A menina da mãe está grávida. E agora?

por Angelina Garcia

Andava desconfiada, mas como era a primeira gravidez, não sabia bem reconhecer os sintomas. Só teve certeza mesmo quando abriu o resultado positivo. Aí, sim, ficou à vontade para começar a tecer o futuro da criança; tanto que quando o marido chegou, junto à boa notícia entregou-lhe a lista de nomes com o mesmo número de opções para cada sexo. Sabia da sua preferência por menino e torcia calada por uma menina.

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Reuniram as duas famílias no jantar de final de semana para o comunicado. Que alegria! Brindes, abraços apertados e mais expectativa dos avós, principalmente dos pais de Cibele, que finalmente teriam o primeiro neto. Também eles se dividiam na preferência pelo sexo do bebê. Mal conseguiam esperar o bendito exame.

Uma menina!

Que viesse com saúde, diziam os homens, disfarçando a frustração. As mulheres, que até então se contentavam em engrossar o enxoval com cores que não comprometessem a feminilidade da criança, puderam se deleitar com todas as tonalidades de rosa, dos laços de cabelo aos sapatinhos. Um verdadeiro quebra-cabeça, no balcão da vendedora; põe daqui, tira de lá, até conseguirem ver a “coisa fofa” ali dentro.

Isabel continuou a fofura que esperavam. Uma graça de menina, concordavam todos. Pudera, emendavam, os pais não poupam esforços para lhe oferecer o melhor.

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Tudo por água abaixo, queixava-se a mãe entre lágrimas. Sentia-se apunhalada, vendo a filha jogar fora um futuro tão brilhante. Acaba de entrar na faculdade e aparece grávida! Ainda por cima havia rompido com o namorado.

É assim, traída, que uma mãe se sente ao deparar com a gravidez “fora de hora” de uma filha, em quem aguarda a continuação do modelo de família que lhe dera, e no tempo que ela, mãe, determinara como devido. Achava mesmo que a menina não tinha o direito de romper com isso, estragar seus planos.

Pior seria enfrentar os outros. Como contar ao pai, aos avós? O que pensariam as amigas, as vizinhas? Com certeza a reprovariam como mãe. Não soube cuidar da filha, diriam com os olhos, com o sorriso apertado, entre as palavras. E os comentários longe de seu alcance? Pensar que sua garota tão recatada estaria na boca do povo.

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Cibele tinha toda razão, conhecia a facilidade com que, num piscar de olhos, dissolve-se uma linda história no vendaval das maldosas fofocas.

Além de tudo, Isabel estava em dúvida se queria a criança. Atravessada pelo discurso religioso, cujas convicções só dão a Deus o direito de interromper a vida, Cibele se negava a ouvi-la. Não, a filha não haveria de fazê-la passar por mais isso!

Mergulhada na sua vergonha, na sua dor, no seu desespero, a mãe esquecia-se que a filha, ali à sua frente, também fora afetada por esse universo: pela história que ouvia sobre a expectativa do seu nascimento; pelo esforço dos pais em lhe dar o melhor; pela religiosidade da família, pelo que todos à sua volta esperavam em relação a ela. E sofria, embora suas reações adolescentes até pudessem mostrar o contrário.

Tomar consciência dos vários aspectos que envolvem esse tipo de situação, não vai alterar o fato, evidentemente, mas pode amenizar os transtornos emocionais. Ao invés de os pais enxergarem a filha como um objeto da sua decepção, poderão resgatá-la do meio da mágoa, devolvê-la ao lugar do afeto e, juntos, buscarem formas menos dolorosas de encaminhar a questão, antes de se ferirem mutuamente em discussões calorosas.