Desacelere o ritmo e evite o estresse

por Angelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar, o jornalista e escritor escocês Carl Honoré, autor de 'Devagar' (Editora Record), explica como desacelerar o ritmo no dia a dia.

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Ele é divulgador do slow moviment pelo mundo. Honoré já morou por um ano no Brasil e explica por que os brasileiros são ao mesmo tempo acelerados e lentos.

Vya Estelar – Em sua curta estadia no Brasil, como o senhor avalia o atual ritmo de viver dos brasileiros: é rápido, moderado ou lento?

Car Honoré – É uma mistura. Por um lado os brasileiros podem ser muito acelerados. Basta pegar um táxi no Rio de Janeiro ou em qualquer outra grande cidade do país, que você verá todos em alta velocidade, impacientes e raivosos sobre rodas. E ainda, por causa da situação econômica do país, muitos brasileiros precisam trabalhar por longas jornadas ou ter mais de um emprego para sobreviver, o que acaba acelerando qualquer um. Também, os brasileiros parecem adorar a tecnologia. Todo o tempo você vê alguém falando no celular, por exemplo.

Sentei em um restaurante em Belo Horizionte entre dois jovens. Eles começaram conversando sobre quanto tempo não se encontravam e quanto tinham para conversar. Então, um atendeu uma ligação no celular. O outro parecia entediado em esperar e ligou para alguém de seu telefone. No final, eles passaram mais tempo falando em seus telefones ou mandando mensagens de texto do que realmente desacelerando para conversar.

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Mas os brasileiros têm também muito da lentidão em sua cultura. Durante o Carnaval, por exemplo, o país pára por 3 ou 4 dias, o que é algo realmente incrível nos dias de hoje. Existe também a tradição de parar para um 'cafezinho' e bate-papo. Fora a cultura da música, da dança e da praia, que envolvem relaxamento, prazer e conexão com o outro. E esses são principios essenciais da lentidão.

Como uma cultura latina, o Brasil tem a família próxima ao cotidiano de cada um. E a família ajuda a desacelerar. Está baseada em relações humanas que não podem acelerar. A família pode atuar como uma espécie de vacina contra a cultura da pressa, dando aos brasileiros uma certa resistência da qual norte-americanos ou ingleses não podem desfrutar.

Mas é preciso lembrar ainda que existe muita 'lentidão negativa' no Brasil. A burocracia é um verdadeiro pesadelo e a desorganização do país significa muito tempo gasto em coisas desimportantes, deixando menos tempo para o que realmente importa.

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Na Alemanha, curso para aprender a relaxar nas férias

Vya Estelar – Como lidar com a síndrome do lazer, ou seja, ficar mal ou deprimido porque não está trabalhando?

Carl Honoré – Na nossa cultura existe um poderoso tabu contra desacelerar, relaxar e aproveitar o tempo longe do trabalho ou de qualquer outra atividade. Os alemães até inventaram uma palavra – freizeitstresse (stress em seu tempo livre), que mostra que mesmo quando eles (ou nós) estão longe do escritório, sentem-se preocupados em desperdiçar tempo e ficam procurando buracos em sua agenda para preencher com alguma atividade. Alguns alemães freqüentam agora cursos e workshops para aprender a relaxar nas férias! Algo que beira o ridículo. Quando uma sociedade chega a esse ponto, é hora de mudar. Como em qualquer tabu cultural, o primeiro passo para se destruir isso é abrir os olhos e enxergar o estrago que isso causa. Vendo o estrago que o não desacelerar faz com sua qualidade de vida. Lógico que a mudança pode assustar. De repente, se você realmente se sente envergonhado por desacelarar, pode começar aproveitando alguma lentidão em segredo. Depois, quando perceber o prazer que isso proporciona, pode ficar mais aberto nas relações humanas, mostrando que o lazer é uma atividade natural que todos precisamos.

