Até aonde vai o poder da palavra?

por Roberto Goldkorn

Nesses dias mais uma notícia de violência veio entrar na fila das inúmeras que chegam ao nosso conhecimento ou entram sem pedir licença em nossas vidas. Um dramaturgo foi baleado ao ter o seu teatro invadido por ladrões. Ao que tudo indica ele foi reagir a uma agressão dos assaltantes a uma moça e acabou atingido por disparos. Isso seria pavorosamente banal se não fosse o fato, percebido pelos leitores atentos, da vítima ter um blog cujo pitoresco título é Atire no Dramaturgo! – ou seja, nele.

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Muitas pessoas têm me escrito perguntando ou afirmando que há uma relação “óbvia” entre o que o dramaturgo em questão “pediu” no seu blog e o que de fato lhe aconteceu.

Eu gostaria muito de poder dizer sim a essas pessoas, afinal não sou eu que escrevo sobre o poder da palavra? Mas não é tão simples assim.

Em primeiro lugar temos de pensar que vivemos num caos de palavras ditas, gritadas, repetidas, etc. Palavras em forma de oração, de súplica, projetadas no éter em busca de realizações são como poeira no ar. Na sua imensa maioria ficam sem resposta ou sem concretização. Mas existe um plano que está além das coincidências ou casualidades cósmica como dizia o mestre Molinero. Refiro-me ao universo da Magia onde a palavra não é apenas um produto efêmero que irá se dissolver no oceano etérico. Essas palavras proferidas num contexto de poder, carregadas com energia de intencionalidade e reforçada por vários contextos de afinidades têm sim capacidade de deflagrar resultados concretos. Mesmo assim nem todas obtêm os efeitos esperados.

A resposta para isso é simples: muitas vezes o que o operador está mirando é contrário ao que outro operador mais forte sustenta. Assim como se diz popularmente quem pode mais chora menos, ou fala menos. Uma das características da palavra emitida num contexto de magia é a repetição. Ao contrário do que muitos pensam a repetição não é apenas um exercício de insistência. Trata-se de monopolizar a mente para esse significado que se está pretendendo. Se eu repito centenas de vezes, mantendo a intencionalidade, e visualizando aquilo que as minhas palavras estão vocalizando, as chances de tornar concreto o meu argumento são maiores. Mesmo assim ainda não podemos esperar 100% de resultado positivo.

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Se as “palavras o vento leva, um “vento” mais forte pode levar mesmo as palavras do contexto mágico. Mas voltando ao caso do atire no dramaturgo.

Para verificarmos se existe mesmo uma relação inequívoca entre o “mantra” que ele construiu no seu blog e o triste fato, temos de investigar todas as pessoas que foram alvejadas e ver se estatisticamente elas também de alguma forma pediram para ser baleadas. Acredito que a resposta seja não. Das milhares de pessoas baleadas só esse ano no Brasil, talvez menos de meio por cento tenham de alguma forma atraído com palavras os tiros de que foram vítimas. Talvez uma porcentagem maior tenha criado contextos de afinidades com a violência. Talvez.

Ainda assim, mesmo sendo radicalmente racional, não podemos deixar de perceber a infeliz coincidência, talvez alimentada por uma “submentalidade” de culto da violência. Explico: A peça que estava a ser encenada chamava-se Brutal. Somando-se uma coisa e outra, adicionando-se a reação (de um intelectual desarmado contra um assaltante armado) ao assalto podemos ter as condições adequadas a uma ocorrência desse tipo.

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Conclusão: Embora eu não acredite que nesse caso específico o título do blog da vítima possa ter sido o deflagrador da ação nefasta, eu evitaria colocar palavras com esse alto teor de violência no ar. Afinal de contas estamos no Brasil onde vivemos no melhor dos mundos (vamos ver se o poder da palavra funciona aqui.).