Ordem ou progresso? Parte I

por Luiz Alberto Py

O historiador americano Carroll Quigley, no seu livro A Evolução das civilizações – Uma Introdução à Analise Histórica, desenvolve sua percepção da existência de um processo histórico inevitável que ele chama "institucionalização dos instrumentos".

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Segundo Quigley, este processo é encontrado em quase todos os fenômenos sociais. Ele afirma que os instrumentos criados pelos seres humanos no sentido de desenvolver progresso se institucionalizam, ou seja, se transformam em instituições com uma sutil mudança na sua finalidade, a qual passa a ser de autopreservação. A princípio, existe um instrumento, uma entidade com o objetivo de promover progresso e evolução. Essa, aos poucos, passa imperceptivelmente a servir-se a si mesma e assume uma finalidade de autopreservação egoística. Quigley assinala ainda que na arte nós testemunhamos a passagem do poético ao prosaico, ou como dizia Charles Peguy em Notre Jeunesse: tudo começa como "mystique" e termina como "politique". Daí a importância da distinção que os historiadores de religião fazem frequentemente entre a religião e o clericalismo.

Quigley enfatiza que a institucionalização dos instrumentos sociais é o mais difundido dos fenômenos históricos e descreve esse suceder como um processo no qual a organização que se vai institucionalizando, vai aos poucos realizando a sua função ou finalidade com uma eficácia decrescente. Em consequência disso, começa a surgir, principalmente entre os estranhos à organização, uma manifestação de descontentamento que clama por mudanças. Quando essas sugestões de mudanças e reformas não são aceitas, surgem conflitos e controvérsias. Enquanto todo o certo ou todo o errado não estiver inteiramente de um lado desse conflito, é improvável que o descontentamento e a controvérsia adquiram um nível suficientemente importante para que surjam mudanças, a não ser que a organização esteja tão institucionalizada, e portanto tão ineficaz, que o grau de ineficácia dela promova o seu próprio desaparecimento. Geralmente surge uma tensão entre os grupos empenhados nessa luta: os mantenedores da instituição, aqueles que usufruem dos direitos adquiridos por ela, e os reformadores, aqueles que pretendem tornar essa organização um instrumento mais eficiente.

A tensão que se instaura entre esses dois grupos pode ser chamada "tensão de desenvolvimento". Dessa, segundo Quigley, emerge qualquer um, ou uma combinação de três resultados possíveis: a reforma, o contorno e a reação. Ele descreve a reforma como uma reorganização da instituição, de modo que ela se torne mais instrumento e menos instituição, passando a realizar sua finalidade de forma mais aceitável. No segundo caso (o contorno), a instituição é deixada com a maioria de seus privilégios e direitos adquiridos intactos, mas os deveres lhe são tirados e atribuídos a um novo instrumento, dentro da mesma sociedade. Quigley exemplifica com o rei da Inglaterra, coberto de honras, mas cuja tarefa de governar foi assumida pelo Parlamento e pelo Ministério. No terceiro resultado possível, a reação (de onde vêm as expressões reacionarismo e reacionário), os direitos adquiridos triunfam na luta e a instituição se mantém indefinidamente, com o resultado de que o progresso se torna praticamente inviável.

Vale observar que os processos aqui descritos são extremamente dinâmicos, porque todos os novos instrumentos que vão sendo criados, aos poucos vão se tornando instituições que precisam ser reformadas ou contornadas.

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No Brasil temos observado que as classes dominantes estão mantendo seus privilégios por meio do sistemático saque do dinheiro público através de um conluio entre empresas desonestas e políticos corruptos. Tal saque vem se agigantando nos últimos anos e apesar do fato de que o desenvolvimento tecnológico facilita o desvendamento desses crimes, a impunidade endêmica – facilitada por uma justiça cega, também corrupta e indigna de ser chamada de justiça – tem crescido assustadoramente. Note-se o triste fato de que os políticos que assumem o poder imediatamente se corrompem e se deixam cooptar por esse repulsivo sistema de fraude e roubalheira. Temos aqui um terceiro resultado quigleyano em que os reacionários (o grupo dos direitos adquiridos) não precisam lutar, porque corrompem aqueles que deveriam combater a corrupção, e os seduzem a aderir ao sistema corrupto.

Acredito que a única forma de superar tal situação será a indignação progressiva de toda a sociedade forçando os tribunais – até agora cegos quando não corrompidos – a atuar de forma eficaz punindo os criminosos não apenas com a pena de prisão, mas mais eficientemente retomando todo o dinheiro roubado à nação, a todos nós. O movimento social precisa se organizar não em partidos todos corrompidos, nem em entidades de classe também corrompidas e compradas pela derrama de dinheiro público, mas em grupos de pressão permanentemente alertas e atuantes. Precisamos nos organizar e agir com urgência, antes que a riqueza do país seja totalmente devastada por este mar de lama que nasce em Brasília e se derrama por todo o Brasil.

Proximamente examinarei o tema da reforma sob o ponto de vista social e político de forma mais abrangente. E depois examinarei o mesmo tema a partir do vértice psicanalítico inclusive através da observação do funcionamento das instituições ditas psicanalíticas.

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