Pés na terra, cabeça nas estrelas

Por Patrícia Gebrim  

O parque estava vazio. Sentei-me em um banco em frente ao lago. Um cisne cruzou minha visão e aterrissou elegantemente na água, bem à minha frente. A cena era linda, o rastro branquinho na água refletindo a luz do sol parece um caminho de minúsculas estrelas brilhantes. O mundo é um enorme palco. Olho no palco de nossa realidade atual e constato algo muito fácil de ser percebido. As pessoas estão exaustas. Passam o dia tentando cumprir uma lista de tarefas que não tem fim.

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Como a águia, que todos os dias devorava o fígado de Prometeu, o tempo vivido sem consciência nos devora, e tudo recomeça no dia seguinte, e no outro, e no outro. Ainda assim, por mais que tenhamos nos saído bem ao cumprir as mil tarefas do dia, ficamos sempre com a sensação de que ficamos devendo algo.

É simplesmente impossível cumprir todos os itens da lista. E nos sentimos mal por isso. E para compensar, tentamos nos dar coisas boas. Um mimo. Um jantarzinho especial, um novo par de sapatos, lustres novos para nossa casa; sem perceber que esses são os grilhões que nos mantém aprisionados a essa roda maldita que
devora a nossa alma. A vida, por si só, deveria nos nutrir de alegria, a ponto de não precisarmos de mais nada. Estamos famintos. Como podemos nos nutrir de forma saudável? – perguntei a mim mesma, ainda observando as aves no lago. Vi o reflexo de uma árvore e pensei que, como uma árvore, temos que aprender a nos alimentar tanto da terra quanto do céu.

Precisamos aceitar que somos parte da terra, deste mundo muitas vezes escuro, úmido e sombrio. Precisamos de raízes que aceitem e retirem o melhor deste mundo em que vivemos. Precisamos de elementos terrenos, de alimentos, de roupas que aqueçam nossos corpos, de um abrigo que nos proteja do vento, do frio e da chuva.
Precisamos nos apropriar de nosso corpo, de nossa sexualidade, de nossas emoções. Precisamos aceitar que fazemos parte deste planeta, da Terra. Precisamos aprender a conviver e produzir socialmente uma vida que nos alimente. Ter um ego estruturado para efetuar criações neste mundo.

Mas, como a árvore, também precisamos nos abrir sem pudor para a luz solar que vem dos planos superiores. Precisamos da beleza e poesia das flores. Precisamos da copa que nos oferece ideias, sabedoria, direcionamento. Como acontece com as árvores, a luz nos indica para onde crescer. A luz guia o caminho. Somos também seres espirituais. Saber disso coloca toda a nossa vida e todas as nossas escolhas em uma outra proporção.

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Se conseguirmos uma harmonia entre essas duas instâncias, terra e céu, matéria e espírito; cresceremos saudáveis, em sintonia com a nossa verdadeira natureza. E saberemos fluir com o tempo, como acontece na própria natureza com suas estações e marés, com os tempos de plantio e colheita.

Algumas pessoas são como aquelas árvores que possuem enormes raízes, mas cuja copa é tão empobrecida que nada mais lhes resta a não ser tornarem-se escravas de um sistema que as conduz cada vez para mais longe de si mesmas. Não conseguem criar nada por si mesmas. Buscam o poder, mas não têm o direcionamento superior. Muitas vezes são aparentemente bem-sucedidas, mas possuem no peito um buraco vazio e assustador, uma falta de sensibilidade que as torna cruéis consigo mesmas ou com outras pessoas. Desde políticos corruptos à massa adormecida na escravidão de uma vida robotizada, o que vejo é uma enorme falta de sabedoria, de inspiração e de luz. Em nossa sociedade existem muitas pessoas assim, com um enorme buraco no peito onde falta um coração.

Por outro lado, existe outra classe de seres extremamente sensíveis, muitos são poetas, artistas, sonhadores; seres que possuem enormes copas abertas para a luz que vem do céu, maravilhosas em sua potencialidade. São capazes de captar as ideias mais incríveis, idealizar caminhos nunca antes imaginados, são seres de profunda beleza e criatividade. Mas a verdade é que, se suas raízes não acompanharem a exuberância de suas copas, não conseguirão manter-se em pé neste mundo. E assim os tenho visto cair por terra, frágeis, impotentes, apesar de toda a sua beleza. É triste. Não são capazes de sustentar a vida física, lhes falta estrutura, base, corpo. E toda aquela beleza se perde, fica nesse espaço imaginário, muitas vezes sem encontrar um caminho que se possa materializar. Não há nada mais dolorido do que ver algo assim acontecer. É uma espécie de aborto. Aborto de beleza. É preciso criar equilíbrio entre céu e terra.

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 Ancore suas raízes firmemente na Terra, receba com gratidão sua seiva, essa energia rubra e cheia de vida que preenche seu corpo de força e vitalidade.

Ao mesmo tempo, feche os olhos e sinta a dourada luz do Sol delicadamente acariciando seus cabelos, inspirando seus pensamentos, elevando seus sentimentos e sutilizando sua existência.

Perceba em que direção precisa se estender mais para chegar a um equilíbrio e mova-se nessa direção. Seja tudo isso, Céu e Terra, copa e raiz, e você estará seguro, ancorado nesse eixo sagrado da totalidade do seu Ser.

Só assim você poderá cumprir a maior das tarefas que um ser pode cumprir nesta vida, a tarefa de expressar a si mesmo em sua inteireza e beleza. Ser aquilo que você verdadeiramente é. Estamos aqui para elevar aos céus nossas sombras e para materializar neste planeta nossa luz.

Cravei meus pés com força na terra e me estendi com paixão em direção ao núcleo de nosso planeta. Ao mesmo tempo, elevei meus braços ao alto e toquei a estrela mais linda que brilhava no céu. Foi quando eu soube que tudo isso sou eu…
 

Extraído do livro de Patrícia Gebrim “Deixe a Selva para os leões – Inspirações para bem viver nos dias de hoje” – para ler capítulo anterior – clique aqui.