Abandono da solidão

por Roberto Goldkorn

Há alguns anos tive a grata oportunidade de ir a Portugal. Era um sonho antigo, alimentado por tantas expectativas, por histórias do meu pai, leituras e fantasias elaboradas pelo conjunto de informações chegadas até a mim. A essa primeira visita, seguiram-se outras três e da convivência mais estreita com clientes/amigos portugueses, está amadurecendo uma visão mais real de Portugal e sua gente.

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Como todos os brasileiros, cresci ouvindo “piadas de português” e, obviamente, quis conferir a origem desse comportamento coletivo. Além disso, sabia que se entendesse melhor Portugal, isso me ajudaria a compreender melhor o Brasil.

O que vi foi um país surpreendente, rico, dinâmico, moderno, onde a inteligência estava exposta em todos os lados. A pergunta ficou mais urgente ainda. Aos poucos, fui conhecendo melhor os portugueses, ouvindo as suas próprias explicações sobre a sua situação e por fim captando uma pequena parte da “alma lusitana”.

No meu entendimento, vários fatores contribuíram de forma decisiva para tecer o que se pode chamar de povo português. O primeiro exemplo vi exposto num conjunto escultural na região do Porto à beira-mar: Um grupo de mulheres, algumas com filhos pequenos agarrados em seus vestidos. Elas olhavam o mar com expressão sofrida, desalentadas pelo abandono e dor. Seus maridos, filhos, pais pescadores e, antes navegadores, partiram, foram engolidos pela colossal língua líquida do mar. Restou-lhes a solidão, a viuvez incerta, a vida a ser carregada nos ombros. Pegando o mote, Salazar que governou Portugal por décadas com mão de ferro, talvez pressentindo a vocação portuguesa para a aventura e solidão, bateu insistente nessa tecla. Dizem que ele terminava seus discursos com a frase: “E nós portugueses, orgulhosamente sós.”

O isolamento de uma pessoa pode torná-la refém de sua subjetividade, asfixiada por seus fantasmas, preconceitos, ignorância. Imaginem então todo um povo de um pequeno país. Conta-se como piada em Portugal, que poucos anos atrás, alguns diziam quando iam viajar para França: “Vamos à Europa!” A pesada religiosidade das velhas gerações contribuía para essa postura mais contrita, desapegada de exigências materiais. Pairava essa névoa de solidão, de abandono e resignação. O fado, que no dicionário pode ser visto como sinônimo de destino, embalou essa lânguida aceitação de suas solidões. O isolamento gerou uma infantilização do povo e produziu seres ingênuos de que falam as piadas brasileiras.

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Mas de todos os vitimados por essa conspiração do esquecimento, as mulheres portuguesas foram as mais sacrificadas, (como sempre acontece). Eram elas que ficavam na praia esticando o olhar por seus homens tragados pelo oceano, alimentando com suas lágrimas o imenso mar. Eram elas as que ficavam em casa vendo o mundo pela janela, enquanto seus homens se lançavam a descobrir outras aventuras carnais com estrangeiras mais arejadas. Resignadas, as mulheres de Portugal aprendiam com o fado a sofrer em silêncio, a cumprir com denodo (vigor) militar a sua sina na terra.

Já na minha primeira viagem, comecei a notar uma revolução não declarada. As mulheres que estavam no fim da fila da existência, passaram a ser a vanguarda dos exércitos revolucionários quando a situação acenava com mudança. Minhas clientes me confidenciam: “Nós também gostamos de sexo e, não aceitamos mais migalhas de amor!”

As portuguesas das novas gerações ensinam as mais velhas a dançar o samba, a rebolar, a mudar o ritmo para exigir o seu direito a felicidade. Ainda há muito que fazer, mas aprovo o ritmo sem pressa dessa revolução. Não acredito em derrubada instantânea de muros seculares. As mulheres de Portugal não querem que se faça estátuas de homens olhando o mar, chorando a ausência de suas parceiras, mas exigem velejar juntos. As portuguesas estão descobrindo com encantamento que ser feliz é preciso, solidão não é preciso!

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