Escola ‘forte’ ou ‘fraca’? Saiba como decidir

Por Cybele Russi

No passado, os pais não tinham muitas escolhas, ou matriculavam seus filhos na escola pública, que era tão boa ou, em alguns casos até, melhor do que a particular, ou os matriculavam diretamente na escola particular.

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O conteúdo quase sempre era o mesmo, sendo que umas eram consideradas mais "fracas" e outras mais "fortes". Umas "puxavam" mais, outras menos. Por mais "forte" ou "mais puxada" eram entendidas aquelas que nos obrigavam a decorar mais e mais conteúdo. Quanto maior a quantidade de conteúdo, mais "puxada" era a escola. E só. No resto era tudo igual: criança ia para escola com sete anos para aprender a ler e escrever, aprender Matemática, História, Geografia e Ciências ( Física, Química, Biologia.) O resto ficava por conta da família.

Durante séculos foi assim. Tanto isto é verdade que, de todas as instituições sociais, a escola foi a que menos mudou ao longo da história. Conservou até a atualidade os mesmo moldes da escola medieval. Entretanto, o mundo mudou muito, e em comparação com a evolução que houve, as mudanças na escola estão ocorrendo de forma extremamente lenta. Se olharmos para trás, até trinta anos todas as escolas eram iguais, no máximo eram laicas ou religiosas, ou ensinavam línguas ou não, e aí podiam ser "fracas" ou "fortes". Os alunos eram vistos como um todo, e todos tinham que aprender as mesmas coisas no mesmo ritmo e velocidade.

Mas enquanto a escola permaneceu enclausurada em seus muros medievais, a Psicologia, a Sociologia , a Física, a Neurologia e a própria Pedagogia deram saltos espantosos e trouxeram à luz revelações magníficas sobre o ser humano, e principalmente, sobre como se dá o processo de aprendizagem e de aquisição de novos conhecimentos. E pasme: a principal e mais incrível de todas as revelações: o homem é sujeito de sua aprendizagem e de seu conhecimento. Portanto, muito pouco do que o ser humano aprende ele adquire na escola, ou em qualquer outro lugar que seja. Ao contrário do que se imaginava até o começo do século XX, a aprendizagem não se dá de fora para dentro, mas de dentro para fora, num esforço único e exclusivo do indivíduo de estabelecer relações com o meio e de obter respostas para suas questões pessoais. (o maiores exemplos disso foram Leonardo Da Vinci, Galileu Galilei, Albert Einstein, Sigmund Freud, John Nash, e tantos milhares de outros que ao procurarem respostas às suas questões, acabaram descobrindo um universo de coisas novas que não haviam sequer sido cogitadas anteriormente.)

Assim, a ideia de que o aluno era um recipiente vazio e que a escola seria responsável por provê-lo de conhecimentos, caiu totalmente por terra. As grandes descobertas da Epistemologia Genética, da Psicologia e da Neurologia derrubaram por completo a crença de que o conhecimento pode ser adquirido por transferência. Ele é construído internamente pelo sujeito que aprende nas suas interações com o meio e com o outro. Logo, as escolas consideradas "fortes" ou "conteudistas", nada mais faziam do que nos transformar em grandes declamadores, ou memorizadores.

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Declamávamos poesias, números, letras, tabuadas, hinos, nomes de pessoas, datas, todos os afluentes do rio Amazonas, teoremas algébricos, e tudo o mais que nos fosse "ensinado", sem jamais compreendermos seus verdadeiros significados intrínsecos. As "escolas fortes" não despertavam a criatividade nem o desenvolvimento da inteligência, como seria de se esperar. Mas nos entupiam de conteúdos até a náusea. Em vez do que se imaginava, não estimulavam a imaginação nem o pensamento, mas nos espremiam os neurônios até o limite, com infindáveis lições de casa e exercícios decorados dos quais nunca mais nos lembraríamos, uma vez obtido o diploma.

