Duas dicas para ter uma mente tranquila

por Stephen Little

 

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Uma qualidade essencial para desenvolver a nossa capacidade de práticar meditação é A Mente do Iniciante. É uma atitude de perceber as coisas como se fosse a primeira vez.

Com essa postura interna, você interpreta a vida não a partir de tudo que você já sabe, mas a partir de uma receptividade para aquilo que você não sabe e com uma atitude totalmente aberta. Essa qualidade é a chave da criatividade e da curiosidade na meditação e na vida.

Veja este poema:     

“Um Dia da Verão” – por Mary Oliver  

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Quem criou o mundo?
Quem criou o cisne e o urso preto?
Quem criou o gafanhoto?
Este gafanhoto, eu falo:  

Aquele que se lançou da grama,
Aquele que está comendo açúcar na minha mão,
Que está mexendo a sua mandíbula de um lado para outro em vez de pra cima e pra baixo
Que está observando tudo à volta com seus olhos enormes e complicados.
Agora ele levanta seus braços pálidos e lava o seu rosto inteiro.
Agora ele abre suas asas de repente e vai embora.  

Eu não sei exatamente o que é rezar,
Não sei como prestar atenção, como cair a grama, ajoelhar nela,
Como ficar sem fazer nada e abençoado, como andar nos pastos sem preocupação,
Que é o que estava fazendo o dia inteiro.  

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Me disse, que mais que poderia ter feito?
Não é tudo que morre no final, e cedo demais?
Me disse, qual é o plano que tem para fazer com a sua única, selvagem e preciosa vida?  

Essa poesia tem muitas qualidades ricas. Além da sinceridade e da contemplação, a poetisa mostra uma capacidade bonita de curiosidade sobre aquilo que a gente normalmente nem nota. Os movimentos do gafanhoto em sua mão, ela conta com tanta simplicidade e concentração. A gente quase sente aquele bichinho em sua mão. Você já ficou observando a natureza assim? Já parou para enxergar?

Temos essa capacidade. O objeto pode ser qualquer um. Porém, o processo é o mesmo. Se você já estiver praticando a meditação da consciência da respiração (clique aqui e leia), talvez você já esteja descobrindo isso em relação à beleza da sua própria respiração.

Aos poucos podemos trazer essa qualidade para a natureza da nossa experiência inteira – dentro e fora de nós. O dinamismo de nossa experiência é impulsionado por forças muito profundas e muito complexas. O que somos vem daí: de nossas profundezas.

As forças inconscientes da mente são muito profundas e normalmente habituais. Para navegar melhor através dos altos e baixos da vida, necessitamos saber como influênciar essas forças de nosso ser, conscientes e inconscientes, de forma sábia e gentil. Claro, isso não é facil. Não adianta só mandar, como se fosse um comandante. Pior ainda, deixar a vida nos levar! Em primeiro lugar, temos que ter abertura para aquilo que acontece dentro de nós, seja o que for. Demora para conseguir cultivar uma consciência maior dos nossos impulsos internos. Porém, o corpo e a respiração são bons lugares para começar.

Um amigo me contou uma fato ocorrido no trabalho dele. Ele é um membro de uma equipe que ensina meditação nas prisões de máxima segurança na Inglaterra. Um dia, quando chegou à prisão para dar a aula, percebeu uma atmosfera diferente. Algo tinha acontecido.

O grupo de prisoneiros reuniu-se com ele e começou a contar sobre a semana que passou. Quando o maior prisoneiro (e mais perigoso) começou a falar, foi bem claro afirmando que alguma coisa realmente tinha acontecido.

Esse prisoneiro disse que durante a semana, fez a consciência da respiração todos os dias. No dia anterior a essa reunião, um outro prisoneiro começou a brigar com ele na sala de refeição. Então, pegou o cara pela camisa, levantou-o, e olhou-o nos olhos – mas, a experiênica de olhar nos olhos de um outro foi totalmente nova para ele. Alguma coisa ocorreu. Ele parou antes de bater no sujeito e fez algo novo. Ele colocou-o no chão, pegou sua comida, foi para a cadeira e comeu em silêncio.

Prática: não ação

O silêncio necessário para aprofundar a nossa presença pode ser prejudicado por causa de uma mente com tendência para à inquietação. Existe então uma outra qualidade que podemos cultivar na prática de meditação: a não ação.

“Sentado quieto, não fazendo nada. A primavera vem e a grama cresce por si mesma.”
– Tradução Zen

Essa poesia curta expressa uma sensibilidade para as experiências do presente. Não é preciso nascer no Japão para apreciar a qualidade da não ação descrita. O poeta norte-americano Henry David Thoreau descreveu em seu poema “Walden” essa qualidade como abertura para “O florescer do momento”:

“Só amanhece o dia para o qual estamos despertos.”

O psicólogo Oliver James definiu um tipo de doença social que aflige a classe média: affluenza – derivado da palavra em inglês para gripe, ‘influenza’. Ele diz que é o problema de se atribuir muita importância para o dinheiro, as posses, aparência física e social e a fama mais do que merecem. E ele afirma que como resultado, o povo em geral fica mais bravo e impaciente.

“O virus de affluenza cria um estado mental em que você não alimenta as suas necessidades psicológicas profundas”, explica. “A gente fica correndo atrás de tantas coisas sem noção do que está fazendo, tentando terminar de pagar a casa, trocar de carro, e sempre querendo algo novo. No fundo a frustração que a gente sente é por que não estamos alimentando as nossas necessidades. Nessa frustração reside o aumento da impaciência e da raiva”.

Certamente, a nossa cultura tem a tendência de incentivar o poder do “vencedor” sobre o “perdedor” que, infelizmente, supervaloriza o que você tem em vez de quem você é. A meditação oferece um intervalo para sentir a nossa existência e experimentar o alívio que, pelo menos durante a prática, você não precisa chegar a algum lugar, alcançar uma meta, nem manipular a sua experiência – seu dia a dia.

A capacidade de sentir o florescer do momento, com curiosidade, é uma postura de não ação. Isso não é só para as horas poéticas. Existe no valor do presente algo bem maior. A história do prisoneiro perpétuo mostra o benefício de sentir, com abertura, aquilo que surge dentro de nós, mesmo que seja desprazeroso.

Com uma prática diária de meditação, e com uma postura da “Mente do Iniciante” podemos, aos poucos, aprender como estarmos presentes em qualquer experiência mais consciêncintes daquilo que surge dentro de nós, em vez de ficarmos presos em uma roda de reações automáticas.