Precisamos do lazer para recarregar as baterias, mas também precisamos do silêncio para nos conhecermos, para escutarmos o que se passa dentro do nosso corpo e mente, para estabelecer conexões com os outros. Precisamos do lazer para sermos humanos. O lazer também é importante para produzir no trabalho. Com tempo para desacelerar, voltamos para o trabalho com mais energia, clareza e criatividade. Os empregados mais produtivos no mundo hoje em dia são provavelmente os franceses, que trabalham apenas 35 horas por semana. E os países nórdicos, onde trabalha-se relativamnete pouco, estão entre as economias mais competitivas da Terra. Lembre-se sempre de quem ganhou a corrida entre a lebre e a tartaruga…

Quando você começa a entender os benefícios do lazer e começa a perceber que você não está sozinho, que outras pessoas ao redor do mundo estão vivendo melhor desacelerando, fica mais fácil enfrentar o tabu e se reconectar com sua tartaruga interior.

Vya Estelar – Como as pessoas devem fazer para existirem dentro de suas vidas, num dia que só tem 24 horas?

Carl Honoré – Uma das razões para sentirmos que não temos tempo suficiente para tudo ao longo de um dia, é o fato de vivermos numa cultura que nos encoraja constantemente a ter tudo, a fazer mais e mais coisas e até sentir-se fracassado se diminuirmos o ritmo, pararmos ou se fizermos menos coisas. A mensagem que temos a partir disto é que a melhor forma de utilizar o nosso tempo é preenchendo cada segundo com o máximo de atividade possível. Mas isto é um absurdo. Significa que nunca temos tempo para descansar e que nunca fazemos algo realmente bem-feito ou ainda que não conseguimos aproveitar as coisas de forma apropriada, porque estamos sempre com pressa.

Significa que colocamos a quantidade na frente da qualidade e que vivemos nossas vidas superficialmente. Uma vez que você percebe que essa é a forma errada de lidar com o tempo, a forma errada de viver, fica mais fácil mudar. Para muitos de nós, as mudanças começam ao diminuir o número de atividades extras na agenda, abrindo mais tempo livre para você. As pessoas podem trabalhar menos horas, ou assistir menos televisão (os brasileiros assistem mais de quatro horas de TV por dia e reclamam que não têm tempo, por exemplo), ou cortar parte das atividades extra-curriculares das crianças. Depende de cada pessoa a forma que essas mudanças serão implantadas no cotidiano. Mas o princípio é universal: fazer menos coisas possibilita parar de correr o tempo todo, dando assim o tempo necessário para o que é realmente importante. Isso nos dá a liberdade de descansar e de aproveitar a vida – assim como ser mais produtivo no trabalho. Em outras palavras, menos é mais.

Outra forma de conseguirmos mais tempo para nós mesmos, é se desligar um pouco da tecnologia que domina o mundo de hoje e invade nosso tempo privado. Celulares e laptops são instrumentos fabulosos e podem ajudar você a ser mais produtivo, estar socialmente conectado e, às vezes, até ajudam a relaxar. Mas precisamos usá-los de forma mais equilibrada. Precisamos desligá-los de vez em quando. Dessa forma teremos mais tempo para descansar e refletir. Teremos tempo para nós mesmos, sem interrupções.

Vya Estelar – Por que as pessoas estão sempre com pressa?

Carl Honoré – São muitos os motivos. A tecnologia nos permite fazer as coisas mais rapidamente, mas também nos condiciona a esperar que tudo seja rápido. O ambiente de trabalho nos pressiona ainda mais para sempre corrermos. Existe ainda uma ganância humana que nos impele a fazer mais e mais coisas, experimentar tudo, ter tudo. Mas acho que a raiz de nossa cultura acelerada está em nossa relação neurótica e não saudável com o tempo em si.

Vemos o tempo como um inimigo, algo a ser conquistado e explorado à exaustão. Isso transforma cada momento do dia numa corrida contra o relógio.

