Vida no trabalho: o equilíbrio do pêndulo

por Roberto Santos

Os polos iguais se repelem e os opostos se atraem. A matéria tem capacidade de acumular energia e voltar a seu estado natural, sem deformação, quando estressada. O pêndulo vai de um extremo ao outro passando por uma posição central de equilíbrio.

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Essas observações e conclusões são derivadas de séculos da Ciência Ocidental, mas para nós são lembranças de aulas de Física e rápidos experimentos com os quais, deslumbrados, aprendemos princípios da eletricidade, da mecânica, etc – fenômenos naturais dos corpos físicos e da energia contida neles.

Exceto físicos e cientistas que se aprofundam indefinida e infinitamente nessas questões, as crianças crescem e deixam esses conceitos numa prateleira empoeirada da estante ou do cérebro. Contudo, elas transcendem esses campos das ciências físicas e invadem o dia a dia de nossos comportamentos e interações sociais e, conseqüentemente, nosso desempenho em grupos e organizações, independentemente do nível hierárquico que ocupemos.

Opostos se atraem e iguais se repelem

Do ponto de vista das relações interpessoais num grupo, seus membros que compartilham valores, interesses, motivações, definitivamente se atraem, refutando aquele princípio da eletricidade sobre as cargas elétricas de sinais iguais ou diferentes. Aquelas pessoas, sobre as quais dizemos que são “gente boa”, com quem “rola uma química legal”, se atraem e parece que o trabalho flui muito bem com elas. Outras pessoas que pensam, valorizam, acreditam e gostam de coisas muito diferentes, podem ser um desafio a cada momento em que temos que lidar com elas.

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Neste sentido, parece que seria muito mais positivo se as empresas contratassem todas as pessoas com valores, crenças e gostos semelhantes – seria a Paz mundial. Embora isso nem seja possível em grupos muito grandes, um líder poderia fazê-lo numa equipe menor. Porém, seria essa a melhor estratégia para a geração dos melhores resultados para a organização como um todo?

A diversidade é uma das palavras da moda, especialmente quando se aborda aspectos de gênero, raça, idade e similares. No entanto, também a diversidade de formas de pensar, de personalidades, valores e interesses deve ser discutida no âmbito das instituições. Muitas pessoas buscam a harmonia e eliminação de possíveis conflitos a qualquer custo, porém não necessariamente essa condição é a ideal para a produção de resultados crescentes. É mais provável que a manutenção do status quo e a estagnação decorram da ausência de questionamentos, da unanimidade tácita ou combinada entre “iguais”.

Assim, a atração entre os opostos acaba sendo um princípio que se aplica positivamente ao desempenho das organizações, ainda que pareça mais difícil e desafiador quando estamos vivendo o embate de idéias diversas e opostas.

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O conflito é inerente às relações humanas e não deve ser entendido como essencialmente negativo. A forma pela qual lidamos com ele é que pode ser prejudicial. Quando não é tratado aberta, positiva e honestamente, o conflito se deteriora nos cantos dos escritórios, nas rodinhas do cafezinho e pode apodrecer as relações entre as pessoas e o clima das organizações.

Quando enfrentados, com uma discussão franca sobre as premissas de cada um e visando ao que é melhor para os objetivos comuns ao grupo, o conflito é fonte de energia para saltos qualitativos nos temas discutidos.

Resiliência – levanta, sacode a poeira e dá volta por cima

Esse nome diferente vem da Física para tratar da capacidade de materiais acumularem energia e, quando estressados, voltarem a seu estado anterior sem deformação. Uma experiência para ilustrar este princípio é apertar um balão cheio de ar, com as duas mãos e depois deixá-lo voltar à sua forma inicial, o quê ocorrerá sem mudanças em sua forma.

No mundo moderno, em que o termo norte-americano stress já ganho dois “es” e foi incorporado ao nosso idioma, a capacidade de se recuperar de grandes baques, sejam eles psicológicos ou financeiros, decorrentes da perda de um ente querido ou de um emprego que se prezava muito, também se chama resiliência.

As empresas passaram a incluir resiliência dentre as competências esperadas para seus colaboradores e candidatos. Como canta um samba que já deve ter uns 40 anos, uma pessoa resiliente: “Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”.

Resiliência, persistência ou perseverança tratam da mesma condição de personalidade que faz com que algumas pessoas, quando se deparam com um desafio ou obstáculo, tendam a ser mais pessimistas quanto à sua capacidade de vencê-los e dar a volta por cima. Outras, mais otimistas encaram as frustrações a que são submetidas como um estímulo adicional para continuar lutando e acabam conseguindo o que buscavam.

