Por que não fomos educados para ouvir

por Monica Aiub

É assunto comum no consultório de filosofia clínica a constante cobrança para que falemos, para que nos posicionemos e, ao mesmo tempo, a ausência de espaços nos quais possamos ser ouvidos de fato. Parece algo contraditório, mas assim ocorre para muitas pessoas. E quais seriam os motivos disso?

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Vivemos numa sociedade cada vez mais individualista, cada qual voltado para si mesmo. Vivemos, como já denunciava Kant em 1788, na Crítica da Razão Prática, uma patologia social, a mania do eu. Ao mesmo tempo, somos formados – tanto através da escola, das famílias, como também e principalmente a partir dos meios de comunicação – para buscarmos o reconhecimento, a valorização social e, por isso, incentivados a mostrar o que está em nós; mais do que mostrar quem somos, a tornar pública nossa intimidade, uma vez que, nesta perspectiva, devemos nos considerar sempre os vencedores, os melhores, aqueles que tudo sabem (ainda que não saibamos).

Expor-se, colocar-se tornou-se uma espécie de vitrine, na qual nos apresentamos como um produto que será mais ou menos valorizado de acordo com determinados critérios, que em geral atendem a necessidades de mercado. Veja que contradição: ensimesmados, porque voltados para nós mesmos, mas perdidos de nós mesmos, de nossa subjetividade, de nossa identidade pessoal; padronizados de acordo com critérios traçados externamente, mas distantes de um convívio legítimo com o outro.

Além disso, uma boa parte de nossas relações passou a ocorrer via web, onde enviamos imagens, textos, mas raramente conversamos de fato. É bastante comum nos meios virtuais, bloquearmos, deletarmos todo aquele que pensa diferente de nós. E então o diálogo não ocorre. Não sabemos os motivos pelos quais o outro pensa diferentemente de nós, não acompanhamos seu raciocínio. Simplesmente o consideramos um "idiota" por não pensar como nós, e o excluímos. Fechamo-nos em grupos que apenas ratificam nossa forma de pensar, acreditando que ela é fruto de um brilhantismo inato, de uma genialidade absoluta. Se não há diálogo, não há trocas, nos fechamos em nós.

Para ouvir é preciso disposição, sair de si mesmo, abrir-se ao outro, acompanhar sua fala e seu pensamento. De um lado, temos pressa. Quantas vezes você tentou conversar com alguém, e antes mesmo que chegasse à metade da frase que pretendia pronunciar, a pessoa já havia completado o que você pretendia dizer; ou disse: "Já sei!", apresentando uma solução para um problema que você jamais enunciaria; ou ainda, iniciou uma briga por causa de algo que, supostamente, você iria dizer. E quantas vezes você ouviu alguém dizer: "deixe de enrolação, fale logo!". Parece que não temos tempo para ouvir, para pensar, para conversar de fato.

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Mas esse não é o único problema. Temos uma tendência a ouvir apenas o que ratifica nosso pensamento. Quando alguém chega com uma ideia diferente, muitas vezes não conseguimos ouvir, e muitos, nesta situação, ficam, o tempo inteiro, querendo retrucar, convencer o outro de que ele está errado. Às vezes, aparentamos ouvir, olhando para o outro atentamente, mas estamos mais ocupados com nossos próprios pensamentos, elaborando como vamos convencer o outro a aceitar nossa posição. Há, ainda, a desatenção, a ausência diante do outro. Você já conversou com alguém que olha atentamente para a tela de seu celular ou computador e mal escuta o que você diz? Responde sim ou não sem saber ao certo de que se trata, apenas para continuar sua atividade paralela? Estes são apenas alguns dos pontos que dificultam a escuta. Não somos educados para ouvir, somos instigados a falar, mesmo que não tenhamos sobre o quê falar.

Ser um bom ouvinte requer atenção, disposição para compreender, para acompanhar o outro em seus pensamentos, para pensar junto com o outro. Não significa, necessariamente, estar calado, mas, principalmente, silenciar seus pensamentos e tentar escutar, de fato, o que o outro diz. Significa, também, perguntar, sempre que necessário, o que o outro quis dizer, para certificar-se de estarem ambos, falante e ouvinte, referindo-se aos mesmos elementos. A linguagem pode ser significada de diferentes maneiras, varia de acordo com os contextos, com o vivido dos falantes e ouvintes, então, buscar clareza para melhor compreender é uma característica de um bom ouvinte. E o que me parece mais importante: em caso de discordância, perguntar ao outro como ele chegou àquela conclusão, o que o faz pensar daquela maneira, pois acompanhando o processo de construção de uma ideia, fica muito mais fácil compreender os motivos pelos quais ela faz ou não sentido. Por que razões podemos ou não aceitá-la. Contudo, a principal característica de um bom ouvinte parece ser a capacidade de ouvir sem julgar, sem querer impor ao outro a sua forma de ser, pensar ou sentir. É, em outras palavras, ser capaz de compreender e provocar a pensar.

Ouvir pode trazer benefícios. Aprendemos com nossa experiência, com nossas descobertas, mas também com as experiências e descobertas de outros. A escuta nos proporciona acesso a outras formas de pensar, de sentir, de viver, que são diferentes das nossas, e isto pode ampliar nossas possibilidades. Meu trabalho com filosofia no consultório é basicamente a escuta, o pensar junto com o outro. Isso, em grande parte das vezes, auxilia aquele que me procura. Mas confesso que eu mesma aprendo muito com cada pessoa que me conta suas questões, suas histórias de vida, suas formas de ser. É como conhecer diferentes universos: alguns encantadores, outros surpreendentes, alguns, ainda, assustadores.

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Além disso, ouvir nos possibilita compreender melhor, evitar os equívocos, as disputas por falta de entendimento. Ouvir, ainda, nos dá elementos para que possamos nos posicionar melhor no mundo. Ouvir primeiro, decidir depois, pode ser de grande valia em muitas situações. Acredito que se nos permitíssemos ouvir mais, muitos de nossos problemas não existiriam.

Contudo, é preciso exercitar para ser um bom ouvinte, pois isso implica em suspender seus julgamentos, suas verdades prévias, não tirar conclusões apressadas. É preciso acompanhar o outro em seus pensamentos, pensar junto com ele, para, somente então, questionar, posicionar-se, não como simples oposição, mas também apresentando ao outro os motivos pelos quais pensa desta maneira. Isto é diálogo! Algo de que tanto carecemos, ainda que não paremos de falar um só instante.