Prof. Dr. Joel Rennó Jr. fala sobre o combate à depressão

por Angelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar o Dr. Joel Rennó Jr., coordenador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher (HC-USP), fala sobre a mais recente descoberta da medicina para o tratamento da depressão: uma espécie de marcapasso denominado VNS.

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O médico revela quais são os principais sintomas da depressão e fornece nove dicas para poder combatê-la. Segundo ele, os antidepressivos não causam dependência.

Vya Estelar – Existe uma nova técnica para tratamento de depressão chamada VNS. Em que consiste?

Dr. Joel Rennó Jr. – VNS significa Vagus Nerve Stimulation, traduzindo: trata-se da estimulação do nervo vago. O VNS é um aparelho, uma espécie de marcapasso, que estimula o nervo vago (nervo craniano que leva ao cérebro os estímulos sensoriais) através de impulsos elétricos.

A estimulação do nervo vago se projeta para o sistema nervoso central, incluindo o sistema límbico (que rege as emoções), onde acarreta a alteração da secreção de neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina. Isso explica o efeito antidepressivo da estimulação do nervo vago.

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Vya Estelar – A estimulação do nervo vago já é cientificamente aprovada?

Dr. Joel Rennó Jr. – Há alguns trabalhos científicos sérios, com adequada metodologia científica, sobre a estimulação do nervo vago.

Esse método terapêutico está aprovado desde 1997 para pacientes com epilepsia. No mundo todo, 22 mil pacientes epilépticos refratários (resistentes) aos medicamentos antiepilépticos, obtiveram resultados favoráveis e poucos efeitos colaterais.

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Há trabalhos com VNS consistentes no campo da neurologia até em crianças com epilepsia refratária. Tal tratamento tem sido indicado para a depressão intolerante a tratamento medicamentoso na União Européia e no Canadá desde 2001. No entanto, está em fase final de aprovação pelo FDA (Food and Drug Administration) para depressão nos EUA.

Aliás, a idéia de se pesquisar esse método terapêutico para a depressão, veio da grande porcentagem de pacientes epilépticos com transtornos do humor, principalmente os depressivos (30%). Isso ocorre devido a fatores neurológicos, estressores psicossociais e até em decorrência dos medicamentos utilizados para o tratamento de epilepsia.

Vya Estelar – Quais as vantagens e desvantagens em se utilizar o método?

Dr. Joel Rennó Jr. – Como vantagens o método pode ter a certeza da aderência correta do paciente ao tratamento (ao contrário do que ocorre com as medicações), não interferência ou interação com outros medicamentos. Para a população de pacientes com doenças clínicas pode ser uma boa alternativa, já que o manejo medicamentoso de tais pacientes pode ser difícil em algumas situações.

Efeitos colaterais

Pode ocorrer em pouquíssimas situações uma paresia (paralisia) da corda vocal e alteração da musculatura da laringe. Os sintomas mais freqüentes incluem rouquidão, tosse, parestesia (formigamentos) e dispnéia (dificuldade na respiração). Os efeitos são tipicamente leves ou moderados e tendem a diminuir, principalmente com os ajustes do clínico que acompanha.

Faltam ainda na minha opinião, mais estudos com uma metodologia científica adequada. Porém, os resultados até o presente são significativos. A segurança do método, devido à grande experiência com pacientes epilépticos é satisfatória.

Vya Estelar – Para qual ou quais casos a VNS – estimulação do nervo vago – é mais indicada?

Dr. Joel Rennó Jr. – Temos modelos experimentais em animais e trabalhos clínicos em humanos com metodologia adequada demonstrando que a VNS pode ser um método seguro e eficaz, tanto na fase aguda, quanto no tratamento crônico da depressão em pacientes refratários a mais de três medicamentos antidepressivos com doses e tempo de uso corretos. Em tais estudos, as complicações significativas foram raras.

