Caminhos para não distorcer a realidade

por Patricia Gebrim

Cada vez mais, observando o que acontece comigo e ao meu redor, constato que vivemos todos imersos em um tipo de cegueira.

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Funciona assim … enxergamos apenas o que queremos, como queremos, quando queremos … E PONTO FINAL. Negamos a realidade, distorcemos os fatos, inventamos nossa própria verdade e se alguém ousar tentar nos dizer que não é bem assim, nós o atacamos como se fôssemos tigres siberianos defendendo sangrentamente a caça recém-conquistada!

Eu sei, pode parecer dramático, mas o assunto é tão sério que me permito certa dramaticidade para conseguir sua atenção.

Eu sei que você vai entender do que estou falando. Afinal, quem já não foi distorcido, negado, mal interpretado ou atacado um dia? Quem já não deu o seu melhor para outro alguém e recebeu em troca bengaladas de um cego irado na cabeça? Quem já não agiu com a melhor das intenções e depois se arrependeu de ter se dado tanto?

Por outro lado… Quem nunca julgou o outro sem antes perguntar o que o outro de verdade queria dizer? Quem nunca agrediu alguém num ato de pura defesa? Quem nunca enlouqueceu, pelo menos uma vezinha na vida?

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Não importa de que lado estejamos, não importa se somos os cegos, ou as vítimas da cegueira de outro alguém, os resultados são sempre desastrosos – relacionamentos que se desfazem, amizades destruídas, distanciamento, tristeza, solidão, dor de estômago – acho que você já entendeu.

É preciso que saibamos que todos nós, seres humanos, temos uma tendência a avaliar o que nos acontece A PARTIR DAS NOSSAS EXPERIÊNCIAS PASSADAS, e isso faz com que muitas vezes façamos avaliações ABSURDAMENTE incorretas das situações.

Quer um exemplo?

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Imagine uma pessoa que sempre tenha se sentido abandonada por seu pai, ou por sua mãe. Por toda uma vida, toda vez que buscava o apoio dessas figuras parentais, acabava tendo que se virar sozinha. Quando era pequena, e tinha um pesadelo, e corria para o quarto dos pais, não era acolhida, e o seu medo era minimizado com uma frase: – Não é nada, vá dormir! Quando tinha problemas na escola, não sentia que tinha com quem contar.

Quando começou a namorar, não se sentia compreendida. Não importa se isso de verdade acontecia ou não, ela sentia dessa forma, e assim passou a acreditar que nunca poderia contar com ninguém.

Pronto: está armada a armadilha!

O tempo passou, ela cresceu, e até sabe, 'racionalmente', que no mundo devem existir algumas pessoas com quem poderá contar, bem como outras com as quais nunca poderá contar. Mas 'emocionalmente' não é assim!

Emocionalmente ela tem certeza de que NUNCA PODERÁ CONTAR COM NINGUÉM!!!

E é esse lado emocional que avalia as suas relações. Então, se um dia essa pessoa precisasse de ajuda, por exemplo, nem chegaria a pedir a ninguém, uma vez que não acredita que ninguém a ajudaria. E mesmo que fosse ajudada, talvez não conseguisse perceber isso, confirmando sua crença e selando as portas de sua prisão.

OU SEJA, NÓS ACABAMOS RECRIANDO INCONSCIENTEMENTE AQUILO EM QUE ACREDITAMOS.

Para sair dessa cansativa epopéia de repetições, precisamos de toda a nossa atenção e força de vontade para caminhar em direção à realidade. Precisamos desconfiar de nós mesmos, de nossas percepções e checar com o mundo as nossas impressões.

– Será que essa pessoa realmente me abandonou, ou sou eu que tenho a tendência a me sentir abandonada?
– Será que ela não me ama, ou sou eu que tenho dificuldade em me sentir amada?
– Será que ela me rejeita, ou sou eu que tendo a me sentir rejeitada?
… e por aí vai.

Então, se um amigo marcar um almoço de domingo com você e não comparecer, antes de simplesmente bater o carimbo de FALSO AMIGO ABANDONOU O OUTRO EM UMA TARDE DE DOMINGO, permita-se checar o que de fato aconteceu. Ligue e pergunte. E mais…

– OUÇA O QUE ELE TEM A LHE DIZER.

Isso é muito importante, pois muitas vezes vamos para uma conversa com uma ideia preconcebida tão rigidamente formulada que, não importa o que o outro diga, acreditamos apenas naquilo que já tínhamos como verdade, e ponto final! Não damos chance alguma para que a realidade venha à tona.

O seu amigo poderia até lhe provar que estava inconsciente no hospital naquele domingo, e ainda assim você encontraria uma maneira de continuar colocando-o no lugar "da pessoa horrível que abandonou você". Perceba o quanto isso é injusto e destrutivo.

Por outro lado, se alguém está fazendo isso com você. Se alguém está distorcendo a realidade, as suas palavras, as suas atitudes… Se alguém simplesmente bateu um carimbo, com força, na sua cara, sem nem mesmo querer saber a sua versão do acontecido, o melhor que você tem a fazer é entender que essa foi a escolha que aquela pessoa pôde fazer naquele momento. Talvez, se a relação de vocês for importante e contiver vínculos reais, em algum momento você encontre espaço para dizer qual é a sua verdade, e talvez então essa pessoa consiga enxergar você.

Nem sempre acontece, e se ela não conseguir, não existe muito o que você possa fazer. Apenas não carregue com você o que não for seu.

Acredite, quando julgamos alguém injustamente, nos sentimos muito mal com isso. Essa é uma forma de você avaliar a si mesmo. Se você foi injusto, se negou ou distorceu a realidade, aquilo vai continuar incomodando você.

Da mesma forma, quando você tiver certeza de que deu o seu melhor em um relacionamento, mesmo que a outra pessoa não queira perceber ou enxergar isso, você se sentirá em paz, tão em paz que poderá seguir seu caminho, sem ressentimentos para com o outro, e será capaz de sentir certa compaixão pela cegueira humana que, vez ou outra, acomete a todos nós.

Duas dicas:

1) Toda vez que você tiver o impulso de pular como um tigre louco sobre alguém, vale a pena se perguntar se o que aconteceu realmente merece aquela fúria toda. Reações emocionais desproporcionais em geral sinalizam uma dificuldade em enxergar a realidade.

2) Por outro lado, se um dia você perceber um tigre enfurecido vindo na sua direção, proteja-se. Saia de sua frente até que ele recupere a sanidade. Com certeza aquele não é o melhor momento para dar a sua versão dos fatos!!!