Desacelere o ritmo e evite o estresse

por Angelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar, o jornalista e escritor escocês Carl Honoré, autor de 'Devagar' (Editora Record), explica como desacelerar. Ele é divulgador do slow moviment pelo mundo. Honoré já morou por um ano no Brasil e explica por que os brasileiros são ao mesmo tempo acelerados e lentos.

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Vya Estelar – Em sua curta estadia no Brasil, como o senhor avalia o atual ritmo de viver dos brasileiros: é rápido, moderado ou lento?

Car Honoré – É uma mistura. Por um lado os brasileiros podem ser muito acelerados. Basta pegar um táxi no Rio de Janeiro ou em qualquer outra grande cidade do país, que você verá todos em alta velocidade, impacientes e raivosos sobre rodas. E ainda, por causa da situação econômica do país, muitos brasileiros precisam trabalhar por longas jornadas ou ter mais de um emprego para sobreviver, o que acaba acelerando qualquer um. Também, os brasileiros parecem adorar a tecnologia. Todo o tempo você vê alguém falando no celular, por exemplo.

Sentei em um restaurante em Belo Horizionte entre dois jovens. Eles começaram conversando sobre quanto tempo não se encontravam e quanto tinham para conversar. Então, um atendeu uma ligação no celular. O outro parecia entediado em esperar e ligou para alguém de seu telefone. No final, eles passaram mais tempo falando em seus telefones ou mandando mensagens de texto do que realmente desacelerando para conversar.

Mas os brasileiros têm também muito da lentidão em sua cultura. Durante o Carnaval, por exemplo, o país pára por 3 ou 4 dias, o que é algo realmente incrível nos dias de hoje. Existe também a tradição de parar para um 'cafezinho' e bate-papo. Fora a cultura da música, da dança e da praia, que envolvem relaxamento, prazer e conexão com o outro. E esses são principios essenciais da lentidão.

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Como uma cultura latina, o Brasil tem a família próxima ao cotidiano de cada um. E a família ajuda a desacelerar. Está baseada em relações humanas que não podem acelerar. A família pode atuar como uma espécie de vacina contra a cultura da pressa, dando aos brasileiros uma certa resistência da qual norte-americanos ou ingleses não podem desfrutar.

Mas é preciso lembrar ainda que existe muita 'lentidão negativa' no Brasil. A burocracia é um verdadeiro pesadelo e a desorganização do país significa muito tempo gasto em coisas desimportantes, deixando menos tempo para o que realmente importa.

Na Alemanha, curso para aprender a relaxar nas férias

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Vya Estelar – Como lidar com a síndrome do lazer, ou seja, ficar mal ou deprimido porque não está trabalhando?

Carl Honoré – Na nossa cultura existe um poderoso tabu contra desacelerar, relaxar e aproveitar o tempo longe do trabalho ou de qualquer outra atividade. Os alemães até inventaram uma palavra – freizeitstresse (stress em seu tempo livre), que mostra que mesmo quando eles (ou nós) estão longe do escritório, sentem-se preocupados em desperdiçar tempo e ficam procurando buracos em sua agenda para preencher com alguma atividade. Alguns alemães freqüentam agora cursos e workshops para aprender a relaxar nas férias! Algo que beira o ridículo. Quando uma sociedade chega a esse ponto, é hora de mudar. Como em qualquer tabu cultural, o primeiro passo para se destruir isso é abrir os olhos e enxergar o estrago que isso causa. Vendo o estrago que o não desacelerar faz com sua qualidade de vida. Lógico que a mudança pode assustar. De repente, se você realmente se sente envergonhado por desacelarar, pode começar aproveitando alguma lentidão em segredo. Depois, quando perceber o prazer que isso proporciona, pode ficar mais aberto nas relações humanas, mostrando que o lazer é uma atividade natural que todos precisamos.

