Medicar-se com responsabilidade: uma questão de compromisso

por Regina Wielenska

Vira e mexe ouço alguém dizer: "Minha pressão está ótima, então vou parar de tomar o remédio". A mesma ladainha se aplica ao modo como alguns lidam com o tratamento de condições como esquizofrenia, transtorno bipolar do humor, alterações da tireoide, entre outros quadros clínicos, igualmente importantes.

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Não raro alguém se medica por conta própria ao sentir algum sintoma chato, seja por que o vizinho comentou que tal remédio funcionou quando foi acometido por sintomas similares ou por que o balconista da farmácia indevidamente afirmou que o remédio x era tiro e queda para dor ou febre. O problema é que conglomerados de sintomas similares podem representar doenças muito distintas, cada uma com tratamento específico e remédios diferenciados.

Abençoadas as medicações, fontes de cura e bem-estar. Disso não duvido. Mas doses em excesso ou a menos não vão ajudar ninguém. Muita gente interrompe um tratamento com antibiótico precocemente, tão logo se sente melhor, e com isso não aniquila devidamente todas as bactérias, e favorece que algumas delas se tornem resistentes aos fármacos. Ou seja, chega a hora em que certas infecções não mais serão curadas com aquele remédio. Conheci quem se tornou abusador de analgésico, começou com doses precisas, recomendadas pelo médico, e depois nunca mais voltou para se consultar. Apenas passou a fazer uso de doses enormes por conta própria e comprando o que desejava tomar por meios ilícitos, no mercado negro das substâncias de uso controlado.

Quem sofre de hipertensão e recebeu do médico uma receita para tomar regularmente um tal remédio precisa entender que esse remédio é de uso contínuo. Não se interrompe o tratamento, exceto sob ordens e supervisão médica.

Há alguns anos contaram-me a história de uma mãe que interrompeu bruscamente o tratamento da asma do filho, tratado com corticoides, sob a justificativa de que havia alguns efeitos colaterais ruins. O resultado foi desastroso, porque essa classe de medicamentos só pode ser retirada lentamente, seguindo-se um protocolo orientado pelo médico. Ao agir por conta própria, supostamente em benefício do filho, a mãe quase matou a criança, ao assumir uma decisão inadequada.

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Já testemunhei portadores de esquizofrenia ou seus familiares fazerem forte oposição ao tratamento contínuo, tão necessário nesses casos. O resultado é o aumento de recaídas, ocorrem novos surtos psicóticos, e cada um deles pode prejudicar a capacidade cognitiva e afetiva da pessoa. Prevenir os surtos e conter os sintomas, que são fonte de intenso sofrimento, é uma tarefa fundamental a ser desempenhada pela medicação regular, que será complementada por terapia e outras modalidades complementares de tratamento.

Há quem tema, por mero preconceito e desinformação, os fármacos de tarja vermelha ou preta. Por vezes, essas mesmas pessoas não se opõem aos abusos etílicos ao volante, e nem valorizam práticas sexuais seguras, capazes de evitar doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada. Não é uma total incongruência atacar os fármacos prescritos pelo especialista por se temer as tarjas (com seus obscuros significados) e assumir impensadamente os riscos daqueles comportamentos imprudentes sem a menor reflexão a respeito?

Estas reflexões tangenciam um problema frequente, cujas raízes estruturam a relação médico e paciente. Provavelmente, a falha está no preparo de ambos; o médico nem sempre é treinado o suficiente para aprender a se comunicar de forma a ser realmente entendido pelo paciente. Há diferenças culturais, dificuldades intelectuais, vergonha, inassertividade e outros fatores que atrapalham o paciente, que sai confuso e cheio de dúvidas do consultório. Em alguns casos a "ficha cai" horas ou dias depois da consulta e o problema continua. Da parte do profissional, a questão se refere ao treino de comunicação inadequado, jornadas exaustivas, pouco tempo para dialogar com o paciente e construir com ele um vínculo de qualidade do qual a comunicação aberta faça realmente parte.

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Médicos são seres capazes de falhar, como todos nós, mas certamente foram treinados bem mais do que cada um nós na complexa ciência e arte de prescrever tratamentos. Vamos então cultivar a comunicação franca e o respeito recíproco na relação médico-paciente e aderir com disciplina aos tratamentos propostos?