Filhos são nossos mais importantes juízes

por Luiz Alberto Py

No texto anterior, contei como foram difíceis os primeiros tempos após a separação e como lidei com isso – veja aqui. Agora dou sequência ao assunto avançando cinco anos após a separação.

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Viagem de férias

Numa viagem que fizemos a Maceió, nas férias de julho, depois de cinco anos do fim do casamento, ficou evidenciado o quanto estava estabelecida a minha paternidade junto a eles: aceitavam minha autoridade, ouviam meus conselhos e, acima de tudo, saboreavam a minha companhia.

Quando via a desarrumação do quarto de meus filhos no hotel, ficava me perguntando como é que a gente se torna uma pessoa organizada.

Como foi que esse fenômeno se passou comigo?

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Como posso ajudar que isso ocorra com meus filhos, já que sei, por experiência, própria que os poucos minutos que "perdemos" nos organizando, pondo nossas coisas em ordem, nos poupa muito tempo depois.

Como conseguir fazer isso sem perder a alegria e a espontaneidade? Porque o grande problema reside em não ficar atrapalhado tendo ativo esse "lado" que organiza e arruma as coisas.

Como é que se ensina uma coisa aparentemente tão simples para os filhos?

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Esse é um problema que eu ainda não consegui resolver.

Uma noite, enquanto estávamos em Maceió, puxei a carteira para pagar a conta do jantar e me detive olhando as fotos de meus filhos. Fotos tiradas muitos anos antes, os rostos facilmente reconhecíveis, mas infantis. Enquanto esperava o troco fiquei olhando alternadamente para as fotos e para o rosto deles, conversando animados. E me reportei a quem tinham sido aqueles meninos, vários anos antes. Eu efetuava um longo salto no tempo levantando os olhos para o rosto deles e baixando para a carteira em minhas mãos. Recostei-me na cadeira, saboreando gostosamente a brisa na noite quente do inverno alagoano.

Relembrei os momentos em que tirara aquelas fotos e senti a consistência da vida naquela trajetória que ia das minhas mãos aos rostos dos meus filhos. Custei um pouco para identificar o sentimento agradável que me possuía: a sensação de ter evoluído na relação com meus filhos. Depois, pensei no tempo que passava rápido, olhei para o futuro e percebi que eu podia ir para além da minha morte, muito além. Consegui vislumbrar os meus filhos, homens feitos, adultos, já senhoris. Pela primeira vez na vida a perspectiva da minha morte me deixava absolutamente sereno, o que era, de fato, uma conquista portentosa.

Quando voltávamos caminhando a pé pela noite de Maceió, eu não cansava de continuar saboreando esta nova serenidade, recém-adquirida, e me perguntava: "Será que esta conquista é definitiva? Será que o crescimento dos meus filhos, o sentimento da passagem de tempo e da minha eternização, esses meus frutos que vingaram, são definitivos? Ou ainda me reencontrarei com as angústias e a aflição frente à perspectiva de não mais viver?".

Sei que quero viver muito. Não desejo morrer prematuramente. Mas a ideia de morte, que no passado tanto me assustou, hoje não me amedronta porque quando olho meus filhos me vejo continuando neles. Enquanto eles viverem, ou os filhos deles viverem, de alguma forma eu estarei vivo, participando do processo de sobrevivência da natureza, onde a gente vem se reproduzindo ao longo de tantos milênios.

E daí por diante já não havia mais fins de semana, nem almoço de terças, nem jantares de domingo, mas um convívio permanente que fluía. Na medida em que eles cresceram, sua mobilidade e independência aumentaram. Passei a ter o enorme prazer de ver, a qualquer momento, a porta de casa se abrir e um deles entrar, usar a casa como sua e depois sair. Um via televisão, outro batucava um trabalho escolar na máquina ou escutava música. Encontrava alguém deitado na minha cama, com o tênis sujo, sujando lindamente meus lençóis ou não puxando a descarga depois de usar o banheiro. Eu reclamava, dava bronca, mas no fundo achava tudo ótimo. Então eu já descobrira que não precisava largar o que estava fazendo para ficar com eles, que o bom convívio consistia em estar juntos, descontraídos, sem exigências.

Certo dia um cliente queixou-se ansioso de que temia que o filho não gostasse dele porque o rapaz só o procurava quando precisava de dinheiro. Perguntei-lhe quantos anos tinha o filho. Dezesseis, respondeu. Perguntei se ele não fazia o mesmo nessa idade. Ficou um instante pensativo, depois, aliviado, riu e confirmou meu palpite.

Quando algum dos meus filhos atravessa uma noite conversando comigo e depois passa mais de um mês sem quase me dirigir a palavra, lembro-me da conversa com o cliente e me sinto tranquilo. Fico feliz por saber que ser pai deles implica em estar disponível, com enorme alegria, naquelas preciosas vezes em que necessitam de minha companhia, de minha atuação como pai, para além do dinheiro ou da chave do carro. Feliz por não precisar importuná-los exigindo sua presença e sua atenção quando o interesse deles está voltado para outras coisas.

Isso me possibilitou desfrutar do imenso prazer de algumas vezes ter passado uma noite inteira, até três, quatro, cinco horas da manhã conversando com um filho, me empanturrando desse contato tão gostoso, quando trocamos ideias e conselhos sobre a vida e informações sobre namoradas. Fico tão sereno, que às vezes durmo no meio do papo, apesar dos veementes protestos dos que, com toda a energia dos seus dezoito anos, pretendem varar a madrugada e chegar ao dia seguinte conversando ininterruptamente.

Aprendi, lidando com meus filhos, que um pai precisa se dispor corajosa, humilde e sinceramente a mostrar – com todas as letras – sua fragilidade, sua imperfeição, sua humanidade, enfim. Não há necessidade de fingir que sabemos tudo, que temos todas as respostas; o exemplo melhor que lhes podemos oferecer é o da franqueza e uma imagem de um modelo possível de ser atingido e, se possível, superado. Se tentarmos aparentar sermos super-homens, estaremos desafiando nossos filhos a uma impossível missão de igualar-se ao superpai. Além disso, eles são nossos mais importantes juízes e não se deve mentir em juízo.