‘Posso fazer uma crítica construtiva’ é uma frase inútil

por Renato Miranda

Todo atleta convive com críticas. Falo não daquelas pertinentes à repercussão de resultados, como por exemplo, oriundas dos veículos de comunicação que visam à informação. Falo daquelas que supostamente procuram mostrar caminhos, soluções, melhoria de desempenho e outros termos do tipo.

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Em estudo com alguns alunos sobre o tema procuro provocá-los ao fazer analogias com diversos setores profissionais, inclusive com àqueles ligados ao mundo acadêmico.

Considero esse assunto muito delicado, pois geralmente a crítica no ambiente esportivo está associada ao ego (tanto de quem a faz quanto de quem a recebe) e menos à tarefa (associada às ações).

Se considerarmos o ego como a entidade que nos impele frequentemente a percebemos como somos “notados” pelos outros e, portanto, como somos avaliados, é compreensível a preocupação constante de atletas em impressionar aqueles que os observam.

No entanto, essa preocupação tende a ser danosa ao desempenho, já que a concentração fica prejudicada em relação à tarefa em questão. Noutras palavras, o atleta não se concentra em suas ações para a execução da tarefa, porque fica demasiadamente preocupado com as críticas e/ou a avaliação que os outros (técnico, mídia, torcedores, familiares etc.) farão dele.

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Ao ler Susan Jackson e Csikszentmihalyi, dois estudiosos sobre feedback no esporte, fico mais convicto de que uma das frases mais inúteis tanto na vida acadêmica quanto no esporte competitivo é: “ Posso fazer uma crítica construtiva?” Na maioria das vezes acompanhada também por uma resposta vazia e acobertada de desagrado: “Sim!”

Isso por que quem quer criticar supostamente (?) é movida (o) pelo ego e por sua vez quem escuta (a pessoa criticada), na dúvida, percebe que seu ego será atingido e por isso, quer defendê-lo. E o faz, primeiramente com o “singelo sim!”

Pressuposto então, crítica boa é aquela oriunda daqueles que gostam da pessoa criticada, pois assim, acredita-se que a intenção está na melhoria das ações e não em atingi-la.

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No esporte profissional isso fica ainda mais complicado devido ao fato da exposição midiática cada vez mais diversificada e crescente cujos atletas estão sujeitos. Acrescente-se o fato do esporte ser uma atividade de domínio público e, portanto, a mesma ser avaliada de maneira sumariamente pública e na maioria das vezes relacionada ao resultado (muito estimulante para o ego) e não na tarefa (ação).

Nesse contexto atletas (amadores, mas principalmente profissionais) têm um problema: Em vários momentos de suas vidas esportivas – principalmente em competições – eles não percebem possibilidades explícitas de modificações e/ou ajustes em suas ações, porque ficam ansiosos ou antecipam demasiadamente o estresse competitivo. Em resumo, ficam muito preocupados com as críticas e mais, com aquelas que possivelmente (ou não!) virão.

Consequência: Esses atletas não sabem se realmente fazem aquilo que é correto para seu melhor desempenho e/ou liberam energia de maneira eficaz.

A crítica que pode ser traduzida muitas das vezes como um excelente feedback; é um processo que exige muita dedicação de atletas e até mesmo de técnicos.

Dedicação para aprender a interpretar a fonte (qualidade da informação e intenção) e filtrar o(s) conteúdo (s) relevante.

Esse aprendizado vem com o tempo e vivência e pode ser aperfeiçoado com orientações de qualidade. No próximo texto apresentarei algumas dicas que poderão nortear soluções para esse problema.

Por ora deixo um pequeno lembrete que utilizo com atletas, técnicos, alunos e meus pequenos filhos desportistas. Outro dia mesmo o utilizei com um amigo, técnico famoso de voleibol, antes de uma final, que por telefone, se mostrava naturalmente ansioso.

É o seguinte: demonstro grande carinho e simplesmente digo: “Vá em frente!” Isso de tão simples parece ridículo, mas é uma das formas de que tudo passa, nada resiste ao tempo, nem mesmo as críticas.