O caminho do meio

Por Luís César Ebraico

Recebi o seguinte e-mail, com o título “Corrija se estiver errado”: 

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“Trabalho com saúde. Faz uns dois anos tive uma experiência bastante desagradável.  Tive a sensação de que havia em mim dois cérebros trabalhando em conjunto:  um era o meu eu e o outro era um invasor que passava muito rápido, dando a impressão que queria invadir o meu eu. Isso me desesperou muito, achei que ia ficar louca e iniciei uma psicoterapia.  Resultado:  a psicóloga encaminhou-me a um psiquiatra, que me disse que isso é natural, que temos dois cérebros (que trabalham juntos nota minha:  possível referência a nossos dois hemisféricos cerebrais), mas eu não acreditei e ainda não acredito.  Esse cérebro às vezes ainda volta a invadir, mas com a psicoterapia aprendi a conviver com ele, embora dificulte a minha vida em todos os sentidos.  Assinado:  Fulana de Tal.” *Transcrição

Não conheço a pessoa que me enviou essa mensagem, nem tenho condição de avaliar se se tratava de um trote – com a possível intenção de testar como eu responderia – ou se, não sendo, estaria destorcida a descrição que fez a missivista do comportamento do psiquiatra que a atendeu.  Não me pareceu, contudo, haver nenhum prejuízo em responder da maneira que responderia caso não fosse uma brincadeira e a descrição estivesse correta.  Nesse último caso, minha resposta poderia fazer algum bem, caso contrário, não iria fazer mal.  Portanto, falei assim:

“Parece que esse psiquiatra que lhe atendeu passou ao largo do que é o seu real problema.  Admitamos, para fins de argumentação, que tenhamos dois cérebros e, como disse ele, esses cérebros trabalhem juntos.  Pois bem, tenhamos 5000, 407, 22, 4, 3, 2 ou 1 cérebro, você já viu alguma pessoa afirmar que está se sentido “invadida” por um deles, que isso “a deixou desesperada”, que “achou que ia ficar louca” ou que tal fato lhe “dificultasse a vida em todos os sentidos”?  É óbvio que não!  Se você vai ao médico e lhe diz que eles estão doendo, você vê algum cabimento em o médico lhe responder que “isso é natural” e que, realmente, “temos dois pulmões que trabalham em conjunto”, dispensando-a em seguida com uma tapinha nas costas? Evidente que não!  O problema nesse caso, não é termos, ou não, dois pulmões.  O problema é que eles ESTÃO DOENDO!  Por isso, não desista de encontrar alguém que leve a sério sua dor e se disponha a lutar junto com você para vencê-la.  Abraço. Assinado:  Luís César.”

Continuemos supondo, ainda para fins de debate, que não se tratava de um trote e que o comportamento do profissional em pauta não foi distorcido.  Tal suposição não seria absurda.  Se vemos na área da saúde física, ocorrerem operações em que se retira do paciente seu rim saudável, deixando-o com o doente, se vemos outras em que, após suturar o paciente, se deixam instrumentos cirúrgicos dentro dele, por que na área da saúde mental, inexistiriam despautérios como de igual porte?  Despautérios da mesma estirpe de que, em minha longa vida profissional como terapeuta, tive o desprazer de presenciar ou de ouvir relatados? 

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Mas o objetivo central deste meu texto é ilustrar como, para não ouvir alguém, à alternativa de sermos PROFUNDOS DEMAIS (clique aqui e leia texto anterior), podemos acrescentar outra, a de sermos RASOS DEMAIS.

*Nessa transcrição, para facilitar o entendimento, mas sem alterar o conteúdo, melhorei o estilo e eliminei alguns erros de pontuação e gramática do original

Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo – reais ou fictícios – segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia. *A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.

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