Mitos e verdades sobre a fitoterapia

por Alex Botsaris

Durante os meses de setembro e outubro, o médico oncologista Dráuzio Varella, que costuma apresentar temas médicos no programa dominical Fantástico (Rede Globo), deu entrevistas à revista Época e apresentou um documentário abordando o tema fitoterapia de forma distorcida, equivocada e preconceituosa.

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Não podemos assistir a uma calúnia desse nível, nem a um desserviço ao potencial que nosso país tem nesse campo, sem protestar e questionar os absurdos que foram ditos como se fossem verdades, pelo Dr. Varella.

Essa indignação não é só minha. Ela vem também de milhares de pesquisadores que estão em dezenas de universidades no Brasil, e que foram expressadas numa carta encaminhada à Rede Globo pela Febraplame, federação que representa 10 sociedades científicas que atuam nessa área, em 6 de outubro de 2010. Essas sociedades congregam cerca de cinco mil pesquisadores, que apoiaram por unanimidade esse manifesto. Nessa carta estão pontuados os principais absurdos vaticinados pelo oncologista Dráusio Varella, que nada entende de plantas, e que vou comentar também nesse artigo.

Ele afirma estar se criando uma medicina para pobres sem base cientifica, criticando a PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) do Ministério da Saúde, que inclui o uso de alguns fitoterápicos nas unidades de saúde. Essa afirmação mostra um enorme grau de desconhecimento pelo colega, seja de dados médicos internacionais, seja de hábitos de consumo e conceituação das classes favorecidas no mundo.

Hoje em dia, quem mais consome fitoterápicos, seja na Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália ou Japão, são pessoas com alto grau de instrução (em geral nível superior ou pós-graduado) e pertencentes às classes A e B. Portanto, fitoterapia não se encaixa absolutamente na descrição de “medicina para pobres”.

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Sabemos, além disso, que a introdução de fitoterápicos nos sistemas de saúde, monitorada em alguns países, gerou uma boa aceitação dos pacientes, devido a bons resultados clínicos, redução dos efeitos adversos, e melhora na qualidade de vida das pessoas. Os dados gerados em países, como China, Alemanha, França e Canadá, formaram a base de uma recomendação expressa da Organização Mundial da Saúde para a introdução de fitoterápicos nos sistemas públicos de saúde nos seus países membros.

Ainda segundo o Dr. Varella, os fitoterápicos seriam produtos que não teriam passado por suficiente crivo cientifico, e suas indicações seriam baseadas em dados de uso popular ou ainda não completamente provados, apenas baseados em testes “in vitro”. Novamente o oncologista comete profundos equívocos de avaliação, devido à sua desinformação e preconceito. O uso popular desprezado pelo colega é justamente o que torna os fitoterápicos mais seguros.

Toxicologistas atualmente tem uma opinião consensual que as moléculas que estão em contato com a espécie humana há centenas ou milhares de anos, como a dos produtos naturais, são muito mais seguras que as que acabaram de ser inventadas pela síntese química. Por outro lado a maior parte dos fitoterápicos de uso clínico, compreendendo plantas escolhidas pelo Ministério da Saúde para uso no SUS ou aquelas que estão aprovadas pela Anvisa como medicamento, possuem tanto estudos farmacológicos quanto clínicos validando suas indicações populares.

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O médico do Fantástico ainda saiu catando um caso de planta com potencial de toxicidade ao fígado, como forma de exaltar um risco que ele alega ser temerário, do uso popular de plantas medicinais. É o caso dos indivíduos com telhado de vidro que jogam pedra no telhado de seus vizinhos.

Ora, a quimioterapia para o câncer, tratamento que nosso repórter-médico emprega em seus pacientes, está entre os tratamentos mais tóxicos da medicina. Já cansei de assistir pacientes terem complicações gravíssimas como aplasia de medula, neuropatias e encefalopatias, imunodepressão com infecções sistêmicas, hepatotoxicidade, insuficiência renal, sem contar com diversos outros problemas como náuseas e vômitos, diarreia, insônia, queda de cabelos, que causam enorme mal-estar aos pacientes. Nem todos esses riscos desqualificam a importância da quimioterapia, desde que feita com uma avaliação correta de risco e beneficio.

Fico pensando, o que, um médico acostumado com esse nível de reações colaterais em seus pacientes, pode falar de risco de um chá de um planta medicinal de vasto emprego popular? Mesmo uma criança vai desconfiar da qualificação do Dr. Varella para fazer críticas aos fitoterápicos. Minha sensação é que essa reportagem custou uma boa parte da credibilidade que ele conquistou nos últimos anos fazendo reportagens na Rede Globo.

Ainda por curiosidade, vale comentar que existem, sim, vários trabalhos científicos sugerindo que várias plantas medicinais podem beneficiar os pacientes da câncer como é o caso da Curcuma longa (aqui conhecida como açafrão), do cogumelo Maitake, ou da pectina extraída de laranja, que atuam reduzindo os efeitos colaterais da quimio e aumentando a eficiência do tratamento. Talvez por seu grande preconceito o oncologista Dráuzio Varella parece ignorar esses trabalhos, assim como demonstrou completa falta de informação sobre as pesquisas com as outras plantas que ataca em seu documentário.

Juntando-se ao coro de inúmeros pesquisadores e cientistas indignados com a falta de ética jornalista do colega Dráusio Varella, o portal da Fapesp, a agência de fomento a pesquisa de São Paulo, uma das mais importantes do Brasil, publicou um artigo contundente revelando o grau de revolta que se espalhou pelo meio científico após a desastrada série de reportagens exibidas no Fantástico nos últimos domingos. (http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/40002/plantas-medicinais-equivoco-fa).

Eu também sei que a Globo foi bombardeada por milhares de e-mails e cartas de protesto ainda que a empresa jornalística tente ocultar esse fato. Estimulo a todos que usam e se beneficiam de plantas medicinais a continuar escrevendo para a emissora e protestando, até que uma “mea culpa” formal seja feita, e uma nova matéria com fatos verdadeiros seja produzida para exibição no mesmo Fantástico.

PS: Opiniões expressas e publicadas nos artigos do site Vya Estelar são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores.