Tempos líquidos, relações fluidas; entenda

por Elisandra Vilella G. Sé

“Estamos viciados em tecnologia e sofremos de abstinência”

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O momento atual e o futuro exigirão das pessoas habilidades múltiplas para lidar com as tecnologias e inundação de informação na internet que muitas vezes mais desinforma do que informa.

A tecnologia é dinâmica, mas ao mesmo tempo ambígua, pois ela pode servir para várias coisas ao mesmo tempo; oferece oportunidades e desafios, mas não podemos perder de vista o caráter questionador, crítico e reflexivo que devemos ter do mundo.

Um conflito diante desse dilema atual é como manter-se informado num mundo informatizado, manter-se com a mente ativa, autocrítica, autoconsciente e reflexiva, com tanto avanço e inovação tecnológica, já que não damos mais conta minimamente de acompanhar o turbilhão caótico de informação crescente. As mudanças vão surgindo, tudo muda o tempo todo e não sabemos qual mudança vai ficar, vai durar, o que vai ser estável amanhã ou não.

Esta é a era fluída, a era liquida, expressão cunhada pelo sociólogo Polonês Zygmunt Bauman (2004), para definir a era da pós-modernidade. Ele define com eficiência a realidade que vivenciamos hoje, na qual o “descartável e fluido” prevalece ocupando o lugar do duradouro e sólido. Para melhor compreensão, lembramos das definições da física em que uma substância existe em três estados ou fases fundamentais: sólido, líquido e gasoso. Em temperaturas muito altas também existe o plasma. Uma substância no estado líquido ou gasoso é denominada fluida.

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Um fluido é uma substância que se deforma continuamente sob a aplicação de uma tensão. Assim, os fluídos compreendem as fases líquida e gasosa (ou de vapor) das formas físicas nas quais a matéria existe. Assim estão as práticas e relações cotidianas, práticas frágeis, sem permanência, sem sentidos mais profundos e duradouros. Vivenciamos o consumismo, o individualismo, incentivado pela mídia, em uma era descartável e de valores frágeis, onde o fluido substitui o sólido. O mundo escorre pelas mãos em segundos, temos a sensação de que tudo é um encanto passageiro. Para o historiador Leandro Karnal somos a geração do descartável. E a marca deste mundo líquido é o individualismo.

O que temos que ter em mente, é que não podemos nos deixar condicionar a esta era fluída. Sabemos que é inevitável as inovações e temos que acompanhá-las, precisamos ter múltiplas alfabetizações na era tecnológica, não temos como não nos envolver com as novas tecnologias, mas é fundamental entrar no jogo como sujeitos, não como objetos. Não se trata de ser resistente, porque seria ignorância, mas de manter uma postura crítica, reflexiva e participativa.

O ritmo com que as mudanças ocorreram foram muito rápidas. A televisão e o rádio foram inventados há cerca de um século, em apenas duas décadas, no entanto, fomos da abertura da internet para o público geral à marca de mais de dois bilhões de pessoas conectadas; e passaram-se apenas três décadas desde o lançamento do primeiro celular e temos no mundo mais de 5 bilhões de pessoas usuárias desse sistema.

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Nessa era pós-moderna, algumas tecnologias ocupam um lugar surpreendente na nossa vida íntima. Nossa intimidade é explorada pelas ferramentas digitais. Nossos smartphones estão entre os mais sagrados e pessoais de nossos bens; raramente fora da vista ou da mente, usando uma metáfora bastante conhecida, “não desgruda do corpo”. Para muitos de nós, eles são a primeira coisa que tocamos quando acordamos de manhã e a última coisa que tocamos quando vamos dormir.

O carro codifica diferentes formas de pensar sobre espaço e movimento por meio dos sensores e câmeras de ré e facilita a comunicação no telefone por meio do *bluetooth. A televisão possui internet, software nos pede para interagir e responder. Os jogos conseguem fazer as pessoas ficarem engajadas numa tarefa com sensações de recompensa emocional muita intensa. Todas essas ferramentas e inovações tem um impulso devorador e se nutrem da economia, do sistema de consumo, muitas vezes sem significado social e nos conduzem mais, do que nós a conduzimos. Tudo vira mercadoria e as pessoas também.

Estamos viciados em tecnologia e sofremos de abstinência. Viramos escravos pós-modernos que acumula suas mercadorias, uma delas é o celular, o tablete, o IPad. Parecemos mais descartáveis do que a própria tecnologia. Uma exploração, na qual somos todos vítimas.

O grande desafio dessa era pós-moderna e fluída é não se tornar volúvel nos pensamentos e ações. Não temos que só produzir, consumir, obedecer, comprar, usar, ler e jogar fora. Os mecanismos do sistema de interação humana continuarão sendo complexos e de cooperação, de engajamento mútuo entre as pessoas. Precisaremos das outras pessoas, da interação face a face, dos vínculos afetivos duradouros, da interdependência entre as comunidades e famílias.

O que devemos fazer com tantas informações? Conhecimento e poder sempre andaram de mãos dadas, mas atualmente, a informação precisa ser filtrada, precisamos refletir sobre ela, nunca perder o senso crítico, focar no substancial. Devemos nos concentrar naquilo que é mais importante e emergente.

É importante lembrar que a prática de ler, escrever e contar continuam sendo procedimentos importantes na vida das pessoas, porque são habilidades indispensáveis para a cidadania e a produtividade.

Essa rede global inteligente não vai parar de inovar e no futuro estaremos cada vez mais conectados com outras pessoas, aos objetos de nosso dia a dia, desde carros, roupas, lojas, comidas, restaurantes, biometria, chips inteligentes, câmeras de vigilância, sistema de localização inteligente, etc. E junto com tudo isso, chegam novas informações sobre o mundo, de diferentes formas. Mas lembre-se, informação sem reflexão não serve para nada. A capacidade de reflexão que nos dará flexibilidade e plasticidade comportamental para encarar as novidades e desafios cotidianos que a vida e mercado nos impõem. Por isso, a vida sempre será um aprender permanente.

*Bluetooth é o nome dado à tecnologia de comunicação sem fio de que permite transmissão de dados e arquivos de maneira rápida e segura através de aparelhos de telefone celular, notebooks, câmeras digitais, consoles de videogame digitais, impressoras, teclados, mouses e até fones de ouvido, entre outros equipamentos.