Entenda a diferença entre opção e orientação sexual

por Edson Toledo

Antes de iniciarem a leitura deste texto, sugiro que se dispam, previamente, de seus preconceitos e compreendam que, primeiramente, estaremos tratando de questões que envolvem diretamente pessoas, na perspectiva dos direitos humanos constituídos e fundamentados na Constituição da República Federativa do Brasil quando diz, sobretudo, que um dos objetivos fundamentais é "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (Art. 3º, IV).

Continua após publicidade

O senso comum, baseado em crenças e valores pessoais, fundamenta argumentos como o que confunde opção sexual com orientação sexual, proferidos por grande parcela da população independentemente de outras variáveis sociais como: classe, gênero, intelectualidade, geração. Entretanto, há diferença entre opção e orientação sexual.

Quando uma pessoa opta por algo, ela faz uma escolha entre várias ou, no mínimo, entre duas possibilidades. As pessoas com orientação homossexual não optam por se apaixonar e se relacionar intimamente com pessoas do mesmo sexo. Em primeiro lugar porque se pudessem, provavelmente, não optariam por ser alvo de ações, comentários ou olhares preconceituosos e discriminatórios, uma vez que a regra dominante é a heterossexualidade. Em segundo lugar, porque o desejo afetivo-sexual dessa pessoa é orientado a pessoas do mesmo sexo, assim como ocorre na heterossexualidade, em que o desejo afetivo-sexual da pessoa é orientado a pessoas do sexo oposto. Com isso, pode-se entender que se existe alguma espécie de preferência na homossexualidade não é a de se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo em detrimento de outra do sexo oposto, mas sim em assumir isso publicamente ou não.

De acordo com *Fernando Luiz Cardoso, "o conceito de orientação sexual (…) [pode ser] relativizado como as muitas possibilidades de prazer. Assim, orientação sexual não é o mesmo que prática sexual (aquilo que as pessoas fazem no sexo) e nem identidade sexual (como as pessoas se sentem ou são nominadas a partir de suas práticas sexuais)". Esse é mais um dos equívocos construídos que corroboram para reforçar o preconceito sobre pessoas não heterossexuais.

Isso posto vamos a questão objeto deste nosso artigo, O National Guideline Clearinghouse – base de dados de diretrizes para as práticas clínicas baseadas em evidência – é um recurso público mantido pela Agency for Healthcare Research and Quality do Departamento de Saúde do Governo Americano que edita uma serie de diretrizes para tratar de assunto tão difícil e polêmico como questões relacionadas à sexualidade da criança e do adolescente.

Continua após publicidade

Abordagem:

A avaliação da sexualidade é um fator essencial para um tratamento global e efetivo.

Avaliação psiquiátrica de todo paciente deve levar em consideração seu desenvolvimento psicossexual. No caso de crianças e adolescentes não é diferente e a abordagem da orientação sexual, da identidade e do papel de gênero ajuda a identificar situações específicas relacionadas à sexualidade. Assim, é possível trabalharmos na prevenção de problemas clínicos e psiquiátricos e na promoção de qualidade de vida.

Continua após publicidade

A história desses pacientes deve ser obtida de forma neutra, sem julgá-los.

Deve se levar em consideração que crianças e adolescentes que se apresentam com orientação sexual "não concordantes" (em relação aos gêneros masculino ou feminino ou em relação à norma estabelecida socialmente) estão em situação de vulnerabilidade e apresentam desafios únicos durante seu desenvolvimento psicossexual. Uma das questões fundamentais é destacar ao paciente que a confidencialidade sobre a sua orientação sexual será mantida, fato esse essencial na formação do vínculo terapêutico.

Atenção:

Após obtenção da história e análise da vulnerabilidade os profissionais de saúde devem estar atentos para os seguintes aspectos, que trazem risco para a criança/adolescente:

Bullying: a exposição regular à hostilidade por parte de colegas e família pode levar o indivíduo a experimentar efeitos adversos na sua saúde mental como depressão crônica, ansiedade e pensamentos suicidas. Há evidências que escolas que implementam programas específicos para o bullying tendem a diminuir sua incidência. Caso o comportamento esteja arraigado na família, terapia familiar pode ajudar.

Suicídio: se verifica mais taxas de suicídio nesse grupo quando comparado com população em geral. Apoio social e familiar, além de programas escolares de prevenção de suicídio são importantes fatores de proteção.

Comportamentos de risco: um apoio psicossocial falho pode favorecer o envolvimento com prostituição e aumento das taxas de gravidez indesejada.

Abuso de substâncias: aumento do risco de abuso de álcool e drogas, particularmente, naquelas crianças e adolescentes com dificuldade de trabalhar sua orientação sexual ou com dificuldade de inserção no meio social.

HIV e outras doenças de transmissão sexual: psicoeducação e discussão sobre como ter experiências sexuais mais seguras ajudam a diminuir esse risco aumentado.

Concluo, citando a frase da letra da música do cantor Belchior: "ainda somos os mesmos de vivemos como nossos pais…". Penso que frase como esta faz com que reflitamos sobre questões ligadas às relações humanas e que estamos assistindo e participando de grandes mudanças no mundo globalizado marcados por avanços tecnológicos, comunicação de massa, engenharia genética e por ai vai. Porém, se repararmos no campo das microrrelações do cotidiano humano e das subjetividades, pouco se avança… entendo que talvez devêssemos iniciar por ai para entendermos as questões ligadas à sexualidade de nossas crianças e adolescentes.

Duas definições importantes:

– Identidade de gênero: definição sexual, senso que o indivíduo tem de sua masculinidade ou feminilidade.

– Papel de gênero: deriva da identidade de gênero e é construído de forma cumulativa por influências parentais e socioambientais. É esperado que o indivíduo adote o papel masculino ou feminino, de modo a se identificar com o sexo que lhe foi designado.

* Doutor em Sexualidade Humana, Núcleo de Estudos da Sexualidade – NES, Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.
**Forlenza & Miguel (ed). Compêndio de Clínica Psiquiátrica. Manole, 2012.