Yoga e neurociência fazem união gradual

por Nicole Witek


Sri Vadapathira Kaliamman templo em Cingapura Como o meu leitor já sabe, viajo muito. Mês passado estava na Ásia, principalmente em Cingapura. Com uma superfície minúscula de 647,8km², a República de Cingapura conta com cinco milhões de habitantes. O clima é equatorial durante o ano inteiro. É chamada de Cidade Jardim por ter uma fantástica vegetação no meio da cidade.

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Cingapura com poucos recursos naturais tornou-se independente em 1965. Nos anos 1980, fez parte dos *Quatro Dragões pelo seu desenvolvimento extraordinário. É um dos países mais desenvolvidos e prósperos do mundo, graças à sua situação marítima privilegiada. Outra característica importante é a convivência controlada das etnias. A maioria da população é composta por chineses, 76,8%; malaios e povos indígenas, 13,9%; indianos, 7,9% e outros, 1,4%. Todos conseguem viver em harmonia mesmo após o período conturbado dos anos 1960.

Conheço bem o bairro de Little India com seus templos ao longo da avenida Serangoon. O Templo Sri Vadapathira foi fundado pelos residentes que vinham do sul da Índia, Tamil Nadu, querendo a proteção da deusa para dar sustentação à sua herança cultural no meio da cultura chinesa. Resumindo, passo muitas vezes por dia na frente desse templo. Levo até meu netinho, que curte a música, as trombetas, os sinos e as atividades devocionais. Porém, desta vez, chamou-me a atenção um simples cartaz, afixado nas grades do templo, convidando a participar de um retiro. Vejam…

"Pelo cartaz, posso concluir que os indianos, estão inventando novamente o yoga. Desta vez, adotam o yoga do Ocidente para simplesmente contornar os males de civilização!"

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Meus pensamentos começaram a turbilhonar. Várias perguntas surgiram sobre a herança do yoga através do hinduísmo. Finalmente resolvi compartilhar meus questionamentos com vocês.

O yoga é uma herança cultural anterior às religiões, um conjunto de práticas para o desenvolvimento do ser humano, um conjunto de técnicas empíricas que funcionam extraordinariamente bem para a finalidade também excepcional de responder à pergunta existencial e essencial: “quem sou eu?”.

Acontece que na sua versão moderna do início do século XX, o yoga foi “adotado” pelo ocidente e reduzido, pela maioria dos ocidentais, a uma ginástica com uma pincelada de práticas de respiração e de meditação. Os progressos da ciência tecnológica apontaram para os efeitos fabulosos do controle da respiração sobre todas as doenças da civilização: doenças cardiovasculares, síndrome de ansiedade ou do pânico, entre outras.

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Agora, em 2012, cem anos depois, podemos dizer que os médicos o recomendam como uma terapia complementar na qual eles mesmos não entendem, mas reconhecem os seus efeitos positivos.

Nós do ocidente criticamos nossa civilização que encoraja desde o jardim de infância a competição; a dispersão mental; a agitação; a falta de emoções, de dimensão e de grandiosidade. Estamos cobiçando o Oriente como se fosse o único lugar do mundo onde se tem alma, sabedoria e mundo interno. O yoga teria sido um caminho para se apropriar de novo ao mundo da interioridade. O yoga teria sido um meio de consertar, de conciliar nossa materialidade invasora com um pouco de coração: fazer e ter sucesso de um lado, ser e crescer do outro.

O yoga foi tratado como uma disciplina objetiva, uma disciplina “pós-moderna”, laica, onde se permite tirar as raízes filosóficas e étnicas para aplicar como um cataplasma (como um remédio) sobre nossas vidas perturbadas.

Sofremos por estarmos presos por fora aos bens e a ordem da sociedade capitalista, porém, podemos conquistar nosso mundo interno e surfar sendo nós mesmos. “Realizar-se com harmonia no meio de um mundo de tubarões!”

Para o mundo indiano, o yoga é uma via sacra para a libertação. É o fruto de uma evolução, de uma incubação que integrou todas as sabedorias anteriores.

Num desejo de se libertar do sofrimento, de escapar de um mundo de causas e efeitos que aprisionam o homem, nossos antepassados buscaram entregar-se ao cósmico, onde a consciência pode ser o testemunho. Precisa-se escapar do ego limitado para que apareça a consciência profunda que está por trás de todos os **processos psíquicos.

Nessa busca, o trabalho sobre o corpo é indispensável já que ele apaga, zera as tensões embutidas nele próprio e propicia modificações psíquicas. O Eu profundo não é um lugar, nem uma pessoa, o Eu profundo deve ser desvendado, porque ele está sempre presente. Não está fora de nós, estamos dentro dele. Estamos banhados pela consciência que o ego limitado mal pode imaginar.

Quando meus olhos se depararam com aquele cartaz, me perguntei: será que o mundo oriental está começando a sofrer dos mesmos males que os do Ocidente, que descartamos a espiritualidade de nossas vidas, sacrificamos um lado do nosso ser para usufruir melhor da materialidade? Será que o mundo oriental está também entrando no mundo frenético da competição, da ganância? Será que as práticas do hinduísmo, que abrangem uma boa parte do corpo com o ensinamento do yoga, não os bastam mais para se sentirem “libertados”?

Pelo cartaz do templo, posso concluir que os indianos, esses mesmos que inventaram o yoga, estão inventando novamente o yoga. Desta vez, os indianos adotam o yoga do Ocidente para simplesmente contornar os males de civilização! Da mesma forma, o Ocidente está propondo aulas de meditação como essa do Jon Kabat Zinn, por exemplo, em retiros para aprender a meditar.

Falta pouco para que esses retiros de um dia tenham como alicerce as neurociências. De fato, as neurociências descobrem dados a respeito do cérebro e da consciência que estão revolucionando as bases nas quais nossas filosofias humanas foram construídas. Essas filosofias e as ciências estão “trocando figurinhas”, e está surgindo um materialismo sutil e sofisticado do qual poderá brotar novos modelos de relacionamento entre o corpo e o espírito.

A noção de espiritualidade está se transformando. O “sagrado” é esse lugar íntimo que se atinge pela prática e não pelo intelecto. Baseado nas descobertas mais recentes das neurociências, buscar a simples presença dentro de si aparece como uma opção universal às religiões ou ao vácuo de uma vida sem meta transcendente.

O Atman, campo de todas as possibilidades, esse testemunho que insufla, inspira a vida e está por detrás da consciência, só poderá ser sentido a partir do treino da atenção, do relaxamento, da concentração e da meditação. A prática do yoga oriental aliada às descobertas sobre o cérebro, o universo e as leis da física quântica poderá talvez revolucionar o mundo e ser o elo entre o materialismo, que nos afoga desde o século XVI e que, por sinal, está contaminando o Oriente, e a espiritualidade objetiva, que está por trás dos fenômenos do mundo manifestado.

E você meu leitor, quando pratica regularmente e vive com a autenticidade que o yoga lhe convida, como você se sente?

Um pioneiro da nova espiritualidade universal que abrange todas as espiritualidades mundiais?

Um mutante? Ou talvez, o pioneiro de um novo mundo… O que você acha?

*Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura e Hong Kong foram chamados os quatro dragões, tigres ou quatro, por causa de seu grande dinamismo

** Visão quântica de vanguarda: o ativismo quântico do Amit Goswami