Psicóloga tece um olhar sobre a ética

por Patricia Gebrim

Eu não consigo escrever coisas que não tenham a ver com o que vivo. Assim sendo, movida por um final de semana inusitado, inspirei-me a escrever sobre a ética.

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Bem, deixe-me contar para que vocês entendam melhor. Neste final de semana eu decidi viajar sozinha, dar a mim mesma um tempo de solitude e recolhimento. Assim, encontrei um refúgio no meio da mata, deixei família, casa e essas coisas para trás e desapareci com minha cachorra para essa pousada, com a intenção de descansar, ler, caminhar e poder ser eu mesma por uns dois dias. Quando cheguei tudo me pareceu perfeito, um lugar silencioso em meio a uma reserva ecológica, minha cachorrinha toda feliz em descobrir barulhos, sapos e cavalos.

Tudo ia muito bem, até que fui 'descoberta'. Entendam, não é comum uma mulher que viaja sozinha. Viajar com a família, perfeito! Viajar com amigas? Aceitável. Mas sozinha… parece no mínimo estranho. Os outros hóspedes da pousada demonstravam certo estranhamento com a minha presença, e eu pensei no que estariam fantasiando a meu respeito.

Foi na noitada de pizza que tudo aconteceu. Lá estava eu, em paz com meus pensamentos, quando a mesa barulhenta dos dois casais me convida para sentar com eles. Tudo bem, pensei, é só um jantar, e depois posso voltar para meu sossego.
Que engano!

Mal tinham se passado alguns minutos e, passada a sessão de piadas, de repente todos estavam envolvidos em uma calorosa discussão sobre política, e em menos de dois pedaços de pizza eu já estava sendo atacada por ter uma opinião divergente da maioria. Embora tenha ficado quieta, e tentado evitar a conversa, fui posta na parede e praticamente massacrada, não com uma metralhadora, mas com palavras regadas à cerveja. Como uma mulher pode viajar sozinha e ainda querer ter opinião própria?

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– SOCORRO! pensava por dentro enquanto elaborava minha estratégia de retirada, uma vez que tinha me proposto a ter um fim de semana de paz.

Eu viajo para o meio do mato para estar em paz comigo mesma, e no mesmo dia já estou sendo cobrada a dar satisfação, a concordar com as pessoas, a me explicar? Algo tem que estar errado! Fiquei lá, observando a cena, meio de fora, até que gentilmente me retirei para o sossego do meu quarto iluminado e aquecido pelo fogo da lareira.

Olhando para o fogo, toda a cena me fez refletir. A mesma agressividade que vinha nas observações e ataques que eu recebia é o que justifica guerras religiosas, políticas, sociais. Essa necessidade compulsiva de sobrepor a nossa opinião sobre a dos outros unida à forte crença de que o ataque é justificado. Nós, seres humanos, facilmente nos empolgamos em discutir, forçar pontos de vista, elaborar teorias complexas. Perceba o quanto as pessoas se exaltam e sentem prazer nesse processo todo.

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Como exigir paz e respeito dos políticos, se em nome dessa paz guerreamos e desrespeitamos? Em tempos em que a política é tão discutida, pensei, sinto falta da ética.

Deixe de lado as elaborações complexas sobre o significado dessa palavra. Ética é respeito, respeito pela natureza, pelos seres vivos, pela pessoa que está à nossa frente. Respeito por aquilo que traz o bem ao todo, à maioria das pessoas. Não é difícil avaliar se estamos ou não sendo éticos.

Como podemos exigir ética de nossos governantes se nossa vida carece tanto dessa qualidade?

Eu não acredito que as coisas possam mudar sem que cada um de nós reencontre um senso de dignidade em nossas vidas. Eu não acredito que possamos transformar o mundo sem transformarmos a nós mesmos em primeiro lugar, sem que sejamos capazes de reciclar o nosso lixo físico e emocional, de respeitar o nosso vizinho, de conversar com um ouvido que busca sabedoria e não a pura obtenção da razão.

Eu não acredito que possamos cobrar apenas dos políticos sem nos dar conta das inúmeras faltas éticas que praticamos no dia-a-dia, coisas pequenas que escapam aos nossos olhos altamente auto-indulgentes.

Foi então que vi o fogo queimando na lareira … e pensei na madeira que era desperdiçada daquela forma, e percebi que faço parte dessa humanidade que tantas vezes me faz triste.

– Ah … lá se foi a ilusão de olhar para tudo de fora …

Eu estou dentro, como qualquer pessoa comum, e descobrir isso me fez sentir-me um pouco mais próxima do rapaz exaltado e armado com aquela terrível metralhadora verbal.

Ei, rapaz, confie. Nós vamos crescer, eu sei que vamos. Eu e você!