Inovar é invocar um novo olhar sobre o antigo

por Dulce Magalhães

Nossa limitação pode estar em ter a capacidade, sem percebê-la como tal. Um talento não identificado em nós é como um disco voador, talvez exista, mas ninguém viu, ninguém tem certeza que existe mesmo.

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É interessante notar como as pessoas, quando premidas por limitações, sejam temporárias ou permanentes, desenvolvem capacidades extraordinárias em outras áreas, como cegos que têm uma percepção espacial e auditiva acima da média, ou pessoas que desenham e pintam com os pés etc.

O fato a ser destacado não é o que ocasionou aquele desenvolvimento, mas a compreensão que o extraordinário já habita em nós. A maior aventura é poder descobrir o que de especial trazemos para a vida, sem precisar de um percalço ou pressão. Quem sabe, um bom exercício seja promover uma limitação temporária para ver o que descobrimos sobre nós mesmos.

Imagine passar um dia com a mão direita, para destros, ou esquerda, para canhotos, amarrada às costas. Como você iria se virar? Que alternativas você encontraria para fazer tudo o que precisa fazer? Tem muita gente que já teve que dar jeito nisso e conseguiu, revelando talentos e provocando espanto nas pessoas, com suas soluções inovadoras.

A atitude inovadora está em gerar novas maneiras de fazer e viver tudo o que nos rodeia. Não é um dom, uma qualidade hereditária ou algo inato. É uma habilidade que pode e deve ser treinada, desenvolvida, capacitada e exercitada. Se você escreve muito, poderá escrever cada vez melhor, desde que se disponha a aprender com o que faz, com o que as pessoas pensam sobre o que faz e com o que outras pessoas fazem. Isso vale para qualquer atividade.

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É preciso se despojar das certezas e se permitir experiências novas. Para enxergar melhor as coisas, algumas vezes é preciso fechar os olhos ou ver pelos olhos de outro. Você poderá redescobrir uma paisagem ou uma obra de arte através da alegria e admiração de alguém que vê aquilo pela primeira vez, enquanto você nem sequer enxergava mais aquela beleza.

Inovar é invocar um novo olhar sobre o antigo. Ver com novos olhos já modifica os sentimentos e sensações que temos em relação ao objeto ou pessoa. Genial não é ser capaz de se apaixonar, mas sim de fazê-lo muitas vezes pela mesma pessoa. A renovação não está no outro, mas em si mesmo, no seu jeito de pensar, agir e na forma como lida com as consequências disso.

A criatividade funciona como uma bateria, que exige uso para se manter ativa. Também é consequência da quantidade de informações e experiências do indivíduo e não apenas da qualidade. Isso significa que só é possível gerar ideias ou soluções novas e verdadeiramente criativas se houver matéria-prima suficiente para, dentro da mente, se fizer novos arranjos para questões conhecidas. Quanto mais questões, mais arranjos serão possíveis.

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Se você só conversa com quem conhece, só vai a lugares em que se sente confortável, só lê, ouve ou assiste a propostas que reforçam o que você já acredita, sua capacidade de gerar ideias novas se limita tremendamente, pois suas fontes de inspiração estão esgotadas. Algumas reflexões que valem para nosso desenvolvimento criativo:

– Há quanto tempo você não vai a lugares estranhos, exóticos ou desconfortáveis para o seu modo de vida?

– Há quanto tempo você não convida pessoas que você considera esquisitas, chatas ou diferentes demais de você para jantar em sua casa?

– Há quanto tempo você não faz algo que nunca pensaria em fazer antes?

– Há quanto tempo você não experimenta comidas ou bebidas incomuns?

– Há quanto tempo você não usa roupas ou sapatos, ouve música ou vê um filme que não tem nada a ver com seu estilo pessoal e sua visão de mundo?

Essas são algumas questões que podem sinalizar onde estamos colocando limites em nossa vida. Ter olhos para ver que realmente enxergam. Ou seja, se você está sempre olhando para vida pela mesma janela, verá sempre a mesma paisagem. Para enxergar mais da vida, é preciso se mover para outros espaços e se posicionar diferente na vida.

A diferença entre ser limitado ou inovador não é a genialidade, mas a posição mental que ocupamos no mundo. Abertura para o novo, curiosidade, mente aberta para romper com preconceitos, capacidade de rir de si mesmo, para não cair na armadilha de acreditar em tudo o que pensa. Enfim, um espírito livre para fazer coisas diferentes, conviver com variedades de pessoas, experimentar atividades inéditas, percorrer caminhos ainda não trilhados. Viver é compor uma melodia, você pode até ter um refrão, para repetir de vez em quando, mas nenhuma melodia especial se faz só de refrões.