Quem saiu da escola há pouco mais de vinte anos sabe do que estou falando. Quantos de nós não perdemos noites e mais noites de sono, com medo da prova, quando um determinado conhecimento nos seria exigido "ao pé da letra", conforme estava no livro? Quantas crises de vômito não tivemos em vésperas de provas que nos exigiriam conhecimentos que não tínhamos? Conhecimento não tínhamos, mas precisávamos demonstrar que sim.

Por causa de todas essas descobertas sobre o processo de aquisição de conhecimento, as escolas tiveram de se reformular rapidamente e repensar seus programas. Com isso, o conceito de "escola puxada" e "escola fraca" também mudou muito, até porque o vestibular das melhores universidades também mudou completamente. Hoje, o vestibular prioriza o raciocínio, a capacidade de estabelecer relações e de se expressar bem através da escrita. Tanto é assim que a redação é prova eliminatória. Ou seja, o aluno tem que mostrar o que sabe usando o raciocínio e a criatividade.

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Embora tão próximos ainda no tempo, século XXI e século XX guardam muito pouca coisa em comum. O mundo mudou muito, os valores mudaram muito, e o ser humano mudou demais. Se para melhor ou para pior, não saberemos dizer, mas o fato é que não somos mais os mesmos de 50 anos atrás. Então, vale questionar : qual o verdadeiro significado de uma escola 'forte' em pleno Séc. XXI? Para quê sacrificar uma criança enchendo cadernos e mais cadernos de lições e de exercícios que sequer sabemos se serão necessários daqui a vinte anos? Quem sabe se ainda existirá vestibular daqui a quinze anos? Quem sabe se as provas não serão feitas em casa, on line? Quem sabe o que será importante no mundo daqui a quinze anos? Quem sabe se um técnico não será mais necessário do que um especialista?

Se o mundo mudou, se os valores mudaram, as necessidades do ser humano também são outras. A antiga escola "forte" que foi tão boa para nossos pais e para nós, já não é mais a melhor para nossos filhos. O conceito de "fraco" e "forte" também mudou. A escola "forte" hoje é a que estimula o raciocínio e a criatividade; que propõe a resolução de problemas; que estimula o pensamento; que valoriza as relações interpessoais, o trabalho em equipe, a pesquisa e o respeito ao meio ambiente; que valoriza as competências individuais e as inteligências múltiplas. Mas principalmente e acima de tudo, a que desperta no aluno o prazer de ler e de aprender. Isto sim, é o essencial. E este sim foi, sem dúvida alguma, o maior legado que a escola de nossos pais nos deixou. Ler é a melhor maneira de aprender, porque exige atenção, concentração, criatividade, imaginação e o estabelecimento de relações.

Valorizar as inteligências múltiplas tornou-se a prioridade número um das boas escolas, mais importante do que adquirir conhecimentos específicos, que podem ser ótimos para alguns, mas não para todos. Por causa disso, a grande maioria das escolas tem se preocupado muito em trabalhar com Projetos, pois dá oportunidade para que todos mostrem suas competências e inteligências e que trabalhem de forma interdisciplinar. ( Você conhece a fábula da Gincana dos Bichos?)

É por todas essas razões que a escola de hoje não prioriza mais a transmissão de conhecimentos da escola "forte" do passado, mas o 'aprender a aprender', porque é disso que os alunos precisarão na vida. O futuro será daqueles que mantiverem o gosto pelo conhecimento e o desejo ativo de aprender, a libido do conhecimento, como se costuma dizer.

A boa e velha "escola forte", que nos entupia de "conhecimentos"; que nos obrigava a saber de cor todos os nomes dos faraós do Egito, hoje só serve para a satisfação do ego dos pais, que ainda se sentem gratificados em poder declamar aqueles nomes todos em voz alta, em competições de roda de chopp com os amigos.. Declamar nomes não significa conhecer a verdadeira História nem ter visão crítica dos fatos. Mais importante do que recitar nomes e datas, é saber como se faz a História, quais as relações que estabelecemos entre o passado e o presente históricos. Isto é conhecimento O futuro precisa de Homens. De competidores já temos o suficiente.