Exercício da psicanálise a serviço do paciente e não da psicanálise – Parte II

por Luiz Alberto Py

No texto anterior (clique aqui), disse: a psicanálise – entre outras coisas – está a serviço do analisando e não, como usualmente a vemos, a serviço da própria teoria psicanalítica.

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Através de uma história vivida com um paciente, apenas em uma única entrevista, expliquei como podemos usar nossa experiência e sensibilidade de psicanalistas para ajudar as pessoas sem ter que submetê-las a um penoso processo de longas sessões, várias vezes por semana durante anos a fio.

Contei esta história num curso para estudantes de psicanálise.

Neste momento uma aplicada aluna me questionou. Afirmou que eu o havia privado de compreender a sua fobia. E aqui chega o ponto importante, um dos acontecimentos que me levaram a escrever esta série de artigos. Fiquei muito impressionado com o furor curandis – a fúria curativa – de minha aluna, e a identifiquei com uma ideologia psicanalítica que reza que psicanálise é sempre, ou quase sempre, o melhor remédio.

A meu ver a maioria dos analistas aceita, sem perceber com muita clareza, a crença na psicanálise como panacéia universal para as dificuldades emocionais. E mais, esta psicanálise deveria dedicar-se quase que exclusivamente à detalhada observação das piores características do analisando. Combater estas crenças psicanalíticas é um dos objetivos de meus escritos.

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Em minha opinião, meu cliente não estava interessado em compreender sua fobia, mas em se livrar dela ou, pelo menos, fazê-la retornar aos níveis suportáveis com os quais havia com ela convivido durante anos. A meu ver, o que aconteceu após a entrevista prova que eu tinha razão. Embora alguns psicanalistas possam argumentar que eu o influenciei a se conformar com sua fobia e se desinteressar por estudá-la, devo dizer em minha defesa que, durante anos, enquanto sua fobia não o incomodou, ele nunca se interessou por estudá-la. E se ele se interessasse por este estudo poderíamos levá-lo adiante.

Grave, porém, é o fato de que um analista, nessa situação, poderia usar da sua ascendência sobre o cliente para convencê-lo da importância de fazer análise e investigar minuciosamente sua fobia. Meu prognóstico é de que nesse caso a análise se arrastaria por alguns custosos anos (custosos para o cliente, é claro) e, enquanto ela durasse, seria importante que a fobia não desaparecesse para justificar a razão de ser desse processo psicanalítico. Ou seja, desconfio que o sintoma que desencadeia uma psicanálise tende a se perpetuar, para garantir a sobrevivência dessa mesma análise em função do desejo do cliente de agradar seu psicanalista e preservar a análise.

Uma transferência mal trabalhada, mas sedutora para o analista desavisado. A questão é que os analistas desenvolveram a tese de que é importante estudarmos e compreendermos nossas neuroses, fobias, mazelas psíquicas para melhor combatê-las e curá-las.

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Minha experiência me leva a duvidar desta afirmativa. Para início de conversa, acho que quando alguém procura um psicanalista quer ajuda para seu sofrimento, quer se curar. Só vai aceitar se engajar num longo processo investigativo se for convencido de que este é o melhor caminho para se livrar de seus males. E este é o peixe que muitos psicanalistas vêm vendendo desde que a psicanálise foi inventada: – É preciso tornar consciente o inconsciente para poder haver a cura.

No início da psicanálise havia um enorme interesse de parte dos analistas na investigação das vicissitudes das neuroses, complexos, fobias, etc. Isto provavelmente os levou a acreditar no que queriam, ou seja, que era necessário todo este processo investigativo das doenças emocionais para livrar os analisandos de seus padecimentos, e ajudá-los a atingir a saúde mental. Para nós, analistas de terceira ou quarta geração, esta atitude foi proveitosa, nos rendeu muitos conhecimentos. Hoje, penso que já sabemos bastante para podermos ajudar os que nos procuram sem termos que nos submeter juntos a um exaustivo trabalho de atenção aos processos emocionais patológicos.

Voltando ao cliente que me procurou, gostaria de relembrar que ele disse que queria evitar tomar remédios, pois os considerava tóxicos e perigosos para a saúde. Sabemos que remédios devem ser usados com cautela e parcimônia por causa de seus efeitos colaterais negativos. Todos nós já ouvimos falar das doenças *iatrogênicas. Gostaria de assinalar aqui que a psicanálise, como qualquer remédio, tem seus efeitos tóxicos e pode causar iatrogenia, devendo ser, portanto, usada também com cautela e parcimônia.

*Iatrogenia: geração de atos ou pensamentos a partir da prática médica Fonte Dicionário Houaiss