Existem dois tipos de idiotas

Por Luís César Ebraico

A nos inspirarmos em Nelson Rodrigues, podemos construir uma proveitosa classificação dos idiotas. Há-os de dois tipos: (a) o primeiro, de ‘idiota da objetividade’, foi proposto por aquele teatrólogo e (b) o segundo, de ‘idiota da subjetividade’, proponho eu. Exemplo do primeiro tipo:

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FILHO: – Mãe, estou tão deprimido!
MÃE: – Meu filho, mas você ALMOÇOU DIREITO?

Para o ‘idiota da objetividade’ há SEMPRE – e não é sua referência ao objetivo que o torna idiota, é o SEMPRE! – uma razão concreta – não ter almoçado, não ter dormido direito, estar com uma unha encravada, etc. – para justificar nossas crises existenciais.

Passemos ao segundo tipo de idiota. Desse, a melhor ilustração que conheço encontrei em uma piada sobre psicanalistas. Dois deles se cruzam no pátio de uma instituição psiquiátrica:

PRIMEIRO PSICANALISTA: – Olá fulano, bom dia!
SEGUNDO PSICANALISTA: – “Bom dia?!” O que é que você QUER DIZER COM ISSO?

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Aqui, a explicação é SEMPRE – e, mais uma vez, o problema não está na natureza da explicação, está no SEMPRE! – de tipo subjetivo – se ‘dermos mole’, é capaz de ocupar nosso tempo tentando nos tentar convencer que nossa unha encravada é conseqüência da ativação de nosso Complexo de Édipo.

Como vemos, a idiotice nos ameaça por todos os lados. Com dizem os ingleses: “There’s no fool-proof rule”. Seja: não há regras à prova de idiotas. Mas há especializações. Cientes disso, cada um pode pôr-se em alerta contra o tipo de idiotice que mais tende a empregar: engenheiros (e homens!) estão mais expostos a se tornarem idiotas da objetividade; psicanalistas (e mulheres!) perigam sê-lo da subjetividade.

Como meu problema não é a engenharia, voltemo-nos sobre a área a que me dedico, a Loganálise (uma variação da Psicanálise). Uma das preocupações dessa variação é repassar para o cidadão comum informações preciosas sobre o funcionamento da mente que ainda não foram devidamente absorvidas pelo público em geral. Seria extremamente útil que esse público fosse capaz de detectar quando o psicanalista incorreu no erro, a que sua profissão mais lhe incita, para que dele se possa defender. O caminho a percorrer é longo, mas como ensina o Oriente, o início de uma longa caminhada é feito por um passo. Ensaiemo-lo.

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O diálogo que segue é real. Ocorreu durante o atendimento psicoterápico de uma paciente que desde menina, atraia o olhar concupiscente dos homens, tendo à conta disso, sido por duas vezes vítima de estupro:

MÔNICA: – Estou cansada desse tipo de atração que eu exerço sobre os homens! Cara, eu não agüento mais! É um nojo! Não sei como me proteger disso!
TERAPEUTA: – Mônica, NO FUNDO, você se sente é vaidosa de atrair os homens.

Pronto, o analista não soube se proteger e caiu na esparrela de agir como um idiota da subjetividade, deixando de ouvir a emoção que, naquele momento, sua paciente tinha necessidade de comunicar! A paciente em tela, após aquela ‘interpretação’, foi tomada pela culpa, afastou-se do convívio social (“Eu me sentia como um caramujo”, disse ela) e terminou por abandonar a terapia.

Uma terapia eficaz permite que o paciente experimente vívidamente as emoções que, a cada momento, estão na SUPERFÍCIE de sua consciência. Passada essa experiência, a que estava mais NO FUNDO vem para a superfície, para ser também experimentada. Ninguém VIVE no fundo de si mesmo!

Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo – reais ou fictícios – segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia. *A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.