No plano astral: será que somos todos iguais?

por Roberto Goldkorn

Recebi uma mensagem de uma leitora revoltada com a minha falta de sabedoria e de sensibilidade em relação ao caso do assassino de Eloá (ainda se lembram?). No artigo eu dizia que sabia de antemão do desfecho, por se tratar de uma situação arquetípica. Disse que já na véspera dos tiros fatais, torcia pelo menos, para ele ser capturado vivo para poder viver o resto da vida assombrado pelo fantasma do sorriso de Eloá.

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Ela me escreveu: “Quem sabe ele não estaria fazendo aquilo que o pai dela, fez várias vezes… poderia estar influenciado pelos espíritos, e… não podemos julgar ninguém porque no mundo espiritual todos são iguais, isso foi o que aprendi nos meus estudos kardecistas.” Resolvi escrever aqui uma resposta a essa leitora ao mesmo tempo em que desenrolo esse intricado conceitual.

Em primeiro lugar o fato de ele estar ou não possesso de espíritos não arreda um centímetro a sua culpa. Embora eu não acredite nessa possibilidade, se foi fraco o bastante para permitir ser acossado por “espíritos malignos” por tanto tempo e ter-se permitido auxiliar por esses “espíritos” na preparação, negociação e manutenção do cativeiro, ele no mínimo é cúmplice, e como não se pode prender e julgar um espírito…

Não, não foi uma possessão, nem encosto, nem obsessão, foi apenas ele e a sua imensa miséria humana, o seu vazio de ser, de amor, de pensar. Quanto ao fato do pai dela ter sido bandido e isso explicaria tudo, numa versão moderna de o justo pagará pelo pecador, isso não é doutrina kardecista, nem aqui nem no baixo astral. Tentar explicar esse caso pela simplificação pueril de que a filha poderia estar pagando pelo carma do pai é contra todo o conhecimento espiritual e o bom senso material. Já pensou, termos de ir procurar nos pecados dos pais, tios, avós das vítimas, a explicação para suas tragédias pessoais? Na verdade essa é uma cruel tentativa de vitimizar o algoz.

Somos todos iguais?

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Quanto a alegação de lá no plano espiritual sermos todos iguais, essa é uma grande e antiga falácia. Trata-se de uma crença primitiva desprovida de fundamento e lógica. Os muçulmanos acreditam que quanto maior o crime que o fiel perpetrar “em nome de Alá’, mais “virgens” celestiais e palácios dourados terá a sua disposição no “plano espiritual”. Os Hare Krishnas acreditam em algo semelhante também, coisas do tipo: Se você arrancar uma pena de pavão, voltará na próxima encarnação cego! Uma pena de pavão pela privação da visão! Católicos e evangélicos acreditam que padres ou pastores têm o poder de absolver os pecadores dos seus pecados, ou que eles possam ganhar um lugar melhor no céu dependendo dos zeros que põe nos cheques dos dízimos. Tudo isso é uma afronta ao bom senso e ao conhecimento oculto das leis do mundo espiritual.

Mas a bem da verdade devo dizer antes que me colem a etiqueta de arrogante e dono da verdade, que em se tratando desse assunto imponderável, todas as opiniões, chutes, e achismos são no mínimo permitidas. Assim como há séculos a ideologia religiosa vem usando e abusando da geopolítica espiritual para manipular as pessoas aqui na Terra, me sinto autorizado a expressar a crença que abraço, que obviamente não é criação minha, mas da escola Teosófica com a qual me identifico, mesmo assim com restrições.

No mundo espiritual as gavetas são tantas e tão diversas quanto no mundo material. Quem mata vai ser assombrado pelos seus crimes. Ninguém fica melhor só porque passou desta para outra. Ao contrário alguns até pioram. Pessoas que viveram uma vida encharcada de materialismo, de sexo, drogas e rock’n roll, não vão ficar tocando lira com asinhas brancas em cima de nuvens gordas e bonachonas. A luz astral para onde vai a imensa maioria de viventes, é o mundo da ilusão (não será esse nosso plano a mesma coisa?). Com a diferença de que lá a realidade não é física é ideoplasmática, ou seja você molda, cria, aquilo que pensa ou sente. O fumante vai sentir a mesmo desejo visceral de fumar (a tal da fissura) e por isso vai plasmar um cigarro astral, só que esse cigarro de nada, não vai lhe satisfazer, por que tem teores de nicotina inexistente. Isso é seu inferno.

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É o mundo das sombras “reais”, tão reais quanto os sonhos assombrosos das crianças. Por isso talvez o “céu” dos Hare Krishnas tenha mesmo o Lord Krishna recebendo a todos e dançando alucinadamente com eles e cantando o Maha Mantra. Da mesma maneira que o “céu” dos muçulmanos pode ter as tais mil virgens servindo os homens-bomba todos despedaçados e ainda ouvindo os gritos de desespero de suas vítimas. De que adiantaria, qual a lógica, onde há justiça, se a morte zerasse o velocímetro e apagasse a folha corrida dos homens e mulheres? Que tipo de justiça seria essa? Como disse Hermes Trismegisto (se é que ele existiu mesmo: “O que está em cima é igual ao que está abaixo”. Nisso eu acredito, o mundo espiritual é um espelho do mundo físico. Não há tribunal de condenação ou de absolvição, não existem Senhores do Carma, nem Jesus preside a uma eterna corte julgando as almas de acordo com alguma lei construída e em cima de bases culturais. Cada um é julgado e condenado a partir de sua própria consciência ou da falta dela. Por essas razões me vejo impedido de embarcar nessas ilusões super-sport muito convenientes e pueris. Que me desculpe a minha leitora, mas no andar de cima o buraco é mais embaixo.