Precisamos do lazer para recarregar as baterias, mas também precisamos do silêncio para nos conhecermos, para escutarmos o que se passa dentro do nosso corpo e mente, para estabelecer conexões com os outros. Precisamos do lazer para sermos humanos. O lazer também é importante para produzir no trabalho. Com tempo para desacelerar, voltamos para o trabalho com mais energia, clareza e criatividade. Os empregados mais produtivos no mundo hoje em dia são provavelmente os franceses, que trabalham apenas 35 horas por semana. E os países nórdicos, onde trabalha-se relativamnete pouco, estão entre as economias mais competitivas da Terra. Lembre-se sempre de quem ganhou a corrida entre a lebre e a tartaruga…

Quando você começa a entender os benefícios do lazer e começa a perceber que você não está sozinho, que outras pessoas ao redor do mundo estão vivendo melhor desacelerando, fica mais fácil enfrentar o tabu e se reconectar com sua tartaruga interior.

Vya Estelar – Como as pessoas devem fazer para existirem dentro de suas vidas, num dia que só tem 24 horas?

Carl Honoré – Uma das razões para sentirmos que não temos tempo suficiente para tudo ao longo de um dia, é o fato de vivermos numa cultura que nos encoraja constantemente a ter tudo, a fazer mais e mais coisas e até sentir-se fracassado se diminuirmos o ritmo, pararmos ou se fizermos menos coisas. A mensagem que temos a partir disto é que a melhor forma de utilizar o nosso tempo é preenchendo cada segundo com o máximo de atividade possível. Mas isto é um absurdo. Significa que nunca temos tempo para descansar e que nunca fazemos algo realmente bem-feito ou ainda que não conseguimos aproveitar as coisas de forma apropriada, porque estamos sempre com pressa.

Significa que colocamos a quantidade na frente da qualidade e que vivemos nossas vidas superficialmente. Uma vez que você percebe que essa é a forma errada de lidar com o tempo, a forma errada de viver, fica mais fácil mudar. Para muitos de nós, as mudanças começam ao diminuir o número de atividades extras na agenda, abrindo mais tempo livre para você. As pessoas podem trabalhar menos horas, ou assistir menos televisão (os brasileiros assistem mais de quatro horas de TV por dia e reclamam que não têm tempo, por exemplo), ou cortar parte das atividades extra-curriculares das crianças. Depende de cada pessoa a forma que essas mudanças serão implantadas no cotidiano. Mas o princípio é universal: fazer menos coisas possibilita parar de correr o tempo todo, dando assim o tempo necessário para o que é realmente importante. Isso nos dá a liberdade de descansar e de aproveitar a vida – assim como ser mais produtivo no trabalho. Em outras palavras, menos é mais.

Outra forma de conseguirmos mais tempo para nós mesmos, é se desligar um pouco da tecnologia que domina o mundo de hoje e invade nosso tempo privado. Celulares e laptops são instrumentos fabulosos e podem ajudar você a ser mais produtivo, estar socialmente conectado e, às vezes, até ajudam a relaxar. Mas precisamos usá-los de forma mais equilibrada. Precisamos desligá-los de vez em quando. Dessa forma teremos mais tempo para descansar e refletir. Teremos tempo para nós mesmos, sem interrupções.

Vya Estelar – Por que as pessoas estão sempre com pressa?

Carl Honoré – São muitos os motivos. A tecnologia nos permite fazer as coisas mais rapidamente, mas também nos condiciona a esperar que tudo seja rápido. O ambiente de trabalho nos pressiona ainda mais para sempre corrermos. Existe ainda uma ganância humana que nos impele a fazer mais e mais coisas, experimentar tudo, ter tudo. Mas acho que a raiz de nossa cultura acelerada está em nossa relação neurótica e não saudável com o tempo em si.

Vemos o tempo como um inimigo, algo a ser conquistado e explorado à exaustão. Isso transforma cada momento do dia numa corrida contra o relógio.