A tal da síndrome do pânico – Parte II

por Luís César Ebraico

A descarga *paroxística de angústia é uma das possíveis expressões do que se chama “reação ergotrófica”, ou seja, uma produção extra de energia, patrocinada por nosso sistema nervoso autônomo. Esse tipo de reação é desencadeada toda vez que um animal se percebe em situação de perigo, pois tal “energia extra” deverá servir-lhe para fugir ou para lutar (“erg em grego). Ocorre que, se tal “reação ergotrófica” ocorre na AUSÊNCIA DE UM PERIGO REAL, o sujeito não tem onde empregar de forma funcional o excesso de energia produzida e torna-se vítima da reação que, em situações de real perigo, deveria servir-lhe de apoio. A reação ergotrófica pode ser desencadeada por dois tipos de fatores: (a) tóxicos e (b) cibernéticos (relativos a informação).

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O desencadeante é cibernético toda vez que percebo um estímulo que considero perigoso. Se estou calmamente sentado em uma sala de cinema e ouço gritarem “Fogo!”, essa INFORMAÇÃO desencadeia em mim esse tipo de reação, pondo a minha disposição uma quantidade extra de energia para que eu possa colocar minhas pernas a correr. Ocorre, entretanto, que a mesma quantidade extra de energia pode ser liberada se eu, que tenho fobia de baratas, vejo uma. Aqui, não há razão objetiva para produção de uma reação ergotrófica e o ataque (= síndrome) de pânico que ela produz é expressão do que o Código Internacional de Doenças (CID-10) classifica como Transtorno Fóbico-Ansioso, que deve ser tratado psicoterapicamente.

A medicação, nesses casos, só tem sentido se for claramente entendida pelo profissional e por seu paciente como uma medida paliativa, que objetiva “alívio” e não “cura”. O estímulo fóbico – em nosso exemplo, a barata – nem sempre é óbvio e pode levar meses até que terapeuta e paciente sejam capazes de descobri-lo, mas, quando descoberto e devidamente tratado, a reação de pânico deixa de ocorrer.

Penso usar o caso de Emmet, atualmente trabalhando psicoterapicamente comigo, para exemplificar esse processo.

Para falar das possíveis causas tóxicas da Síndrome do Pânico, vale rever o conceito de “toxidade”.

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“Toxidade”, embora muitos não se deem conta disso, é uma relação. É a relação com um ser vivo de um elemento – químico ou, mais raramente, físico – capaz de produzir distúrbios funcionais ou, até mesmo, a morte. Desde Paracelso (1493-1541), reconheceu-se que, se, por vezes, para uma espécie, um elemento é tóxico por si só (o cianureto, por exemplo, para nós humanos), boa parte deles, todavia, depende, para apresentar toxidade, de que se preencham exigências relativas à dosagem (o que, segundo o citado Paracelso, fazia a diferença entre remédio e veneno) e às condições do organismo (sua natureza, sexo, idade, peso, estado hormonal, psicológico, de nutrição, etc.). Entende-se, portanto, que, segundo as condições do organismo, a mesma dosagem de um certo elemento pode ser tóxica ou não. Essa “relação tóxica” pode ser estabelecida entre um organismo e um elemento exógeno (= proveniente do ambiente, por exemplo, o tal cianureto) ou entre ele e um elemento endógeno (= por exemplo, um hormônio).

Síndrome do Pânico poderia ter uma origem tóxica?

Voltemos, então, à Síndrome de Pânico. Poderia ela ter origem tóxica? Sem dúvida. Comecemos pela toxidade “exógena”. A ingestão de cocaína pode provocar um ataque de pânico. Nesse caso, a Síndrome do Pânico seria classificada pelo Código Internacional de Doenças como F14 (Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de cocaína). Como se vê, a “toxidade” da cocaína está oficialmente contemplada entre os possíveis causadores da Síndrome do Pânico.

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A toxidade “endógena” é também possível?

Em sendo, também é oficialmente contemplada?

Vejamos.

Em 1895, Freud escreveu um artigo – “Dos fundamentos de se separar da Neurastenia um Complexo de Sintomas sob o nome de Neurose de Angústia – em que afirma que, se os elementos químicos produzidos pela excitação sexual não são devidamente processados – entenda-se, proporcionalmente transformados em prazer – o resíduo não processado desses elementos pode – segundo as condições, estruturais ou conjunturais, em que se encontra o organismo – ADQUIRIR STATUS TÓXICO e PROVOCAR ATAQUES DE ANGÚSTIA.

Essa, entretanto, é uma descoberta “politicamente problemática”.

Vejamos.

Uma mulher, dependente financeiramente do marido, que apresenta ejaculação precoce, apresenta ataques de pânico. Segundo a hipótese freudiana – que minha experiência clínica confirma – ela, que começa a excitar-se na relação, mas, visto o problema do marido, jamais chega ao orgasmo, apresenta ataques de pânico, em geral no espaço máximo de dois dias após a ocorrência daquela relação. Sugerir-lhe o quê (particularmente nas condições de mercado do século XIX)? Que pare de acolher os desejos sexuais do marido? Que procure um amante capaz de sustentar mais longamente uma ereção? Como um psiquiatra com ejaculação precoce orientaria sua esposa em tal matéria? O século XX descobriu a solução: medicá-la com Alprazolam, inicialmente comercializado sob o nome de Frontal…

(Ao tempo de Freud, opuseram-se a esse seu entendimento, dizendo que tais ataques de pânico eram devido ao que hoje chamamos de estresse, já que, enviada para um spa, a vítima da Síndrome do Pânico cessava de sofrer ataques. Freud, que era bem espertinho, respondeu: “Só quando vai para o spa SEM O MARIDO!)

*Paroxismo: 1 espasmo agudo ou convulsão; 2 momento de maior intensidade de uma dor ou de um acesso; 3 recorrência ou intensificação súbita dos sintomas de uma afecção paroxismos – Fonte Dicionário Houaiss