Transtorno obsessivo compulsivo II: terapêutica e qualidade de vida

por Regina Wielenska

No texto anterior (clique aqui e leia), busquei descrever o TOC, discutindo suas manifestações, os fatores que o determinam, e apontei alguns dos prejuízos que traz aos portadores não tratados.

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Dando continuidade às ideias antes apresentadas, quero agora apresentar questões relacionadas ao diagnóstico, tratamento e inserção social do portador. Vamos, então, ao trabalho.

Para se fazer um diagnóstico correto de TOC geralmente é preciso que o portador aceite ser avaliado por um médico, ou psicólogo especializado em transtornos desse tipo. É fundamental que o portador deixe de lado a vergonha ou o medo de se abrir, e se disponha a revelar tudo o que sente, pensa e faz. Nem sempre isso ocorrerá na primeira consulta, a confiança demora um tempo pra se estabelecer. Tudo bem que seja assim, o importante é não desistir da ideia de buscar ajuda.

O profissional de saúde mental coletará informações não apenas sobre os sintomas do portador, mas também acerca de seu funcionamento psicossocial, história familiar, e outros aspectos gerais. Busca-se validar a pessoa, resgatar sua qualidade de vida, além de especificamente tratar o TOC e outros transtornos que lhe afetam no momento da consulta. Em alguns casos, o médico pode adicionalmente solicitar exames de neuroimagem, de bioquímica do sangue ou outros quaisquer, no intuito de assegurar que os sintomas de TOC não sejam, na verdade, causados por outros fatores do organismo. De qualquer modo, a principal ferramenta diagnóstica é a entrevista clínica, com o portador e seus familiares.

É grande o número de indivíduos que desconhecem o TOC, ou que possuem um entendimento incompleto ou muito distorcido a seu respeito. A consulta precisa se converter num rico diálogo, no qual portador e família recebam esclarecimentos, orientações, e dicas adicionais sobre os recursos da comunidade para tratamento do portador e sua reinserção social.

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Em termos gerais, foi por volta dos anos sessenta, no século passado, que surgiu o primeiro fármaco reconhecidamente indicado para tratamento do TOC, uma substância denominada clomipramina. A partir dos anos oitenta multiplicaram-se as alternativas farmacológicas e, conforme as características de cada paciente, o médico fará a escolha de um ou mais remédios que farão parte do tratamento. Em termos gerais, doses reduzidas são ministradas de início, e gradualmente, busca-se atingir a dose máxima tolerada, aquela capaz de oferecer ganhos terapêuticos sem acarretar prejuízos.

Evite a automedicação

Deve-se riscar do mapa a automedicação, atitude perigosa e ineficaz. Para cada pessoa há um ou mais fármacos capazes de lhe ajudar, desde que a dose prescrita seja tomada regularmente, por um longo período de tempo. São remédios seguros, mas não isentos de alguns efeitos colaterais moderados, todos contornáveis e mantidos sob controle por meio de orientação médica. Crianças, gestantes e idosos geralmente podem receber tratamento medicamentoso, mas sempre adaptado à sua condição clínica e fase do desenvolvimento. Ainda não existe um remédio 100% eficaz para a totalidade dos portadores. Há quem note, após as primeiras semanas, melhoras graduais, que podem representar o controle de até 80 ou 90% dos sintomas. Outros pacientes notam melhoras não tão intensas, mas que lhe propiciam suficiente alívio do sofrimento que lhes forçou a buscar ajuda.

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Psicoterapia

Uma segunda modalidade de tratamento é a psicoterapia. Há estudos que avaliaram pacientes com TOC por meio de exames de neuroimagem, realizados antes do tratamento e ao seu término. Os pacientes submetidos a uma associação entre fármaco e psicoterapia comportamental-cognitiva foram os que mais melhoraram e esse progresso foi correlacionado a mudanças metabólicas do cérebro, encontradas nos exames daqueles que responderam positivamente ao tratamento (medicação ou terapia comportamental-cognitiva isoladamente ou a associação de ambas as terapêuticas). Este e outros dados sugerem que a terapia psicológica, associada ou não ao medicamento, é capaz de modificar o funcionamento do organismo e o comportamento da pessoa acometida pelo TOC (seu pensar, sentir, agir).

