. Mas também os bebedores de vinho tendem a possuir melhores níveis sócioeconômicos do que outros bebedores preferenciais. Isso poderia influenciar positivamente alguns indicadores de saúde.

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De outra forma, alguns autores têm afirmado que dependentes de álcool que preferem cerveja apresentam menor dano ao hipocampo, em termos de perda de volume, do que os bebedores de destilados ou vinho. Esse achado tem sido justificado pelos menores níveis plasmáticos de homocisteína (um aminoácido não essencial) encontrados entre dependentes de cerveja. Algumas vitaminas contidas na cerveja, tais como algumas do complexo B, parecem ser responsáveis por esse menor nível plasmático de homocisteína. Também, outros estudos têm afirmado que bebedores de cerveja demonstrariam mais intensa fissura pela bebida do que os bebedores de destilados e vinho. Isso tem sido associado a alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Entre diferentes sistemas neuroendocrinológicos, alguns peptídeos reguladores do apetite têm sido relacionados ao “craving” (fissura) pelo álcool, tais como a leptina, a grelina e a adiponectina.

Algumas pesquisas têm demonstrado que os níveis de leptina estão associados positivamente com a magnitude da fissura pelo álcool e, entre os diferentes tipos de bebedores, aqueles que preferem cerveja demonstram maiores níveis desse peptídeo. Também o volume da bebida consumida parece influenciar a gravidade da fissura ou “craving”, devido às alterações em peptídeos reguladores de volume, como a vasopressina e o peptídeo natriurético atrial. Em geral, o volume total de cerveja consumida tende a ser maior do que o volume total de destilados. Apesar desses achados, a fissura é também relacionada com a quantidade de etanol utilizada por dia e bebedores de destilados costumam consumir maiores quantidades de etanol por dia do que os bebedores de cerveja.

Em um estudo realizado pelo meu grupo e recentemente publicado no jornal “Alcohol”, os bebedores de destilados demonstraram maior gravidade do alcoolismo, maior magnitude da fissura pela bebida e menor aderência ao tratamento médico proposto, em relação aos bebedores de cerveja.

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Também no nosso estudo, os pacientes dependentes de álcool que revelaram a preferência por destilados demonstraram menor aderência ao tratamento proposto, independentemente do tipo de medicação utilizada. Isso pode significar que diferentes modelos de tratamento devam ser instalados para diferentes tipos de bebedores preferenciais constituindo, portanto, uma forma de tipologia.

A criação de tipologias para alcoolistas é uma tarefa bastante complexa, porque múltiplos fatores genéticos, sóciodemográficos, ambientais, relacionados com a personalidade e outros hábitos etc. estão envolvidos. Embora nosso estudo tenha mostrado que bebedores preferenciais de destilados aderem menos ao tratamento proposto, esses pacientes tinham menos recursos financeiros e muitos deles estavam desempregados. Também, uma mais longa história de falhas terapêuticas pode desencorajar os pacientes de aderir a uma nova proposta terapêutica.

Infelizmente, muitas pessoas procuram e prontamente aceitam impressões que apoiam suas crenças, comportamentos e objetivos prévios, e elas acabam por ignorar evidências ao contrário. Os profissionais devem avaliar rigorosamente alguns erros perceptivos ou até mesmo distorções cognitivas que os pacientes trazem consigo durante todo o processo terapêutico.

É importante considerar que existe uma miríade de tipos de bebidas alcoólicas disponíveis para a venda. Dentre elas, existem aquelas que não são adequadamente nem rigorosamente avaliadas antes da chegada ao consumidor. Existem vários estudos que apontam a existência de outros tipos de álcoois, além do etanol, em vários tipos de bebidas, especialmente entre algumas das destiladas e as de produção caseira ou doméstica. A presença de outros álcoois, tais como metanol, propanol, isobutanol, álcool isoamílico, é ainda mais nociva para o usuário, porque são substâncias altamente tóxicas, provocando lesões ainda mais nocivas sobre fígado, cérebro, coração e demais órgãos.

De fato, vários registros têm sido feitos sobre a intoxicação letal provocada pelo consumo de bebidas contendo álcoois diversos, como o metanol. O rigoroso controle sobre a venda, produção, disponibilidade também é fundamental para o controle desse grave problema de saúde pública – o alcoolismo.

Abaixo, forneço referências para consulta:

Baltieri, D. A., Daro, F. R., Ribeiro, P. L., & De Andrade, A. G. (2009). The role of alcoholic beverage preference in the severity of alcohol dependence and adherence to the treatment. Alcohol, 43(3), 185-195.
Lachenmeier, D. W., Rehm, J., & Gmel, G. (2007). Surrogate alcohol: what do we know and where do we go? Alcohol Clin Exp Res, 31(10), 1613-1624.