Cerca de 30% a 35% dos pacientes com depressão grave e recorrente podem não responder aos medicamentos antidepressivos. Métodos seguros e alternativos para esses pacientes incluem a ECT (eletroconvulsoterapia, antes denominada eletrochoque) e agora a nova esperança é a estimulação do nervo vago.

Vya Estelar – Em quais casos o FDA indica o VNS?

Dr. Joel Rennó Jr. – O FDA aconselha que o método só deva ser empregado como tratamento complementar ou adjunto, após esgotadas todas as outras formas de tratamento psiquiátrico da depressão (quatro ou mais modalidades diferentes), já bem estabelecidas, como medicação antidepressiva, psicoterapia cognitivo-comportamental e ECT. Esses pacientes, maiores de 18 anos, devem ser acompanhados regularmente no tratamento clínico.

Vya Estelar – A VNS já está disponível no Brasil?

Dr. Joel Rennó Jr. – No Brasil ainda não há essa possibilidade de tratamento para a depressão, embora pacientes epilépticos já sejam favorecidos. A medicina busca novas formas de tratamento da doença clínica (depressão) que já é praticamente a *segunda maior causa de incapacitação funcional (prejuízo para todos os setores da vida) no mundo todo.

*Segundo levantamento da OMS, a depressão era a primeira causa de incapacitação, à frente de anemia ferropriva, quedas e alcoolismo que vinham logo atrás.

Porém, há dados recentes apontando outras colocações (segunda e quarta), dependendo do estudo e da metodologia dos trabalhos. Por isso, nesta entrevista é citada como segunda causa com tendência para primeira.

Vya Estelar – Existem outras possíveis aplicações para a VNS?

Dr. Joel Rennó Jr. – No futuro quem sabe possa ser uma ótima alternativa até para pacientes gestantes com depressão grave. É apenas uma hipótese pessoal minha pelo que li, embasada em trabalhos científicos. A medicina necessita sempre buscar dentro do rigor científico e ético novas terapêuticas seguras e eficazes para cada vez mais favorecer um número maior de pacientes, que tanto sofrem com a depressão, desestigmatizando os mesmos.

Depressão: como tratar e os principais sitomas

Vya Estelar – Quais são os principais sinais (sintomas) da depressão? Quando se torna necessário, além de apoio psicológico, uma intervenção medicamentosa?

Dr. Joel Rennó Jr. – É bom ficar claro que o diagnóstico correto do tipo de depressão e do nível de gravidade da mesma deve ser realizada por um psiquiatra, que é o especialista correto para tal função. Há muitos diagnósticos equivocados e condutas, portanto, errôneas. Ou seja, há quadros leves medicados desnecessariamente e quadros moderados ou graves mal medicados com um tratamento ineficaz.

Principais sinais e sintomas da depressão

Os principais sinais e sintomas da depressão compreendem: tristeza, choro, desânimo, cansaço, lentificação ou agitação psicomotora, humor deprimido ou irritável, perda do prazer e interesse pelas atividades habituais, alteração do padrão do sono (insônia ou hipersônia), alterações do apetite, alterações de atenção, concentração e memória, pensamentos de conteúdo negativo como morte, culpa, ruína e menos-valia (se dá pouco valor) e até ideação suicida em casos mais graves.

É muito comum haver a associação de depressão com sintomas somáticos, entre eles, a dor merece um destaque. A associação com sintomas de ansiedade também é freqüente e denominamos de "comorbidade". Esses sintomas devem estar presentes, na maior parte dos dias, por pelo menos duas semanas e causarem uma interferência nas relações pessoais, sociais, familiares e profissionais da pessoa. Não podem ser considerado o uso de drogas, medicamentos ou algumas doenças clínicas (hipotireoidismo) que também levam a sintomas depressivos.

Vya Estelar – Os antidepressivos causam dependência?

Dr. Joel Rennó Jr. – Os antidepressivos, sejam eles os serotonérgicos (que atuam sobre a serotonina), ou os de duplo-mecanismo de ação (que atuam tanto sobre a serotonina quanto sobre a noradrenalina) não causam dependência. Esse é um mito, mas há trabalhos científicos relevantes que comprovam isso. O problema é que as pessoas associam uma eventual recaída ou recorrência (um outro episódio depressivo em um curto intervalo de tempo) à dependência gerada pelo antidepressivo.