Há inúmeras modalidades de psicoterapia, e as mais pesquisadas até o presente momento são variações das terapias comportamentais e cognitivas, e os resultados publicados mostram-se bastante positivos. Em alguns casos, modalidades de terapia individual podem bastar, mas não raro convém associá-la a orientação ou terapia familiar. Muitas famílias modificam de tal forma suas práticas cotidianas, buscando se acomodar aos efeitos do transtorno, que passam a viver de um modo que prejudica a todos os seus membros. Ao invés de ajudarem ao paciente, acabam dando inadvertido apoio à manutenção dos sintomas e propiciando a piora do quadro clínico. Terapias psicológicas são diferentes das farmacológicas por exigirem do paciente um engajamento ativo ao longo do processo. A meta é reduzir os sintomas, ampliar a qualidade de vida e o autoconhecimento, bem como assegurar que o transtorno não mais seja a marca registrada da pessoa. Como dizem por aí, ?eu possuo o transtorno, não é ele que me possui".

Recentemente foi aprovada, por enquanto nos Estados Unidos, a implantação cirúrgica no cérebro de eletrodos que produzem uma estimulação elétrica profunda.

Após um ano de funcionamento, registrou-se a redução dos sintomas em cerca de 40% dos casos estudados, todos de portadores que não haviam respondido aos demais tratamentos. Há muito a ser estudado acerca do tema antes de se consagrar essa alternativa de tratamento. Ainda em caráter experimental, há a radiocirurgia não invasiva por aplicação de raios gama, que provavelmente será reservada no futuro apenas a casos graves que não responderam aos tratamentos presentes, já reconhecidos como cientificamente válidos.

A internet oferece uma infinidade de informações, mas muitas carecem de veracidade ou precisão. Sugere-se, portanto, cautela ao se consultar sites para se obter informações sobre qualquer transtorno mental. Os mais confiáveis costumam ser os mantidos por centros de pesquisa e por associações de portadores, entidades civis compostas por portadores, seus familiares e apoiadas por um conselho científico. No Brasil e em muitos outros países há instituições cujo trabalho sério pode ser conhecido navegando-se pelas páginas da web.

Meditação e transtornos de ansiedade

A meditação e outras modalidades de exercícios de consciência plena (mindfulness, em inglês) têm se mostrado muito úteis para portadores de transtornos psiquiátricos de ansiedade. Tais estratégias tem sido inseridas em programas psicoterapêuticos com expressivo sucesso. O objetivo é fazer com que o indivíduo aprenda a ”surfar” sua onda de ansiedade, sem buscar suprimi-la e sem se afastar de suas metas e valores existenciais mais significativos. Isso pode parecer paradoxal, mas quem se engaja no processo acaba por pensar de outro modo e sente melhoras.

Atividade física regular é outro aliado no tratamento, e sua prescrição e acompanhamento devem ser feitos por profissional qualificado, que conheça o TOC e respeite seu portador.

É importante manter-se afastado de substâncias psicoativas como analgésicos e tranquilizantes não prescritos pelo médico, além do álcool, cocaína, cannabis (maconha), cujas propriedades muito provavelmente prejudicariam o tratamento.

Importância das associações de portadores de TOC

Nem sempre um portador tem a chance de conhecer outra pessoa com TOC. As associações de portadores podem cumprir esse papel, aproximando pessoas que se reconhecem no outro pela natureza do transtorno que as acomete. Esta é uma experiência marcante, que pode ter inúmeras funções:

• motivar aqueles que estão renitentes quanto a se tratar;

• fornecer informações relevantes aos portadores, famílias, instituições de ensino, jovens profissionais de saúde mental, de modo preciso, concentrado, atual;

• criar mecanismos de proteção dos portadores quando seus direitos básicos são desrespeitados;

• informar a sociedade como um todo, conscientizando a população sobre o TOC, estimulando o diagnóstico precoce e a quebra de preconceitos.

Há filmes que se inspiraram no TOC para construção de seus roteiros, entre eles a série de TV Monk (EUA) e os filmes Melhor é Impossível (Dir. James L. Brooks,.1997 – EUA) e Nosso Querido Bob (Dir.Frank Oz 1991 – EUA) – este último mostra um portador cujos sintomas provavelmente mesclam TOC, transtorno do pânico e fobia social).

A seguir, ofereço algumas sugestões de sites que poderão ser úteis aos que desejarem mais informações.

www.protoc.com.br
www.astoc.org.br
http://www.youtube.com/user/Sitoctube
http://www.unifesp.br/dpsiq/prodaf
www.ocfoundation.org (em inglês)

Este segundo artigo encerra minha exposição sobre o tema TOC, mas absolutamente não o esgota. Espero apenas ter impulsionado o leitor a se aventurar em busca de mais informações, seja para beneficiar a si próprio ou àqueles com quem conviva. Auxiliar no combate aos preconceitos e à desinformação na área da saúde mental é também um objetivo da coluna Comportamento.