Fazer de conta pode te fazer bem

Por Samanta Obadia  
                
Ainda bem que temos a possibilidade de viver em mundos paralelos, em nossas fantasias, em nossas mentes. Podemos fazer de conta que somos felizes quando não somos; que estamos perto de entes queridos que se foram; que somos amados por pessoas doces e ternas que nem conhecemos.

Será este o tal “Mundo das Ideias” de Platão, onde podemos viver, inclusive, amores platônicos, sem fazer mal a ninguém?

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Recordo de minha adolescência tímida, quando fantasiava amores desconhecidos, onde tudo começava e seguia em meus pensamentos. Como era bom sonhar com os olhos abertos! Imaginar cada detalhe, cada olhar, cada palavra. Sorver os instantes vividos em minhas ideias me fez criar belos cenários que alimentaram de amor e ternura a minha alma, de tal maneira, que hoje adulta, continuam a transbordar em meus pensamentos. Será por isso que criei um amor pela escrita, pela poesia e pela arte?

É fácil perceber que a cor dos meus olhos é a mesma que era a de meu pai – foto. Contudo, o verdadeiro mel que há na minha visão está na maneira que ele me ensinou a ver o mundo: na admiração terna que temos pelas crianças, no sorriso que deixamos escapar em cada descoberta que elas fazem; na sede de justiça de exigimos da humanidade; na dor que sentimos quando uma pessoa é discriminada; no prazer estético da boa música e da bela dança.

Aprendi o gosto das frutas maduras arrancadas do pé com ele. A saborear a boa comida feita em casa com amor. E ao ouvir repetidamente, as conquistas de meus irmãos mais novos, aprendi a amar cada pedacinho deles, como se fossem meus.

Meu pai me ensinou a ver o mundo com maravilhamento e crítica, me fez observar e não aceitar injustiças nem preconceitos. Criou-me para pensar por mim mesma e a desejar a autonomia.

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Hoje sei que o vazio de sua ausência física dói, mas que a eternidade de seu exemplo permanecerá para todo o sempre em tudo o que plantou em mim, em meus irmãos e em todos que tiveram a honra de partilharem a sua forma de perceber o mundo.

Minha madrasta Rosa Lago Obadia, em sua sabedoria, para amenizar nossa dor, disse:

– Faz de conta que ele está na varanda e daqui a pouco vai chamar por nós!

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Nestes últimos dias, eu tive muita vontade de mergulhar no meu “mundo de ideias” para continuar esse sonho de olhos abertos para fazer de conta que o mundo é cheio de paz, que a eternidade é aqui, que a humanidade é uma grande família de irmãos que se amam, e que o que está escrito nestas linhas é a mais pura realidade.