Ser pai: Indiana Jones a missão

por Ângelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar Malcolm traça o perfil do novo pai e desvenda os mecanismos da paternidade. Afirma que a autoestima e a maior herança que um pai pode deixar. Argumenta que uma educação saudável também implica em sair dos trilhos. Apresenta as duas faces da gravidez e explica que o filho se torna o pai do adulto.

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Vya Estelar – O que vem a ser esse novo pai?

Malcolm – Acho que o novo pai depende da nova mãe. Com a mulher tendo uma ocupação fora de casa, ela abre espaço para o homem exercitar o amor da presença. Embora a função do pai sempre tenha sido a de ensinar o amor da ausência. Com a nova matriz familiar, na qual a mulher fica mais fora de casa, a mãe também aprende a ensinar o amor da ausência.

Vya Estelar – Na prática como se configura o amor da presença e da ausência?

Malcolm – O amor da ausência é aquele amor que fica dentro da gente, mesmo quando não se está presente. Por exemplo, estou viajando e o meu filho está em São Paulo, mas eu posso dar uma ligadinha para saber se está tudo bem. Posso não poder alimentá-lo com uma colher de sopa, mas posso nutrí-lo com um telefonema, para ele saber que estou ligado nele.

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O amor da ausência

É o amor de Jesus Cristo. Veio, entrou dentro da gente e, mesmo estando ausente, falamos nele até hoje. O amor da presença é o amor da mãe, do dia a dia, é o cuidado com a disciplina, alimentação e educação. Esta nova matriz familiar gera uma divisão de poder mais eqüitativo, gerado por esses dois amores.

Equilíbrio afetivo

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O pai deixa de ser aquela autoridade distante, que você só via de vez quando, para dar um "chega-prá-lá", final e a mãe deixa de ser aquela bobinha que o filho dominava. Uma divisão de poder eqüitativa, entre pai e mãe, gera uma divisão eqüitativa entre esses dois amores. Isto vai trazer para as novas crianças uma estruturação afetiva muito mais equilibrada.

Vya Estelar – Qual é o erro mais comum dos pais na hora de educar os filhos?

Malcolm – O erro mais comum e achar que já sabe educar. Trazer o modelo esteriotipado de repassar a mesma educação recebida dos pais ou de seguir justamente o caminho contrário. Educação, muito mais do que informação, é você servir como um tipo de referencial para o filho, em vez de educar pelo verbo educar e sim pelas vivências da crianças.

Exemplos:

Numa pescaria, se o filho perde um peixe, o pai pode mostrar que ganhar e perder faz parte da vida.

Ao escalar uma colina de pedras você pode passar uma série de vivências

Cada um escolhe o seu caminho durante a travessia das pedras.

Conseguimos as coisas através da perseverança.

Podemos ter medo durante a caminhada, mas se enfrentarmos seremos capazes de vencê-lo.

No fundo o filho é o pai do adulto. Ele faz rever e questionar uma série de coisas. O pai acha que leva o filho para frente, mas no fundo é ele que leva o pai para frente. Na Segunda Guerra Mundial, quem era pai tinha muito mais condições de sobrevivência e estratégias, pois tinha uma motivação maior para voltar.

Vya Estelar – Quais os procedimentos básicos que o pai deve tomar hoje em dia para educar os filhos?

Malcolm – Os pais têm que se emocionar com os filhos e os filhos têm que se emocionar com os pais. O amor não é só afetivo ou politicamente correto. Pai também odeia filho. Mostre as emoções de uma forma clara, pois as crianças lidam bem com as emoções, quando são claras. Quando existe emoção, existe amor na parada. A emoção é um termômetro. Na minha opinião, o bom pai é aquele que se torna desnecessário e o filho aprende a voar sozinho. É muito comum, na educação, proteger demais os filhos. O ideal é se relacionar com os filhos a ponto de libertá-los.

Vya Estelar – Como trabalhar a autoestima na hora de educar um filho?

Malcolm – Pai tem sempre aquela coisa de deixar imóveis, dinheiro…Porém, fazer com que o filho construa uma boa autoestima e uma boa auto-imagem é a grande herança. Só assim, ele terá condições de tomar atitudes, decisões e ir atrás dos planos dele. Para isto o pai tem que se colocar no lugar do filho, se aproximar da sua visão.

Fora dos trilhos

O pai não pode ser rígido e formar generais e soldadinhos. Deve sair um pouco fora dos trilhos. A autoestima depende muito de você ouvir a criança e respeitar os seus valores. Esses elementos são agentes que facilitam a busca dos filhos pelos seus sonhos. Tome cuidado com as mensagens:

"Tire 10 no boletim, jogue bem futebol que eu vou te amar."

Trocando em miúdos, faça o que acho que é importante que então eu vou te amar. Dessa forma a autoestima fica muito construída no referencial do pai. Na sociedade, os homens são reconhecidos pelo desempenho e as meninas pela imagem. A mensagem correta não é eu amo o que você faz ou eu amo a sua imagem, mas eu amo você.

