Estudo da USP: gatos têm personalidade sim

Por Rebecca Gompertz e Luiza Caires

O Meet your Match® Feline-alityTM é um teste americano adaptado pelo Instituto de Psicologia à realidade brasileira

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Quem tem gato costuma ter certeza de que seus amigos felinos possuem personalidades únicas, diferentes das de quaisquer outros membros da espécie. Embora personalidade seja um conceito historicamente ligado ao ser humano, a adaptação do teste estadunidense Meet your Match® Feline-alityTM acaba dando alguma razão a estes tutores: trata-se de um teste de personalidade destinado a classificar os animais e tornar o processo de adoção mais eficiente, promovendo o encontro de adotantes e felinos compatíveis.

Em sua pesquisa de mestrado, a psicóloga Naila Fukimoto realizou a validação do instrumento, relatando os resultados da aplicação do teste em 71 gatos do abrigo Catland, em São Paulo, e as adaptações necessárias para trazê-lo à realidade brasileira. “A maior diferença é que, nos EUA, os animais ficam em gaiolas individuais e aqui ficam soltos, em contato com outros gatos”, explica Naila. Dessa forma, foi necessário adaptar todos os passos da avaliação que faziam referência aos animais presos.

Pode parecer exagero, mas Naila aponta uma boa razão – e na verdade, triste – para o uso de testes assim: “Existe muita devolução de gatos adotados. No abrigo que visitei, estimo que as devoluções estivessem entre 8 e 10%.” As causas, segundo Naila, costumavam estar relacionadas a mudanças de casa, falta de adaptação do animal e problemas com o comportamento do gato adotado.

O estudo foi realizado no Instituto de Psicologia (IP) da USP, sob a orientação da pós-doutoranda Olívia Mendonça Furtado. Os resultados estão descritos no artigo Modified Meet your Match® Feline-alityTM validity assessment: An exploratory factor analysis of a sample of domestic cats in a Brazilian shelter, publicado na Applied Animal Behaviour Science.

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Meet your Match® Feline-alityTM

O teste consiste em avaliar os gatos em diferentes situações e pontuar suas reações. No original estadunidense, a observação começa quando os gatos ainda estão nas gaiolas e continua em situações iniciadas pelos avaliadores, como a introdução a um novo espaço e a tentativa de acariciar e brincar com o animal.

No teste brasileiro, a observação na gaiola foi trocada por observar o gato solto no abrigo. Depois, a pesquisadora media a reação do animal quando ela se apresentava à sua frente. Nas etapas seguintes, o felino era levado a um novo espaço e era observado como ele se comportava na seguinte situação: se saía da caixa de transporte e se explorava o ambiente. A seguir, a pesquisadora chamava o gato e estendia a mão, depois tentava acariciá-lo, abraçá-lo e brincar com ele.

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Pesquisas já apontam seis dimensões de personalidades para os gatos  

A partir disso, os animais eram enquadrados em algumas dimensões de personalidade. “Para humanos, conhecem-se cinco dimensões de personalidade, mas para gatos ainda não existe um número fechado. As pesquisas hoje já mostram até seis dimensões, mas não existe um consenso”, diz Naila.

O Meet your Match® mede duas dessas dimensões: o quão gregário (habilidade para viver em bando) e o quão valente é o animal. Entretanto, na validação brasileira, foram encontradas três dimensões: agreeableness, que é o comportamento mais afetuoso e amigável; openness, que é o quanto o animal se abre em novas situações; e extroversão, que mede se ele é mais curioso e ativo.

Personalidade animal

Essa área de pesquisa surgiu recentemente, nos últimos 15 anos, mas entre os pesquisadores de comportamento animal já se trata de um consenso: os animais podem, sim, possuir personalidades – ou síndromes comportamentais, como alguns preferem chamar.

“Os estudos de personalidade em animais de companhia estão muito focados em melhorar o bem-estar desses indivíduos, possibilitando adoções mais conscientes”, conta Olívia, orientadora de Naila.

As pesquisas estão em fase de expansão, mas ainda são poucas. Por enquanto, estudos como o de Naila ainda são uma das poucas alternativas que viabilizam que as adoções em abrigos se baseiem em mais do que apenas a aparência do animal, considerando também a compatibilidade do adotado e do adotante.

O drama de ser “reabandonado”

Mesmo sem ter ainda um teste específico, a ONG Confraria dos Miados e Latidos já faz uma triagem levando em conta o temperamento do animal antes da adoção. Por isso, para Tatiana Salles, coordenadora, o maior motivo para a devolução é a frustração da expectativa de que os animais se adaptarão imediatamente. “Falta, por parte das pessoas, paciência e a noção de que o animal não se adapta à rotina e aos companheiros simplesmente por ter ‘gratidão’, que isso demanda tempo. Há também devoluções feitas por o animal que já estava na casa ter se afeiçoado tanto ao adotado, que passou a dar menos atenção aos donos e mais ao amigo recém-chegado.”
Ser devolvido quando estava se adaptando acaba sendo um novo trauma na vida de um animal que, muitas vezes, já vem de condições adversas e até maus tratos antes de chegar ao abrigo ou à ONG. “Gatos são muitíssimo suscetíveis ao estresse, e uma experiência como essa os adoece. Nos voluntários, muitas vezes fica a sensação de injustiça com o gato, além de todo o retrabalho de recuperar a saúde e confiança do animal reabandonado”, explica Tatiana.

Ela conta um caso recente. “Um casal foi até um dos nossos eventos, ‘Amassa Gato’, quando recebemos visitantes que querem conhecer melhor nosso trabalho, determinado a adotar um companheiro para seu gatinho de 8 meses. Todo o processo de adoção foi feito no mesmo dia. Mesmo dando notícias e fotos da ótima adaptação entre o adotado e o gatinho da casa, duas semanas depois o casal nos contatou de madrugada querendo devolver o adotado. A razão: o gatinho da casa mudou muito com a presença do mais novo. Lógico, não é? Mais ativo, mais apegado com o recém-chegado, mais curioso e afeito às brincadeiras entre si.” Seis horas depois, a ONG recebeu de volta o adotado: sem entender nada, sem ter culpa alguma e sentindo falta da casa que nunca foi dele e do irmão que perdeu. “Ficamos imaginando o gatinho da casa, que também perdeu o companheiro. Enfim, adoção é um ato que deve demandar muita maturidade tanto de quem adota quanto de quem doa. Escolher a família adequada para aquele indivíduo é fundamental”, defende.

Para mais informações ou para obter a versão do teste desenvolvida na pesquisa, é possível entrar em contato com Naila Fukimoto pelo e-mail nailafukimoto@gmail.com

Fonte: Agência USP