Cinderelas ao contrário

por Luís César Ebraico

Meninas de rua de Ipanema são "Cinderelas ao contrário": assemelham-se à do conto infantil por ter um vida dupla, mas, inversamente ao que ocorre com aquela, pelo menos que diz respeito à cronologia. Vejamos como:

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À noite vivem seu aviltamento – ora dormem ao relento, no duro chão das calçadas, ora arriscam voltar a suas casas nas favelas, o mais das vezes para receber pancadas e maus tratos de pais bêbedos, drogados e marginais.

Ao amanhecer do dia, particularmente no verão, entram numa abóbora transformada em carruagem – uma prancha de surf tirada de não sei onde – e vão-se divertir deslizando sobre as águas do Arpoador. Chegada a fome, conseguem regularmente que a população enricada da área lhes pague alguns suculentos cheesebúrgueres ou redondos pratos-feitos, que comem gostosamente em grupo, geralmente regados por uma coca de dois litros, que dividem entre si. Depois? Depois, praia outra vez.

Voltada a noite, num passe de mágica que não compreendo, as pranchas-carruagem desaparecem e elas mergulham novamente no borralho das favelas e calçadas, certamente sonhando com a praia-palácio a que retornarão quando o dia voltar.

Observo-as bastante e parece que sei lidar com elas. Uma vez, por exemplo, roubaram-me sem que eu visse vinte pratas de troco que estavam em cima do balcão de um bar. Eu disse que não falaria mais com elas enquanto o dinheiro não voltasse. Confessaram o "crime", disseram que já tinham gastado o dinheiro, mas que iam conseguir de novo para me devolver. Fizeram isso. Com um bastante tolerável atraso de 48 horas.
Saboreemos o diálogo que travei com uma delas num de seus faustosos momentos de princesa lúdica, durante uma tarde luminosa de verão:

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MENINA PEDINTE: – Me dá dez reais aí!
EU: – Não dou!
MENINA PEDINTE: – Você não tem?
EU: – Tenho mais do que isso.
MENINA PEDINTE: – Então por que não dá?
EU: – Porque estou de mau humor!
MENINA PEDINTE: – Então me dá sete.
EU: – Qual o mínimo que você está aceitando hoje?
MENINA PEDINTE: – Ué, sete!
EU: – Dou dois!
MENINA PEDINTE: – Dois é muito pouco!
EU: – Tem razão! Eu ficaria ofendido se me alguém se oferecesse a me dar só dois reais!
MENINA PEDINTE: – Então me dá sete.
EU: – Só dou dois.
MENINA PEDINTE: – Tá bem. Eu fico com dois.
EU: – Tem certeza? Acho um pouco ofensivo…
MENINA PEDINTE: – Não, tá bom. Me dá.
EU (passando os dois reais): – Pega aí, mas eu não receberia…
MENINA PEDINTE (saindo, toda serelepe, na direção das amiguinhas, que esperavam adiante): – Tchau!
EU (rindo por dentro): – Tchau!..

É mole?