Mau hábito alimentar de crianças e adolescentes impõe novo papel à pediatria

Por Jocelem Salgado

O momento em que a medicina pediátrica atravessa atualmente sugere análise e reflexão sobre as suas possibilidades futuras. Desde o aparecimento dessa especialidade médica na Europa há 200 anos, a pediatria voltou-se quase exclusivamente para o controle de doenças infecciosas e contagiosas das crianças e adolescentes, além do combate à desnutrição, o que colaborou muito para a diminuição da mortalidade infantil. Contudo, os profissionais dessa área que antes atendiam seus pequenos pacientes com queixas de febre, tosse, dor de ouvido, diarréia, etc, estão se deparando agora com um novo quadro que está obrigando-os a reverem seu papel.

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O estilo de vida inadequado nas grandes cidades que leva ao sedentarismo e à má alimentação, mais a predisposição genética, estão fazendo com que o número de crianças e adolescentes com doenças crônico-degenerativas, antes consideradas típicas de pessoas que já passaram dos 50 anos, aumente assustadoramente. Colesterol alto, hipertensão, diabetes do tipo 2, etc, são problemas que os pediatras estão tendo que enfrentar em seus consultórios diariamente.

Como se não bastasse, problemas mentais como ansiedade e depressão que antes eram descritos somente em adultos, são cada vez mais comuns entre as crianças nos dias de hoje. Os especialistas em saúde infantil acreditam que a competitividade, o estresse e ambiente familiar muitas vezes hostil, fazem com que as crianças se sintam cada vez mais inseguras e revelem esses sintomas prematuramente.

Entretanto, o que chama mais atenção da classe pediátrica ainda é o grave problema da obesidade, que leva à síndrome plurimetabólica, ou seja, a combinação de hipertensão, dislipidemia (aumento do nível de colesterol e de triglicérides no sangue) e diabetes tipo 2.

Uma pesquisa realizada recentemente em São Paulo com 8.020 estudantes de 10 a 15 anos revelou que 16% estão na faixa de sobrepeso e 10% têm diagnóstico de obesidade. Além do alto consumo de guloseimas, o estudo, coordenado pelo prof. Dr. Mauro Fisberg da Universidade Federal de São Paulo, mostrou um dado alarmante: 81% dos alunos de escolas particulares e 65% dos alunos de escolas públicas são sedentários, ou seja, realizam menos de dez minutos de atividade física por dia.

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Nova pediatria

Esse momento em que a medicina pediátrica atravessa atualmente pede um redirecionamento da ação do profissional que cuida da saúde infantil. O médico que atende hoje uma criança em seu consultório deve ficar atento aos problemas de saúde relacionados ao estilo de vida inadequado que os tempos modernos trazem consigo. Trata-se de uma nova pediatra voltada para a prevenção, uma mudança necessária para cuidar de crianças que possivelmente chegarão aos 100 anos, se depender do crescente aumento da expectativa de vida.

Os especialistas que já atuam dessa forma afirmam que medidas de prevenção devem ser tomadas nos primeiros 20 anos de vida e que isso pode ser decisivo para o futuro das crianças. Recentemente, descobertas da medicina mostraram que muitas doenças comuns nos adultos têm suas raízes na infância, por isso, essa tem sido considerada a fase da vida mais crítica para a prevenção eficaz de muitas enfermidades. Problemas que surgem na infância, avançam silenciosamente durante décadas e só vão se manifestar 40 ou 50 anos mais tarde, afetando a qualidade de vida dos adultos.

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De acordo com o cardiologista Francisco Fonseca, especilista da Unifesp e um dos editores da primeira diretriz de prevenção da aterosclerose na infância e na adolescência, elaborada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, "o problema é que muitas enfermidades como a aterosclerose, por exemplo, avançam sem alarde até a idade adulta e, em um terço dos casos, sua primeira manifestação é um infarto fatal". Crianças que apresentam história de doenças crônicas na família, como as cardiovasculares, devem ser orientadas pelo pediatra a moderarem o consumo de gordura e açúcar e praticar uma atividade física regular.

Orientando os pais

Pesquisas que estudam os hábitos alimentares das crianças mostram que a missão dos pais em orientar seus filhos em relação a uma alimentação saudável está sendo desempenhada com displicência. Muitos acham natural que as crianças prefiram batata frita, salgadinhos, hambúrguer, sorvete, etc… do que comer uma salada de cenoura, agrião ou um pedaço de peixe grelhado. Esquecem que a responsabilidade pela saúde da criança é sobretudo deles e que são os pais que devem escolher os cardápios dos filhos e programar suas atividades físicas.

A nova pediatria tem como missão principal orientar esses pais de como devem agir, a fim de prevenir inúmeras doenças que poderão comprometer a qualidade de vida de seus filhos, principalmente na fase adulta. A família deve ser reeducada para melhorar a qualidade das refeições consumidas e, exercício físico deve ser o "lema" de todos os componentes da casa. Com essas medidas, é possível reduzir entre os pequenos o risco da obesidade, das altas taxas de colesterol no sangue, hipertensão e diabetes.

Dez dicas para ajudar seu filho a desenvolver uma vida saudável

A American Heart Association (Associação Americana do Coração) divulgou no início de julho, dez dicas para os pais ajudarem seus filhos a terem hábitos mais saudáveis. Aqui estão elas:

1. Seja um modelo positivo. Se os pais não praticam hábitos saudáveis não conseguirão convencer seus filhos.

2. Envolva a família. Planeje atividades em que todos os membros da família participem. Vale caminhadas, passeios de bicicleta, natação e até mesmo brincar de esconde-esconde, todos irão se beneficiar.

3. Limite o tempo em frente da TV, videogame e o computador. Estas atividades levam a uma vida sedentária e lanches em excesso, o que aumenta o risco de obesidade e doenças vasculares.

4. Encoraje atividades físicas, mas que as crianças gostem. Cada uma é diferente e elas podem não gostar de determinadas atividades. Deixem que elas experimentem e escolham do que gostam.

5. Seja positivo. Se foque sempre no lado positivo. Todos gostam de ser paparicados por um bom trabalho.

6. Estabeleça metas. Como uma hora de atividades físicas por dia, apenas uma sobremesa após as refeições. Quando as metas são arbitrarias ou muito restritivas as chances de sucesso diminuem.

7. Não recompense as crianças com comida. Doces e salgadinhos como prêmio encoraja maus hábitos. Encontre outras maneiras para comemorar bons comportamentos.

8. Faça do jantar a hora da família. Quando todos se sentam juntos existe uma menor probabilidade da criança abusar de determinados alimentos. Desta maneira todos desenvolvem costumes saudáveis.

9. Informe brincando. Ao descobrir o que é bom pra elas de forma divertida as crianças costumam adequar as informações a sua vida.

10. Se envolva. Acompanhe o que seu filho come na escola, certifique-se que a instituição oferece serviços que pensem no bem-estar do seu filho. Faça com que te ouçam.