A condição da formação da personalidade na mais tenra infância determina em boa parte essas tendências otimistas ou pessimistas quanto ao sucesso que se pode ter e à capacidade de recuperação frente àqueles baques. Porém, a energia pode ser resgatada em cada um, com maior esforço para alguns, para se mostrar resiliente depois do estresse cotidiano. Sem esse esforço, nossa energia para o desempenho se definha e junto se enfraquecem nossas chances de crescer ou mesmo se manter numa carreira.

O pêndulo e a enantiodromia

Epa! Agora pegou, o autor começou a usar palavrão nos artigos? Realmente, a primeira vez que li o segundo termo acima pensei que era um verdadeiro palavrão.

Descobri que além de grande, é uma palavra muito antiga e se pode “parecer grego” para o leitor, talvez seja porque quem a usou pela primeira vez foi de fato um filósofo grego, há mais de 2.500 anos. Heráclito descrevia o fenômeno pelo qual o excesso de uma coisa pode se tornar em seu contrário. Como ficava difícil de se entender numa primeira leitura, talvez tenham adotado um nome igualmente complicado para representar aquele fenômeno.

E o que é que isso tem a ver com o pêndulo? Do ponto de vista de física e filosofia, muito pouco na realidade. Mas a questão é que entre os dois pontos mais elevados que o braço do pêndulo atinge em sua trajetória, ele passa necessariamente pela posição central. Aquele ponto único em que ele elimina as tendências para um lado ou para outro e é puro equilíbrio.

Bem, agora o que é que tudo isso tem a ver com carreira, trabalho, organizações e minha gestão pessoal? Já tratei em vários artigos anteriores desta coluna, o conceito de que um ponto forte, se exagerado, pode se tornar uma fraqueza e, se a pessoa não se der conta disso, pode colocar seu desempenho e carreira em risco de descarrilamento para as ribanceiras do fracasso.

Dois exemplos ajudam a entender o que o coitado do Heráclito e o pêndulo têm a ver com essa história ferroviária de descarrilamento. Num mundo cheio de percalços jurídicos e legislações absurdas, a prudência na tomada de decisões serve para restringir os riscos da empresa e deixar o dono da empresa dormir tranqüilo e sem ver o sol nascer quadrado. Beleza! Então, quanto mais cautelosa a pessoa melhor. Certo? Não necessariamente, pois algum risco calculado é necessário no mundo dos negócios. O indivíduo excessivamente cauteloso trava todos os processos querendo o impossível — tomar decisões 100% seguras que trarão 0% de risco.

Outro exemplo, o executivo seguro de si, autoconfiante, assertivo, determinado talvez seja o modelo que as empresas procuram e que são retratados em filmes como o típico homem de negócios de sucesso. Como poderia algo de tão positivo se transformar em algo negativo?

Novamente, as pressões de mudanças turbulentas fazem com que os problemas resolvidos ontem, já não possam ser solucionados com as mesmas respostas ou que nosso astro ou estrela de capa de revista não tenha todas as respostas. No entanto, o exagero de sua autoconfiança pode fazer com que ele/a superestime sua capacidade e competência e deixe de ouvir aquele trainee recém admitido e talentoso que insiste em mostrar um aspecto da decisão superior que poderá ser fatal. Essa arrogância poderá se repetir até que, em algum momento, os problemas apontados pela equipe de fato se concretizem nos pés do executivo/a e ele afunda nas águas límpidas de sua própria incompetência.

Quando estamos de um lado do pêndulo e nos sentimos bem naquela posição, vemos ao longe o outro extremo e o repudiamos intensamente. A pessoa que procura pautar seu comportamento pela modéstia e humildade jamais afirma qualquer coisa com muita convicção que possa dar a mínima impressão de arrogância. Ela evita assumir uma aparência professoral de quem quer mostrar que sabe mais do que o outro.

O profissional que não leva desaforo para casa, que não deixa barato quando um chefe o questiona sobre uma decisão ou um comportamento, que encara política como o mais sujo palavrão corporativo, enxerga no outro extremo o odioso puxa-saco, cordato que faz de tudo para agradar o chefe, de quem nunca discorda, como um “cordeirinho de presépio”.

Nestes e em outros muitos exemplos que poderiam ser levantados vemos como é mais fácil e, talvez por isso mais comum, que só consigamos ver o que refutamos como o oposto de nossa preferência. Sem perceber que ambos extremos são potencialmente descarriladores de carreiras, deixamos de considerar o desvio da linha para chegar àquele ponto de equilíbrio do pêndulo.

Precisamos aceitar e entender que há momentos para se usar da modéstia e outros para se dar uma aula sobre aquilo que dominamos e que não será encarado como prepotência. Considerar e compreender que política não é politicagem, que algumas batalhas não valem a pena serem lutadas e que por isso não será necessariamente julgado como o “capachinho chefinho” são sinais de amadurecimento revelados quando caminhamos para o equilíbrio do meio.