O outro na relação ajuda a construir a nossa identidade

por Aurea Afonso Caetano

"O mundo inteiro é um palco
E todos os homens e mulheres não passam de meros atores
Eles entram e saem de cena
E cada um a seu tempo representa diversos papéis."
William Shakespeare

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Relações afetivas importantes é o palco principal para jogos de luz e sombra nos quais cada um dos personagens exerce seu papel. Para uma boa atuação precisamos contar com a parceria e a troca com nosso companheiro de cena, ele vai nos dar a deixa a partir da qual engataremos nossa fala e nossa atuação.

Ser humano em relação é ser humano fazendo trocas constantes; mesmo em momentos de solidão, ou de monólogos, dialogamos com nosso "eu interior" ou com nossos pensamentos ou, ainda, com o outro dentro de nós. É a chamada consciência autonoética, a que se reconhece sendo ou conhecendo.

O outro, na relação, ajuda a construir essa identidade; a mãe ou cuidadora desde o início da vida, o pai e a sociedade, os amigos, os amores, a cultura – todas essas instâncias, por assim dizer, com as quais nos relacionamos vão moldando nossa existência: quem somos, o que queremos, para onde vamos.

Não existe algo como um ser fora do mundo, seja qual for o palco no qual atuamos, há sempre um palco e sempre um outro ator. O menino Mogli, personagem de um conto de Kipling e imortalizado no desenho de Walt Disney, foi criado por lobos e com eles se aparentava. A relação e troca com uma mãe loba em uma alcateia forjou o desenvolvimento de um menino lobo, ser humano com comportamentos animais. Não havia um outro ser humano que em uma relação pudesse ajudá-lo a humanizar sua existência.

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Sabemos que existem espécies de "janelas" durante as quais alguns tipos de desenvolvimento podem ocorrer. Caso isso não aconteça, se as condições ambientais (em todos os níveis) não forem adequadas, o ser humano não desenvolverá muitas de suas potencialidades. A história do menino lobo nos conta que será muito difícil transformá-lo em um ser humano pleno, pois suas primeiras experiências foram de outra ordem de ser. Muito do fascínio que esse tipo de conto provoca em nós diz respeito a essa questão: o que seria de nós se?

Se fôssemos criados por outro tipo de família, diferentes pais e irmãos, em outro tipo de sociedade, em outra cultura. O que é que faz de nós atores de nossas próprias histórias, responsáveis por nossas entradas e saídas no palco da vida, capazes de improvisar ou atuar de acordo com um script. Cada um de nós desempenha vários papéis, somos a um tempo homens e mulheres, esposas e maridos, filhos, pais e mães, profissionais em atuação, cidadãos de um lugar e país específicos, seres humanos iguais e diferentes.

Contos, lendas, filmes, novelas, peças de teatro nos encantam porque nos trazem a possibilidade de viver um pouco na pele do outro. De experimentar esse "como seria se", de forma controlada e protegida, muitas vezes "sem sair da cadeira". Vantagem e perigo, ao mesmo tempo! Para que possamos nos desenvolver, para que nossa entrada no palco da vida possa acontecer, é importante a relação com um outro que com nós contracene. Seja ele quem for.

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