Mau, muito mau!

Por Luís César Ebraico 

Sou proprietário de uma clínica onde vários psicólogos autônomos atendem seus pacientes. Há uma máxima que afirma: “onde abundam as teorias, impera a ignorância”. Espero que não seja verdade, pois a Psicologia é um canteiro de escolas, cada uma com as mais variadas estratégias e técnicas de tratamento. Minha abordagem, a Loganálise, é, ela mesma, uma variação da Psicanálise, essa última, por sua vez, uma das muitas escolas que ocupam o campo da Psicologia. O diálogo a seguir transcorreu entre uma psicóloga – cuja abordagem certamente nada tem a ver com a minha – e seu paciente.

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O contexto era o seguinte. Eu estava passando frente à porta de uma das salas da clínica, quando percebi que essa profissional – chamemo-la de Marta – estava hesitando em abrir a porta entreaberta de um consultório para nele entrar com seu paciente – chamemo-lo de João – um menino de cerca de oito anos de idade. Na verdade, estava em dúvida se ainda havia algum outro colega seu dentro da sala e não queria arriscar incomodá-lo. Percebi a situação e resolvi tomar para mim a responsabilidade de abrir a porta por ela. A sala, felizmente, estava vazia. Antes que entrassem, transcorreu o seguinte diálogo:

JOÃO (dirigindo-se a MARTA): – Ele é o dono da clínica. Ele É MAU!
MARTA (com voz melíflua): – Não, filho! Ele É BONZINHO!

Confesso que tive vontade de matá-la, como um sunita quer matar os chiitas e vice-versa. Com efeito, na minha religião psicoterápica, o que ela fez é pecado. Tentarei dar um exemplo do tipo de diálogo que eu consideraria não pecaminoso:.

JOÃO (dirigindo-se a MARTA): – Ele é o dono da clínica. Ele É MAU!
MARTA (interessada): – Ah, é? E como você sabe disso?
JOÃO (sério): – Porque ele tem o bigode igual ao do meu tio!
MARTA (dando corda): – E o seu tio é mau?
JOÃO (enfático): – Muito mau! Ele me batia toda a vez que minha mãe me deixava com ele.
MARTA: – E você não dizia isso para sua mãe?
JOÃO: – Dizia, mas etc., etc., etc.

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Ou seja, em vez de, como no primeiro diálogo, cortar a fala do garoto – em termos técnicos, de reprimi-lo, o que é contra minha religião psicoterápica – a psicóloga teria feito intervenções que incentivariam o menino a falar sobre eventos traumáticos para assim os dissolver – que é o que o que recomenda essa minha religião.

Mas, como sou mais civilizado do que xiitas e sunitas, não a matei. Não fiz nada.
Não. Mentir é feio. Menti. Fiz uma coisa, sim. Fiz uma bela careta de mau para o garoto, que a ela reagiu com uma expressão de desprezo que parecia dizer: “Seu panaca, sei muito bem que você não é mau porcaria nenhuma. Será que você não entende nada de terapia?”