Mulheres policiais convivem com estresse e assédio

por Ivanir Ferreira

Embora frequente, o preconceito de gênero e o assédio moral e sexual nas instituições de segurança pública são de difícil mensuração por envolverem as barreiras invisíveis das relações de poder entre chefias e subordinados. A avaliação é de Ivanira Pancheri, pós-doutoranda do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP, que vem investigando assédio moral nas corporações militares.

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Ainda no início de seu trabalho, a pesquisadora pretende trazer para debate popular este delicado assunto e propõe recomendações para criação de políticas públicas de combate aos abusos sofridos pelas mulheres nas instituições de segurança.

Tradição de desigualdade

O preconceito relacionado ao gênero vem de há muito tempo. Só se admitiu o ingresso de mulheres nas corporações de segurança na década de 1950. De acordo com estudo feito pelo Ministério da Justiça, em 2013, o primeiro Corpo Feminino na Guarda Civil do Estado de São Paulo foi criado em 1955, e o da guarda militar ocorreu quase 20 anos depois, na década de 1970. Nos outros Estados, o acesso das mulheres demorou ainda mais: no Acre, foi em 1985, no Paraná, em 1978, e em Roraima, em 2000.

Na pesquisa do Ministério da Justiça, há relatos de policiais femininas dizendo que, mesmo hoje, as oportunidades profissionais não são igualitárias. Nas Polícias Militares e Bombeiros Militares, por exemplo, o ingresso ainda é controlado por cotas, o que faz com que a entrada seja reduzida e os quadros femininos se ampliem lentamente. As mulheres são direcionadas às funções administrativas e burocráticas em detrimento de atividades operacionais nas ruas. Em algumas instituições, as carreiras são separadas – e mesmo naquelas em que são únicas, existem arranjos institucionais que se baseiam em critérios de mérito e antiguidade, que tornam os homens os únicos a ocupar os postos mais altos das corporações.

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Piadinhas, ansiedade e depressão

Segundo Ivanira, o ambiente das corporações militares “é excessivamente hierarquizado. Há uma valorização de atributos predominantemente masculinos e as regras disciplinares promovem relações fortes de poder entre superiores e subordinados”, explica. Os relatos das mulheres confirmam o que ela diz: “Elas se sentiam testadas em suas habilidades sendo pressionadas a realizar todas as tarefas sempre da melhor maneira possível. Ficavam constrangidas ao serem submetidas às ‘piadinhas’ com conotação sexual, cantadas e insinuações”.

Um dos pontos que Ivanira tem intenção de aprofundar em sua pesquisa é a saúde da mulher e seu adoecimento em razão de sua atividade profissional. Segundo a pesquisadora, falta apoio institucional para lidar com situações de estresse decorrentes da discriminação e assédio moral e sexual no local de trabalho. Muitas adoecem, desenvolvem quadros de depressão, enxaqueca e ansiedade e se afastam das atividades por problemas de saúde.

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Da área de Direito Penal, a advogada batalha também para que o assédio moral seja criminalizado tendo em vista os resultados devastadores para a vítima que sofre este tipo de abuso. No código penal militar não existe punição para este tipo de conduta. Além da criminalização, Ivanira sugere um conjunto de ações para ajudar no combate ao problema: campanhas de conscientização e de enfrentamento da discriminação de gênero e do assédio moral e sexual; criação de canais de denúncias externos às corporações; programas de atendimento direcionados à saúde da mulher (núcleos psicossociais); elaboração de um código de conduta direcionado aos profissionais em ambiente de trabalho e atendimento jurídico gratuito para quem sofre abusos.

A pesquisa de pós-doutorado de Ivanira Pancheri tem a supervisão do professor Roberto Campos, do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP.
Mais informações: e-mail paniva@bol.com.br, com Ivanira Pancheri

Fonte: Agência USP