Quando a compulsão se torna doença?

por Joel Rennó Jr.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um transtorno mental que atinge até 2,5% da população. Caracteriza-se por pensamentos e ou comportamentos repetitivos, que ocorrem independente da vontade da pessoa. Por não conseguir evitar tais pensamentos e a ansiedade elicitada pelos mesmos, geralmente há a realização dos chamados rituais ou compulsões.

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As obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos que ocorrem repetidamente e parecem estar sem controle. Embora as pessoas sofredoras achem tais idéias ou pensamentos absurdos, não conseguem controlá-los. Já as compulsões são atos repetitivos e, geralmente, acompanhados de certas regras na tentativa de aliviar a grande ansiedade gerada pelas obsessões.

Indivíduos com TOC podem ter preocupação extrema com sujeira e contaminação, deixando até de cumprimentarem pessoas e, por exemplo, não tocarem na maçaneta de uma porta ou outros objetos. Alguns têm receio de prejudicar algum amigo ou parente, embora saibam que isso não é real. Outros têm sentimentos de desconforto, como dúvida perante uma determinada ordem ou simetria de objetos dispostos na casa.

As compulsões realizadas podem ser as de lavar as mãos freqüentemente ou tomar banhos demorados, seguindo uma seqüência especifica de descontaminação. Isso até pode gerar inflamações sérias. Outras pessoas podem verificar insistentemente se desligaram o gás ou o ferro, com medo de incendiarem a casa. Há pessoas que lêem repetidamente a mesma frase ou, então, andam nas ruas com certas manias ou rituais. Tais compulsões não geram prazer como ocorre por exemplo nas compulsões por álcool ou jogo.

Não existe uma única causa comprovada para o TOC. Não há exames clínicos para o diagnóstico, o mesmo é realizado pelos sintomas apresentados. Pesquisas apontam problemas de conexão entre as partes frontal do cérebro (o córtex orbital) e algumas estruturas mais profundas (os gânglios da base). Nestas estruturas, o mensageiro químico serotonina está envolvido.

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A associação de TOC aos tiques e Transtorno de Tourette (transtorno neurológico caracaterizado por tiques motores e verbais) é freqüente. Os tiques são comportamentos motores involuntários (como caretas) ou até vocais (com emissão de assobios e até sons mais complexos), em decorrência de um sentimento de desconforto ou inquietação. Tiques mais complexos, como tocar, podem lembrar as compulsões. A associação é mais freqüente quando o início de um deles é na infância.

Tratamento

Quanto aos tratamentos possíveis, tudo depende do nível de gravidade dos sintomas e da incapacitação gerada.

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Alguns antidepressivos que aumentam a concentração de serotonina podem melhorar os sintomas. A psicoterapia comportamental cognitiva tem comprovada eficácia. Para casos clínicos graves, refratários aos tratamentos convencionais, vêm sendo realizados estudos novos de técnicas neurocirúrgicas. São técnicas denominadas estereotáxicas (capsulotomia, cingulotomia, leucotomia límbica), que permitem localizar, com precisão milimétrica, um ponto no cérebro a ser operado, podendo interromper circuitos neurais por radiofreqüência (a céu aberto) ou radiocirurgia (sem a necessidade de abertura do crânio). Tal projeto pioneiro vem sendo desenvolvido no Brasil pelo Prof. Dr. Eurípedes Constantino Miguel, Coordenador do PROTOC – Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo do Instituto de Psiquiatria (HC USP).

O TOC gera grande sofrimento e angústia. As pessoas sofredoras não têm quaisquer culpas e, por isso, não devem ser discriminadas ou punidas. A sociedade precisa ter um melhor conhecimento desse ou de outros transtornos mentais. Ainda imperam a falta de informação e o preconceito, inclusive nos meios sociais e culturais elevados. Exemplificando, recentemente tivemos o depoimento emocionante do Rei Roberto Carlos, sofredor do TOC há mais de 10 anos, sem nunca ter recebido por parte de amigos, parentes ou empresários quaisquer orientações corretas.

Casos assim, infelizmente, são comuns. A nossa sociedade precisa tirar as máscaras. A maneira como nós encaramos um transtorno mental pode até mudar o curso do mesmo, sem dúvida. Daí a importância extrema dos grupos de autoajuda, constituídos por pacientes e familiares. A ASTOC, no Brasil, é um digno e brilhante exemplo.