Impor limites exige egoísmo dos pais

Por Cybele Russi

Nos últimos cinco anos temos assistido a uma verdadeira enxurrada de publicações editoriais que tratam da necessidade dos limites para os filhos. Entretanto, mesmo com todos os lançamentos e discussões na mídia sobre o assunto, alguns pais continuam confusos, porque não sabem, afinal, como definir os limites. Não pretendemos aqui dar uma receita de como educar uma criança, até porque isto seria muito pretensioso, mas podemos ajudar com algumas dicas que já foram suficientemente testadas e comprovadas como certas.

Continua após publicidade

Antes de mais nada, é preciso dizer que não existe a família certa, assim como não existem as pessoas certas. O que existe são pessoas claras, firmes, decididas e coerentes com seus princípios e com seus valores. Quando acreditamos firmemente em nossos próprios valores não nos deixamos abalar pelo que os outros possam dizer ou pensar; nossas crenças e princípios devem estar acima e além da opinião alheia.

O que vai definir o caráter para o resto da vida é a clareza e coerência de princípios dos pais, não importando se estes vivem juntos ou separados. Portanto, antes de mais nada, faça uma revisão dos seus próprios valores e princípios. Aqueles que já estão superados para você, jogue fora, em vez de ficar repetindo como uma máquina para seus filhos valores nos quais nem você mesmo acredita. Mas se há valores nos quais você acredita, finque os pés e não abra mão deles. É na firmeza inabalável dos valores dos pais que os filhos constroem seus parâmetros.

Se você acredita que dirigir antes dos 18 anos vai totalmente contra seus princípios, não se dirige antes dos dezoito anos e está encerrado o assunto. Não dê margem para discussões e negociações. Encerre a questão. Direção é proibido para menores e não se fala mais nisso. Não se deixe levar pelos modismos, nem pela mídia, e menos ainda pelos amigos dos seus filhos. Você não concorda que sua filha viaje com o namorado? Não viaja e ponto final. A filha da vizinha viaja? O problema é da vizinha, não seu. Você é responsável por sua filha, a filha da vizinha não é responsabilidade sua.

Parece um jeito muito egoísta de ser? E é. Se cada um de nós for egoísta o suficiente para se preocupar apenas e tão somente com o que se passa dentro da própria casa, o mundo será bem melhor. O problema atual é que as pessoas estão mais preocupadas com a vida alheia do que com a própria. Seja mais egoísta, acredite mais nos seus próprios valores, nas suas ideias, no seu bom senso. Esqueça um pouco a opinião dos outros, aja pelo seu instinto, acredite no seu coração, seja egoísta, defenda sua cria com unhas e dentes. Se você não o fizer, ninguém o fará por você. Não tenha medo das críticas e dos comentários alheios. Não se preocupe em parecer "fora de moda". Educação não é, nem nunca foi questão de modismo.

Continua após publicidade

Você não aguenta os chiliques, os ataques de nervos, as gritarias, as caras feias, as portas batendo e as paredes tremendo? Pois prepare-se para aguentar. Educar filhos é isso mesmo, um desgaste diário e um bater de portas sem fim. Todo dia é um assunto novo que dá motivos para ataques, chiliques e faniquitos de todos os tipos. Mas não se deixe intimidar, isso passa. É mil vezes melhor suportar a cara feia, o mal humor, a tromba virada, a má-criação, os nomes feios, as chantagens, a agressividade, as ameaças de todos os tipos que seus filhos farão, e não cumprirão, é claro! do que a culpa de não ter feito nada na hora certa. A grande maioria dos pais se culpa por não ter sido mais firme na hora certa.

"Faça o que eu falo, não faça o que eu faço"

"Faça o que eu falo, não faça o que eu faço". Este é um dos piores erros que os pais costumam cometer: a incoerência entre palavras e atitudes. Os filhos percebem rapidamente as contradições dos pais e é nessa brecha que entram com força total. Quando percebem a nossa incoerência, estão com a faca e o queijo na mão. E têm toda razão ao dizer que mentimos. A criança associa a contradição à mentira. Então, a melhor atitude é ser sempre claro, transparente e verdadeiro, mesmo que isto seja muitas vezes desagradável. Pais que mentem ou têm atitudes dúbias ou contraditórias, não têm autoridade para exigir nada. Quando a criança se acostuma a ouvir a verdade ela se habitua a dizer a verdade também. A transparência na relação entre pais e filhos é imprescindível. Mentiras geram homens fracos e mentirosos. Verdades geram homens corajosos e confiantes. Não tenha condutas que reprovaria neles. Eles são nossos espelhos e refletem nossas condutas.

Continua após publicidade

Assuma com convicção o seu papel dentro da família. Pai é pai. Mãe é mãe. Filho é filho. E não existe possibilidade de troca de papéis. Filho não é confidente da mãe nem coleguinha do pai. Não importa nem mesmo quem vai assumir o papel de pai ou de mãe, mas que alguém o faça de forma clara! Deixe para ser confidente de seus filhos quando eles já forem adultos.

Infelizmente, com a "evolução"(?!) da nossa sociedade, houve uma inversão total dos papéis. Hoje são os filhos que mandam na casa, que ditam as normas, que estabelecem as regras, os horários; que negociam as notas do colégio, que manipulam, que subornam, que compram indulgências.

Por excesso de zelo, de medo de errar, os pais vivem coagidos pelos filhos. Por excesso de cuidados, não sabem mais como agir, são incapazes de assumir a autoridade e, principalmente, a autenticidade de seus sentimentos. E esta, talvez, seja a chave da felicidade familiar: a autenticidade dos sentimentos. Ninguém mais ousa expressar sua raiva, sua indignação, seu descontentamento. Para tudo se tem uma justificativa mal arranjada. Os filhos são sempre inocentes, e os pais, eternos culpados. Erramos? Sim. E muito! Erramos em não saber gritar de vez em quando e mostrar quem é que manda nesta casa. E erramos infinitamente mais em confiar mais nos manuais e nas opiniões alheias do que no nosso amor. Quem acredita na força do seu amor não tem conflito educacional nem existencial, deixa que os cães ladrem e a caravana passe.

Quando a criança tem claro para si os papéis e os limites de cada um, ela sabe exatamente até onde pode ir e onde deve parar. Arriscar e buscar o novo, não só é bom, como é essencial para o crescimento saudável da criança e para o desenvolvimento da maturidade e da autonomia do adolescente. Entretanto, só pode levantar altos vôos a ave que sabe os riscos que corre ao sair do solo. E para isso, ela foi treinada para reconhecer seus próprios limites. Quem não tem consciência dos próprios limites, se atira no primeiro precipício da vida.
.
Quando os pais dizem NÃO é para pôr um basta na situação. O não é uma palavra que não admite negociação. Quando o sim e o não estão bem claros para nós mesmos, fica mais fácil dizê-los para o outro, por isso a importância de uma reflexão sobre nossos próprios valores, para não entrarmos em contradição e não ficarmos negociando e cedendo o tempo todo. Infelizmente, dizemos muito mais nãos do que sins para as crianças. Então vamos reverter a situação. Vamos parar e pensar antes de dizer um não, para que, quando tivermos de dizê-lo ele seja de forma definitiva. Não dá para passar uma vida negociando e fazendo acordos; sejamos mais práticos, claros e objetivos: sim é sim; não é não; pode, pode; não pode, não pode. E estamos conversados. É melhor ser durão na hora certa do que ficar rezando baixinho depois da hora .

Fonte: Cybele Russi é Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional