Como lidar com a difícil adaptação noutro país

por Ana Beatriz B. Silva

O mundo está mudando. Com o processo de globalização as barreiras regionais estão sendo quebradas numa velocidade estonteante e é cada vez mais comum empresas sediadas em um determinado país, enviarem seus executivos/funcionários para outro país a fim de viabilizarem seus negócios.

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Entretanto, observa-se que a inserção de um indivíduo numa cultura diferente da sua, resulta num conjunto de processos sociais e psicológicos característicos nominado por alguns de choque de cultura e, por outros, de doença nostálgica, ou ainda, síndrome de adaptação do estrangeiro.

Do que se trata?

Pode-se considerar a síndrome de adaptação do estrangeiro como um tipo de desordem característico do estresse pós-traumático, no qual estão envolvidos os seguintes fatores:

– A expansão do vínculo emocional — A pessoa continua ligada através de uma imensa saudade e tristeza às pessoas e lugares dos quais se afastou. Apesar do desejo e determinação com que a pessoa previu que enfrentaria a ausência do seu ambiente, ela se depara com um estado de luto em que se vê arrastada por um sentimento de abandono, medo, solidão e raiva insuportáveis, pois ela se sente desorganizada, precisando desesperadamente de ajuda. A acuidade perceptiva está voltada para as situações e experiências que aumentam a saudade e a sensação de não ser capaz de suportar.
– Ansiedade — Qualquer situação nova provoca uma certa ansiedade nas pessoas em geral. Neste caso específico, ela é aumentada não apenas devido à responsabilidade de assumir novas tarefas, mas também à necessidade e urgência em se adaptar a todo um modo de vida diferente do habitual.
– Depressão — A tristeza natural inicial por estar física, social, pessoal e culturalmente afastada do seu habitat natural. Esta pode evoluir para uma depressão, uma vez que conduz à perda da motivação, bem como a um sentimento de derrota, frustração e desesperança que maximiza a percepção negativa de si mesmo e minimiza a confiança em sua capacidade e nos seus recursos para lidar com a situação.
– Pensamentos Disfuncionais — A difícil situação de separação e perda pela qual a pessoa está passando, facilita o aparecimento de pensamentos automáticos que surgem de repente. Geralmente são pensamentos de natureza negativa a respeito de si mesmo, do mundo e do futuro. Como por exemplo:

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"Eu não suporto mais esta distância"
"Eu não consigo parar de pensar em fulano"
"Eu nunca vou conseguir me sentir parte deste lugar"
"Sinto-me como um prisioneiro"
"Eu nunca vou aprender a lidar com essas pessoas"
"Eu quero voltar para casa"
"Não agüento mais a saudade de minha família e amigos"
"Eu me sinto abandonado neste lugar; sem amor; infeliz"
"Tenho que trabalhar freneticamente, porque se parar eu vou explodir"
"Não consigo parar de chorar quando estou só"
"Telefono tanto para casa, que estou preocupando minha família"

– Sintomas Físicos — Crises de choro freqüentes, dificuldade de dormir, de comer, tremores, excesso de calor ou frio, náuseas, alteração no ciclo menstrual e dores de cabeça.

– Sintomas Psicológicos — Incapacidade de concentração, instabilidade emocional, necessidade de isolamento e sensação de estar fora do controle.

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Caso clínico

"Quando recebi a proposta para trabalhar no Brasil, fiquei feliz, pois era uma excelente oportunidade de deslanchar na minha carreira farmacêutica. Como sou solteira e meus pais ainda são jovens e felizes, pensei que pudesse passar um bom tempo por aqui, aprender o idioma e a cultura brasileira que sempre achara interessante. Sabia que sentiria saudades de minha família e dos meus amigos, mas nunca pensara nas dificuldades práticas que teria de enfrentar e, menos ainda, em como seria difícil agüentar a distância, conquistar novos amigos, gerir minha própria vida.

No primeiro momento, foi maravilhoso: a beleza do Rio de Janeiro deixou-me extasiada, pensei que nunca mais pensaria em sair daqui. Pouco depois, tudo isso deixou de ter importância e eu entrei num processo depressivo, que se apresentou primeiramente através de uma insônia, desânimo e falta de concentração. Minha vida se resumia a ir para o trabalho. Comecei a trabalhar desesperadamente, evitando o momento de voltar para casa e me ver frente a frente com minha solidão e desespero.

Como não conseguia dormir à noite, levantava pela manhã completamente exaurida e já não estava dando conta de manter o ritmo acelerado de trabalho ao qual me impusera. Um dia desmaiei na hora do almoço e fui levada a uma médica que diagnosticou minha depressão e desespero. Fiz um tratamento que envolveu medicamentos e psicoterapia, que me ajudou a sair do marasmo que se tornara a minha vida. Hoje consigo enfrentar os problemas do dia-a-dia com confiança, consegui fazer novas amizades e divirto-me nos finais de semana. Minha vida não se resume mais apenas em trabalho. Claro que ainda quero voltar para meu país, que ainda sinto saudades, que desejo rever meus familiares e amigos – o que farei agora nas minhas férias -, mas já consegui me inserir neste novo e interessante contexto brasileiro. Quando retornar definitivamente para casa sei, também, que levarei muitas saudades daqui!" Lauren, 30 anos.

Tratamento

O tratamento geralmente é direcionado para a ansiedade e depressão que a pessoa apresenta e que se revela nos diversos sintomas físicos e psicológicos. Envolve tanto a terapia medicamentosa quanto a psicoterapia de abordagem cognitivo-comportamental, que fornecem os elementos necessários para que a pessoa possa superar suas dificuldades de adaptação ao novo contexto, à angústia da separação e devolva a segurança e estabilidade emocional.