Vya Estelar – Qual é a maior dificuldade dos pais na educação?

Malcolm – Hoje, a violência nas grandes cidades, dificulta a fronteira entre o grau de liberdade e controle na hora de educar os filhos. Uma outra dificuldade é se adaptar às mudanças que acontecem com grande velocidade.

Vya Estelar – Como ser um pai feliz?

Malcolm – A felicidade do pai está em ver o filho feliz. Para ser um bom pai, o pai tem que estar de bem com ele, com a vida dele, no trabalho e no lazer.

Vya Estelar – O que um filho espera do pai?

Malcolm – Primeiro que ele seja pai. O pai não pode se tornar um amigo do filho tipo: "Eu sou o melhor amigo do meu filho", não deveria ser, porque o filho já tem amigos na rua. Pai ele só tem um. O pai deve ser um ponto de referência aonde haja a ambivalência entre dar proteção e sair fora. Porém, este limite é muito tênue. Muita liberdade o filho também interpreta como desamor.

Pai deve mostrar autoridade. Uma autoridade que deve ser conquistada pelo respeito e não pelo poder. A autoridade dirige, orienta, estabelece limites e até dá palmadas. O poder controla, manipula, avilta e provoca o temor.

Vya Estelar – O pai deve educar da mesma forma todos os filhos?

Malcolm – Pai deve respeitar a individualidade de cada filho. Nem a educação é igual e nem o afeto é igual. É claro que o pai ama todos os seus filhos, mas pode ter maior identificação com um. Isto não é nenhuma vergonha e nenhum desamor pelos outros. É apenas uma questão de identidade. Enfim, o pai deve se colocar no lugar de cada um.

Vya Estelar – Qual é a diferença entre ter bebês e ter filhos?

Malcolm – Uma coisa é a reprodução e outra é a paternidade. Até os animais reproduzem. Quando acontece a gravidez, o casal entra em conflito em relação à paternidade. E isto é sempre ambivalente. Pai herói x pai bandido, a santa mãe X a mãe maluca. Quando você trabalha esta ambivalência você entra em contato com a paternidade e quando você nega isso, em vez de nascer um bebê, nasce um brinquedinho. Crianças gerando crianças. Sempre que a gente ligar a ambivalência de sentimentos, em relação à gravidez, a gente está exercitando a paternidade. Enfim é aceitar, se adaptar e digerir a nova situação de que vai nascer um filho.  

Vya Estelar – Quais são as duas faces da gravidez?

Vida: perpetuação, renascimento, encontro, movimento, aprendizado, energia e aventura

Morte: perda da liberdade, comodidade, posição infantil e irresponsabilidade

Vya Estelar – Se o filho está utilizando drogas como o pai deve proceder?

Malcolm – Deve buscar um profissional, um terapeuta, para esclarecer o que está acontecendo com o filho. Este profissional vai estabelecer um vínculo de comunicação entre pai e filho.

Vya Estelar – Como você analisa o mito do Pai Herói?

Malcolm – Esta linha entre pai herói e pai modelo é meio complicada. Um pai herói vai criar um filho que deseja ser super-herói. O pai pode ser colocado como modelo, mas não como o único modelo a ser seguido. A partir daí o filho vai exercitar o que ele tem para se desenvolver. A criança precisa digerir o pai bandido, ver que ele é humano e que ele também falha. O filho tem que ter outros ídolos também.

Vya Estelar – Os pais estão preparados para serem pais?

Malcolm – Ser pai é um amor pela vida. É uma grande aventura, é um risco, é o novo. Evidentemente que a gravidez planejada e a gravidez responsável pressupõem uma maior adequação.

Vya Estelar – Como você avalia a questão do "marido-filho"? Enfim, do marido que quer comer um macarrão igual ao da mamãe?

Malcolm – Esta relação é contaminada por um édipo mal resolvido. O cara tem uma relação mal resolvida com a mãe e tenta jogar isto para a companheira dele. Quando nasce um filho ele vai "disputar o peito" com ele. O pai tem que fazer justamente o contrário. Ele deve entrar para quebrar a relação simbiótica entre mãe e filho, ou seja, o cordão umbilical virtual.

Para exemplificar isto de uma forma prática e ilustrativa:

"A mãe não é sua e eu transo com ela."

"Esse menino não é um apêndice seu, é um indivíduo e você não vai reintegrá-lo na sua barriga de novo"

O papel do pai acaba sendo o do intruso que vai quebrar esta simbiose.  

Vya Estelar – Filho de peixe peixinho é?

Malcolm – Acho que o filho é peixinho mas não necessariamente no nível profissional. Ele pode ser um advogado, enquanto eu sou um médico, mas ele pode ter algumas características minhas na advocacia. Seguir a profissão pode ser uma questão do ambiente e do contexto, como um filho de um ator de cinema. O filho pode curtir aquilo e acabar seguindo a profissão do pai, mas isso jamais deve ser direcionado. A criança deve ser direcionada para seguir as suas aptidões. Aí entra a questão da autoestima. Você olhar a criança pelo foco dela e não pelo seu.