Na realidade, a depressão tende a ser crônica em alguns pacientes, o tratamento exige um tempo prolongado, incluindo uma fase de continuação (4 a 9 meses) para se evitar a recaída e, posteriormente, uma fase de manutenção (um ano ou mais) para se evitar um outro episódio depressivo. É freqüente os pacientes abandonarem precocemente o tratamento por falta de orientação e conhecimento ou mesmo até por resistência e do estigma associado à depressão, ainda alvo de preconceitos. É mais fácil tomar um anti-hipertensivo por toda a vida do que um antidepressivo por alguns anos. Muitos pacientes que freqüentam algumas clínicas de obesidade e ortomoleculares nem sabem que tomam antidepressivos nas suas fórmulas. Eu e vários colegas já constatamos isso na prática clínica.

Dicas para tratar da depressão

1ª) Procure o especialista correto que é o psiquiatra. O diagnóstico preciso e correto é importantíssimo para a definição do tratamento, geralmente multidisciplinar. Fuja de charlatães sem embasamento científico. O medicamento só pode ser instituído, alterado e suspenso pelo seu médico de confiança.

2ª) A psicoterapia sempre é benéfica. A busca da elaboração de conflitos psicológicos é fundamental. Não adianta apenas tentar uma mudança dos aspectos externos ou ambientais. A maior mudança é oriunda da transformação do nosso mundo "interior".

3ª) Os familiares devem ser orientados pelo médico e participar do tratamento.

4ª) Mude o seu pensamento, comportamento e atitudes perante eventos estressores do dia-a-dia. Na prática, isso requer uma abordagem psicoterápica competente e grande esforço.

5ª) Faça exercícios físicos regulares. Eles ajudam a melhorar a concentração de serotonina.

6ª) Alimente-se de forma saudável. Alimentos ricos em ômega-3, encontrados em grãos (nozes), peixes (sardinha, salmão) e folhas verdes podem aliviar sintomas leves.

7ª) Reserve espaço para atividades de lazer: leituras, cinemas, passeios com a família, viagens…

8ª) Invista em atividades filantrópicas ou que elevem a auto-estima e autoconhecimento: trabalhos voluntários, meditação, ONGs, grupos religiosos, etc…

9ª) Não ceda às pressões e preconceitos existentes daqueles que, sem conhecimento médico, ainda acham que o deprimido é alguém fraco, rancoroso com a vida, sem fé, ou até com algum "espírito demoníaco", como, infelizmente, alguns ignorantes ou preconceituosos ainda apregoam. Isso só atrasa o tratamento e torna as pessoas deprimidas alvos de exploradores e mais sofridas ainda.

Vya Estelar – Existe relação entre depressão e Síndrome do Pânico? O VNS também poderia ser utilizado para tratar a Síndrome do Pânico?

Dr. Joel Rennó Jr. – O transtorno do Pânico ou Síndrome do Pânico é um transtorno de ansiedade. Muitas pessoas com síndrome do pânico, em decorrência das inúmeras limitações impostas pela mesma, podem evoluir para um quadro depressivo. O inverso também pode ser verdadeiro. Não há estudos da VNS para Síndrome do Pânico.

Repito, em psiquiatria a comorbidade, ou seja, a associação entre transtornos depressivos e ansiosos é freqüente. Devemos levar em conta que o diagnóstico é categorial, ou seja, por sintomas. Transtornos considerados diferentes podem ter sintomas comuns. A fisiopatologia (o que realmente causa) os quadros psiquiátricos (depressão, pânico, etc) ainda está para ser melhor elucidada pela comunidade científica. Temos boas hipóteses, porém ainda incompletas. Os estudos genéticos e os biomoleculares serão a chave do futuro e dos novos tratamentos a serem instituídos.