Esquizofrenia e vício em crack: como tratar?

Por Danilo Baltieri

Depoimento de uma leitora:

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“Meu marido faz tratamento de esquizofrenia com clozapina e agora está viciado em crack. Seu médico diz que este remédio já deveria tratar de tudo. Ele fica uma semana ou até meses sem usar e depois há períodos em que usa todos os dias. Discutimos muito e a cada vez que jogo fora um cachimbo ou pino, parece que piora a situação. Tento não brigar, mas tem dia que fica difícil. Já cheguei a bater nele. Entenda… pelo meu tamanho não fiz nem cócegas nele. Porém, passei quase uma semana com os braços doendo e a pressão alta. Não sei mais o que fazer. O psiquiatra tenta ajudar, mas diz que depende dele… não tenho dinheiro, tentei ajuda pelo caps (SUS), mas a resposta da médica foi: vamos retirar toda medicação e ver como ele se comporta. É claro que não aceitei. Preciso de orientação para saber como lidar com isso. Não sei quando devo falar, brigar ou fingir que não estou vendo nada. Estou completamente perdida.”

Resposta: Problemas com o uso de substâncias psicoativas, como o álcool, maconha e cocaína, são bastante preocupantes entre aqueles que padecem dos Transtornos Esquizofrênicos. As taxas de prevalência de variados níveis de problemas com o uso destas substâncias em amostras de portadores de Esquizofrenia variam entre 15 e 50%. Alguns estudos têm registrado taxas de problemas com o uso de cocaína em até 30% dos portadores de Esquizofrenia que foram internados.

 Alguns estudos têm também demonstrado que os portadores de Esquizofrenia que abusam de cocaína apresentam maior dificuldade para responder clinicamente às medicações antipsicóticas (neurolépticos) típicas e são mais amiúde internados em hospitais ou clínicas especializadas do que os portadores de Esquizofrenia que não abusam desta substância psicoativa.

A medicação chamada clozapina tem sido preconizada principalmente para aqueles portadores de Esquizofrenia que são clinicamente resistentes às outras medicações antipsicóticas. Dado que os portadores de Esquizofrenia que também têm problemas com o uso de cocaína mais amiúde demonstram dificuldade para responder adequadamente aos antipsicóticos em geral, a clozapina acaba por tornar-se uma medicação aventada para tal situação. Todavia, esta combinação – clozapina e cocaína –  não é livre de problemas.

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O consumo da cocaína aumenta os níveis plasmáticos de noradrenalina, provocando sintomas cardiovasculares significativos. A clozapina pode aumentar, também, embora de forma bem mais leniente, os níveis de noradrenalina plasmática. Esta alteração provocada pela cocaína (em enorme extensão) e pela clozapina sobre os níveis plasmáticos de noradrenalina pode induzir quadros cardiovasculares algo preocupantes.

Desta forma, ambos os profissionais com quem você conversou têm as suas razões baseadas em evidências. De fato, a clozapina é recomendada para os casos de Esquizofrenia resistente aos antipsicóticos típicos, como é o caso de dependentes de cocaína. Ao mesmo tempo, a associação da cocaína com o uso da clozapina pode provocar quadros ainda mais nefastos.

O tratamento de portadores de doenças mentais graves, como é o caso dos Transtornos Esquizofrênicos e das Dependências Químicas, deve ser comumente interdisciplinar. Assim, diferentes profissionais e tratamentos de naturezas diversas devem estar envolvidos no manejo clínico e psicossocial. O manejo farmacológico é uma das ferramentas essenciais neste contexto, mas não é a única. Abordagem psicoterapêutica, em terapia ocupacional, participação em oficinas terapêuticas são alguns dos ingredientes importantes durante todo o curso do tratamento.

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É extremamente importante frisar mais uma vez que os familiares também devem ser tratados por especialistas, objetivando evitar a perpetuação da codependência.

Também é importante considerar que a adesão ao tratamento de ambas as doenças ? Esquizofrenia e Dependências Químicas ? também muito frequentemente deixa a desejar, uma vez que vários portadores tanto de uma quanto da outra condição médica podem cessar espontaneamente o seguimento médico. Logo, uma equipe composta por vários profissionais engajados e especializados pode auxiliar significativamente o resultado prognóstico.

Está mais do que na hora do seu ente familiar estar engajado em um manejo interdisciplinar. A medicação que ele faz uso é usualmente prescrita para determinados casos, mas o portador deve também participar de forma incisiva de outras formas de abordagem clínica e psicossocial.

Não perca tempo! Aja!!!

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.