Aprender a mudar, aprender para mudar…

por Regina Wielenska

Assisti um trecho de novela no qual a moça, com transtorno alimentar e abusos alcoólicos, afirma ao namorado que todo dia, na hora de dormir, se propõe a acordar com uma nova atitude, mudada para sempre e livre dos problemas que a acometem. Não preciso ser roteirista de TV para afirmar que nem na ficção isso funciona.

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Mudar nosso jeito de lidar com a vida, mesmo quando ele nos prejudica, não é tão rápido como fazer sopa de pacote. Vamos examinar alguns aspectos da questão.

Antes de qualquer coisa, precisamos entender que a alta prevalência de um comportamento provavelmente sinaliza que ele supre alguma função importante para nossa sobrevivência, física ou emocional. Beber em excesso, alimentar-se desregradamente, fumar, mentir, enrolar-se nos horários, nada surge por acaso e muito menos se mantém apenas por seus efeitos deletérios.

Por exemplo, uma pessoa insone, ansiosa, que fica remoendo problemas na hora de dormir, pode acidentalmente descobrir que beber antes de dormir a induziria mais facilmente ao sono (o qual, na verdade, terá sua qualidade fortemente prejudicada). Quantidades de álcool progressivamente maiores tornaram-se necessárias para assegurar o mesmo efeito e, com o passar do tempo, testemunhamos o surgimento de um padrão alcoolista de comportamento. As chateações da tarde passam também a ser apaziguadas por meio de uns goles. O fim de semana parece infinitamente sem graça. Exceto se o álcool fizer parte da jogada…
Assim, aprendeu-se que o beber remove, ao menos por um tempo, as sensações ruins, os estados desagradáveis. Os problemas parecem distantes, a autoconfiança se manifesta, tudo ganha alguma graça.

A contrapartida dessa eficaz solução tosca é que a pessoa torna-se menos confiável, dirige alcoolizada, falta a compromissos em função da ressaca, prejudica seu aparelho digestivo e sobrecarrega os neurônios, dá vexames na frente das pessoas, magoa a quem ama, apresenta falhas no desempenho sexual, fica desnutrida. Em suma, beber remove problemas por muito pouco tempo e cria outros, mais duradouros e graves, que se somam aos problemas iniciais, exatamente aqueles que fizeram o álcool parecer uma boa saída. A pessoa começou com um tanto de problemas e agora carrega nas costas o triplo de sofrimento.

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Com uma pitada de bom senso intuímos que dissolver um novelo assim dará muito trabalho. Principalmente para o alcoolista. Uma anedota antiga indaga quantos psicólogos são necessários para trocar uma lâmpada. Um psicólogo basta, mas a lâmpada PRECISA QUERER ser trocada! Pois é, reconhecer que se tem um problema e se dispor a lidar com ele é um bom começo. Apenas um começo…

Acontece que renunciar ao excesso alcoólico e intervir sobre os problemas da vida sem a muleta do álcool (lembrem-se, este é só um exemplo, entre uma infinidade de problemas de comportamento) necessariamente colocará o indivíduo em contato direto com desafios objetivos e subjetivos. O sono ruim será uma realidade, bem como as preocupações com o gerenciamento dos problemas, a necessidade de apagar o incêndio dos vexames e de resgatar a reputação perdida. Haverá um sucessivo confronto entre o indivíduo e seus limites pessoais e contextuais. Faltam habilidades, os recursos são escassos, muitas emoções desagradáveis vão se tornar companheiras da jornada em busca da recuperação. A chave da mudança é experimentar o novo, aprender o que faz falta, viver o que tiver que ser vivido. E quando errar, que não seja repetindo os velhos comportamentos do tipo canoa furada.

Mudar significa fazer o que se precisa (em consonância com os valores mais caros ao indivíduo) e se dispor a sentir tudo o que cada ação produzir. Aprender a relaxar ajuda muito. Técnicas de meditação também. Nada isentará o indivíduo de precisar descobrir – a duras penas – soluções para os velhos problemas; recomenda-se pedir ajuda quando ela estiver disponível, para enfrentar de verdade o medo, a vergonha, falta de dinheiro e a solidão.

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Os especialistas em processo de mudança de comportamento sabem que recaídas são quase que inevitáveis. Se o sujeito recair uma vez, o jeito é se levantar duas. Sinal de progresso será a redução das recaídas, seja em termos de intensidade, duração ou frequência. Também serão colhidos alguns frutos; a primeira safra será modesta, colheitas mais generosas são reservadas aos que perseverarem na mudança, abraçando a totalidade da experiência de viver.

Desperdiçamos energia preciosa em busca de explicações. Condenamos os outros ou a nós mesmos pelos resultados obtidos. Botar a culpa em alguém nada ajuda. Sair da autocomiseração e partir para o rescaldo, esse é o caminho. Fácil de falar, duro de fazer. Mas sempre viável e gratificante.