Na maioria das vezes lutamos por ilusões

por Roberto Goldkorn

Há poucos dias fui expectador de um acontecimento de grande poder de significação pessoal. Dois ou três meninos numa correria desenfreada pelo meio da rua, arriscando a vida numa aventura das mais perigosas. Meu primeiro pensamento foi que estavam sendo perseguidos por alguém. Mas não segui a direção que a ponta de seus dedos apontava e entendi a razão de tanto risco. Era uma pipa que estava caindo e que precisavam desesperadamente capturar.

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Nem tive tempo de repreendê-los mentalmente por aquela 'irresponsabilidade' e outras censuras idiotas, quando pipocou na minha mente a memória daquela mesma cena, só que um dos meninos era eu e o cenário eram as ruas de Vila Isabel na zona norte do Rio de Janeiro.

Imediatamente a mesma sensação de urgência, de grave necessidade em pegar aquela pipa cortada pelo cerol afiado num 'cruza' veio como sensação vívida. Meus Deus, como era importante pegar aquela pipa, ser o primeiro a chegar e depois com ela às vezes, irremediavelmente dilacerada, retornar para o grupo com aquele (inútil) troféu. Pensei… "Ainda bem que cresci. Hoje não corro mais atrás de pipas".

Pensando bem, acho que ainda corro… e como. Quantas correrias, quanto empenho, quanto risco correndo atrás de troféus absolutamente sem sentido, sem valor real sem significado a não ser de uma simbologia cultural de baixo alcance e nenhuma relevância.

Aí comecei a pensar em algumas pessoas que conheço, que como os meninos que vi e que fui, ainda correm atrás de pipas, mas que eles chamam de poder político, símbolos de status, títulos, riqueza além da riqueza, etc.

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Como a corrida é quase generalizada, não há muita visão crítica sobre ela, e a coisa se passa como se fosse um transe coletivo, uma fantasia partilhada por tantos que não há ninguém para dizer: "Gente cuidado, é apenas uma pipa rasgada!"

Aquela cena moderna e tão antiga, me fez pensar nas disputas em que empenhamos a própria vida e cujo prêmio não vai além de uma moeda furada, de uma pipa sem função. Quantas vezes me vi disputando ferozmente com alguém por absolutamente nada. Em quantas discussões ferozes me meti que no final me premiariam com apenas um sabor amargo, ou 'gosto de cabo de guarda-chuva' como dizia um amigo. Se pensarmos em nível mundial, vamos ver meninos crescidos, cheios de poder e seriedade, jogando bombas, mandando jovens para morrer correndo atrás de pipas, que logo depois se tornam tão insignificantes e ilusórias como na verdade sempre foram, mas aí o estrago já está feito.

Agradeci a Deus por ter falado comigo através daqueles meninos (que eram eu) que perseguiam uma quimera. Eles me fizeram parar de correr por um instante, para avaliar se perseguia pipas ou algo que não se desmancha no ar.

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Quantos de nós adultos, não somos controlados pelos meninos e meninas que fomos? Quantos de nós ainda acreditamos ser mais fácil perseguir pipas, do que identificar e correr atrás de objetivos reais, significativos e vitais? Quantos de nós não nos deixamos iludir pela cultura das pipas 'de ouro', que não passam mesmo de pedaços de gravetos e papel? Quantas vidas, quanto potencial é desperdiçado na corrida sem sentido, vazia e pueril da sociedade humana? Quantos relacionamentos vão pro brejo, porque os casais resolvem disputar a posse de uma pipa rasgada ou de um 'balão apagado', para só depois de separados e infelizes perceberem a imensidão de seu equívoco?

Assim parceiros e parceiras, toda vez que virem meninos correndo atrás de pipas perdidas, ou de balões, aproveitem para reavaliar suas próprias correrias, seu valores, as apostas que fazem na vida. Não esperem para colocar suas prioridades em perspectiva apenas no leito de morte. A vida é uma dádiva, deixe que o vento cuide das pipas perdidas.

