O riso como modo de lidar com seus problemas

por Monica Aiub

O último artigo de 2009 (clique aqui e leia), abordou o riso como forma de expressão. Iniciemos 2010 ainda com o riso, agora como submodo, ou seja, como um modo para lidar com os problemas.

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Submodo, em filosofia clínica, diz respeito às formas que utilizamos para lidar com nossas questões. Trata-se de um modo subordinado aos Exames Categoriais (clique aqui e leia), que consistem no universo no qual a pessoa está inserida, e à Estrutura de Pensamento (clique aqui e leia), que representa a forma como a pessoa está constituída a partir das vivências no universo em que se insere. Traduzindo, aquele jeito muito próprio com o qual cada um de nós enfrenta a vida, lida com o cotidiano, resolve ou vive os problemas da realidade.

Como você lida com seus problemas?

Como enfrenta seu cotidiano?

Muito provavelmente, ao responder essas perguntas você deve ter pensado em diferentes formas que utiliza; formas que variam de acordo com a situação cotidiana, com o tipo de problema, com o que está em jogo, com as pessoas envolvidas na questão… Enfim, diferentes formas para diferentes questões; maneiras várias, dependendo dos contextos e de seus próprios movimentos existenciais.

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Conforme a situação, conforme o momento, há maneiras melhores ou piores, entre as que habitualmente fazemos uso. É importante avaliar as consequências de escolhermos uma forma ou outra para abordarmos nossas questões. Há aquelas que são eficazes, e outras que são contraproducentes. Há as que resolvem o problema, mas geram dificuldades ainda maiores; e encontramos também aquelas que resolvem o problema, mas acabam por nos destruir. Quando você utiliza seus modos habituais para lidar com os problemas da vida, que tipo de resultado costuma encontrar?

Entre as várias formas utilizadas para lidar com os problemas, o riso é uma delas. “Para que uma coisa seja cômica, é preciso que entre o efeito e a causa haja desarmonia”, é a definição de Yves Delage, que Bergson, em O Riso, discute. É interessante observar que muitas vezes a origem de nossos problemas se encontra em tal desarmonia. Em alguns casos, desarmonia na proporção entre aquilo que se passa a nossa volta e a forma como somos afetados; em outros casos, desarmonia porque o sofrimento que se coloca como efeito não está diretamente relacionado com uma causa de fato existente; sofremos em abstrações, com situações que talvez nem aconteçam. E o que há de risível nisto? Talvez um problema lógico, como apresenta Bergson, mas ele aborda a questão por outro caminho.

Em primeiro lugar tenta estudar os procedimentos de fabricação da comicidade. Ao mesmo tempo, busca compreender a intenção da sociedade quando ri. Por que você ri? O que você faz quando ri? Você provoca o riso no outro? O que busca provocar naquele que ri?

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O riso pode deslocar a atenção daquele que ri para um detalhe que não havia sido percebido, mas pode perder o foco daquilo que é essencial; pode provocar outra forma de deslocamento, apenas distanciando a pessoa do problema momentaneamente, o que poderá torná-lo mais leve, mais fácil de abordar, mas que também poderá provocar alienação. O riso pode levar a pessoa a perceber-se, identificando seus exageros, e até mesmo uma desarmonia entre o que ocorre a sua volta e os efeitos nela gerados pela afetação de tal entorno. Pode, em alguns casos, tornar as expectativas mais próximas do real, levando à última instância os exageros da pessoa.

Um roteiro cômico pode levar alguém a vislumbrar o que se passa em sua vida, ou a avaliar os caminhos que tem trilhado. Pode provocar inquietação gerando um movimento de aproximação, ou gerando um movimento de distanciamento, ainda que ambos sejam provocados pela mesma situação risível.

Pode também tornar as situações mais leves, porque sendo capaz de rir de si mesmo, as questões cotidianas podem ganhar outra dimensão, mais compatível com as possíveis abordagens a ela. Mas também pode tornar a situação insuportável, pois a humilhação gerada pelo riso pode ser um impedimento à existência.

Esses são apenas alguns pouquíssimos exemplos de formas para se trabalhar o riso como submodo, lembrando que aquilo que auxilia uma pessoa pode ser, exatamente, o que traz a ruína a outra. “O riso castiga certos defeitos mais ou menos como a doença castiga certos excessos, atingindo inocentes, poupando culpados, visando a um resultado geral sem poder fazer a cada caso individual o favor de examiná-lo separadamente”, afirma Bergson. O riso não é justo ou bom em si mesmo. Pode ser utilizado para nos alertar, para denunciar nossos automatismos, nossas ações mecânicas, mas também pode ser utilizado para nos humilhar, para nos moldar.

Você usa o riso como forma para lidar com seus problemas? De que maneira? Qual o resultado deste uso em sua vida? Torna-a mais leve ou mais amarga? Amplia suas possibilidades ou restringe seu campo de atuação?

Até aqui observei o uso informal do riso como submodo. Um submodo informal refere-se à maneira usual da pessoa lidar com suas questões, e os resultados que ela obtém com tais procedimentos. Na perspectiva clínica, é possível fazer uso dos submodos como um procedimento clínico, visando promover as movimentações existenciais desejadas pela pessoa. Também no caso do submodo como um procedimento clínico, o riso pode ser largamente utilizado, desde que compatível com as necessidades e possibilidades da pessoa. Estas possibilidades, conforme observamos anteriormente, são pesquisadas com cada pessoa em especial, e se for o caso de utilizar o riso como submodo, como fazê-lo, suas implicações, suas possibilidades serão estudados caso a caso, tornando o riso uma forma singular de vida.

Podemos aprender com o riso, podemos nos expressar com o riso, podemos lidar com nossos problemas pelo riso. Podemos viver o riso; na metáfora bergsoniana, tão leve quanto a espuma do mar, tão salgado e violento quando o próprio mar. Leve e violento, doce e intenso, amargo e profundo… assim é o riso, assim são nossas vidas… possibilidades.

Referências Bibliográficas:
BERGSON, H. O riso: Ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.