Anjos que se disfarçam de gente

Por Patrícia Gebrim  

Um dia, lá atrás em minha história, estava eu em meu carro, a caminho de casa. Ouvia uma música de que gosto especialmente, “Years of Solitude”, do Astor Piazzolla, numa maravilhosa versão, com Gerry Muligan, linda música que produzia um efeito transformador sobre a realidade ao meu redor. De repente um garoto bate no vidro. Devia ter por volta de sete anos de idade. Nas mãos uma rosa cor-de-rosa, meio amassada, as pétalas caindo. O rostinho grudado no vidro apertou meu peito e covardemente, para me defender da dor, fiz sinal de “não” com a mão, achei que ele queria algum dinheiro. O garoto insistiu, abri o vidro, perguntei seu nome e lhe disse que não lhe daria dinheiro. Eis que ele me diz:

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– Mas eu só quero te dar essa flor…

Ofertou-me a flor que, hoje digo com um calor no coração, foi a mais bela flor que já ganhei na vida. Peguei a florzinha, com o coração apertado. Ele me olhou com os olhinhos vivos, deu um sorriso inesquecível e saiu correndo. Fiquei lá, com a flor na mão, me sentindo uma pessoa horrível.

Como é possível que aquele garotinho, fruto da aspereza da rua, soubesse coisas que tantas vezes eu mesma esqueço? Como ele sabia que fazer alguém feliz pode nos fazer sentir como se tivéssemos asas nos pés?

Viver não precisa ser tão difícil como parece ser para a maioria das pessoas. Aquilo que de verdade importa não é complicado. Mas o simples nos escorre das mãos como areia, e logo nos vemos emaranhados em fios que nos envolvem como a teia da aranha prestes a nos devorar. O fato é que nos perdemos daquilo que poderia nos acolher e sustentar uma vida boa e pacífica. Nos perdemos de coisas tão óbvias. Tratar bem as pessoas, compartilhar, respeitar, dividir, ajudar, acreditar. Dar uma flor a uma desconhecida.

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Muitas vezes os pequenos atos que nos parecem tão especiais podem nada significar para outro alguém. Ainda assim, são esses singelos fragmentos mágicos que podem dar significado a toda a nossa vida.

A poesia da vida acontece o tempo todo, não existe um segundo sequer no qual o divino não esteja lá, escondido, pulsando, sorrindo para você. Observo que as relações entre as pessoas acabam se baseando no uso ou no medo. A desconfiança parece ser a mola propulsora de uma série de atitudes que culminam em uma sequência desastrosa de ações que tornam a todos infelizes.

Como mudar essa mentalidade que se impregnou nas pessoas e que leva todos a agirem como se as outras pessoas fossem  inimigos a ser temidos ou vencidos? Como ajudar as pessoas a acreditar que só teriam a ganhar se os outros ganhassem também? Como resgatar a nós mesmos dessa nuvem egocêntrica que nos rouba a sabedoria?

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Muitas vezes basta um insight, uma percepção diferente, mesmo que mínima, para que um resultado completamente diferente seja criado. Às vezes basta uma mudança na entonação da voz. Basta um sorriso. Basta um toque. Um olhar. Uma flor.

A vida é uma aventura linda, incrível e rara, mas se torna cansativa quando não se veste de verdade.

Dei-me conta de que o que cansa a gente é aquela vida pequena, banal, superficial; que se parece com aquelas falsas cerejas que colocam na cobertura dos bolos. A gente vai, abocanha a coisinha vermelha, cheios de vontade, e acaba com uma gosma esquisita na boca, feita lá sei eu de quê, com gosto de nada. Confesso, isso me dá uma frustração danada no peito. Odeio ser enganada!

Mas hoje comprei uma bandeja de cerejas, dessas que vem mesmo da terra, cheias de cor e alegria. Comi todinhas, com os olhos fechados. E a única coisa que consegui pensar foi em como é deliciosa e doce a Vida.

Extraído do livro de Patrícia Gebrim “Deixe a Selva para os leões – Inspirações para bem viver nos dias de hoje” – para ler capítulo anterior – clique aqui.