Na maioria das vezes lutamos por ilusões

por Roberto Goldkorn

Há poucos dias fui expectador de um acontecimento de grande poder de significação pessoal. Dois ou três meninos numa correria desenfreada pelo meio da rua, arriscando a vida numa aventura das mais perigosas. Meu primeiro pensamento foi que estavam sendo perseguidos por alguém. Mas não segui a direção que a ponta de seus dedos apontava e entendi a razão de tanto risco. Era uma pipa que estava caindo e que precisavam desesperadamente capturar.

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Nem tive tempo de repreendê-los mentalmente por aquela 'irresponsabilidade' e outras censuras idiotas, quando pipocou na minha mente a memória daquela mesma cena, só que um dos meninos era eu e o cenário eram as ruas de Vila Isabel na zona norte do Rio de Janeiro.

Imediatamente a mesma sensação de urgência, de grave necessidade em pegar aquela pipa cortada pelo cerol afiado num 'cruza' veio como sensação vívida. Meus Deus, como era importante pegar aquela pipa, ser o primeiro a chegar e depois com ela às vezes, irremediavelmente dilacerada, retornar para o grupo com aquele (inútil) troféu. Pensei… "Ainda bem que cresci. Hoje não corro mais atrás de pipas".

Pensando bem, acho que ainda corro… e como. Quantas correrias, quanto empenho, quanto risco correndo atrás de troféus absolutamente sem sentido, sem valor real sem significado a não ser de uma simbologia cultural de baixo alcance e nenhuma relevância.

Aí comecei a pensar em algumas pessoas que conheço, que como os meninos que vi e que fui, ainda correm atrás de pipas, mas que eles chamam de poder político, símbolos de status, títulos, riqueza além da riqueza etc.

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Como a corrida é quase generalizada, não há muita visão crítica sobre ela, e a coisa se passa como se fosse um transe coletivo, uma fantasia partilhada por tantos que não há ninguém para dizer: "Gente cuidado, é apenas uma pipa rasgada!"

Aquela cena moderna e tão antiga, me fez pensar nas disputas em que empenhamos a própria vida e cujo prêmio não vai além de uma moeda furada, de uma pipa sem função. Quantas vezes me vi disputando ferozmente com alguém por absolutamente nada. Em quantas discussões ferozes me meti que no final me premiariam com apenas um sabor amargo, ou 'gosto de cabo de guarda-chuva' como dizia um amigo. Se pensarmos em nível mundial, vamos ver meninos crescidos, cheios de poder e seriedade, jogando bombas, mandando jovens para morrer correndo atrás de pipas, que logo depois se tornam tão insignificantes e ilusórias como na verdade sempre foram, mas aí o estrago já está feito.

Agradeci a Deus por ter falado comigo através daqueles meninos (que eram eu) que perseguiam uma quimera. Eles me fizeram parar de correr por um instante, para avaliar se perseguia pipas ou algo que não se desmancha no ar.

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Quantos de nós adultos, não somos controlados pelos meninos e meninas que fomos? Quantos de nós ainda acreditamos ser mais fácil perseguir pipas, do que identificar e correr atrás de objetivos reais, significativos e vitais? Quantos de nós não nos deixamos iludir pela cultura das pipas 'de ouro', que não passam mesmo de pedaços de gravetos e papel? Quantas vidas, quanto potencial é desperdiçado na corrida sem sentido, vazia e pueril da sociedade humana? Quantos relacionamentos vão pro brejo, porque os casais resolvem disputar a posse de uma pipa rasgada ou de um 'balão apagado', para só depois de separados e infelizes perceberem a imensidão de seu equívoco?

Assim parceiros e parceiras, toda vez que virem meninos correndo atrás de pipas perdidas, ou de balões, aproveitem para reavaliar suas próprias correrias, seu valores, as apostas que fazem na vida. Não esperem para colocar suas prioridades em perspectiva apenas no leito de morte. A vida é uma dádiva, deixe que o vento cuide das pipas perdidas.