Usuário de drogas: como posso ajudar meu marido?

Por Danilo Baltieri

E-mail enviado por uma leitora:
 
“Bom dia, tudo bem? Busco orientação de alguma maneira. Olhando um texto seu aqui no Vya Estelar, identifiquei-me com o que vivo hoje. Me casei há quase um ano e meio. Dois meses antes de nos casarmos, meu marido me falou que foi usuário de drogas. Em nossa conversa, ele falou que foram dois anos internado, e já são cinco anos limpos. No entanto, no ano passado e nessa semana, ele simplesmente sumiu: desligou o celular e passou a noite fora. Ele é uma pessoa maravilhosa, com um grande coração. Na infância, foi abusado várias vezes e foi abandonado por sua mãe. São diversos traumas que ele não consegue verbalizar. Eu como esposa quero ajudar, quero apoiar; porém, estou sem direção, pois não sei se ficar em silêncio ajuda e se posso chorar na frente dele. Não sei o que fazer!  Pedi ajuda de todos os familiares e pedi para não julgarem e sim para tentar ajudar de alguma maneira. Ele marcou um psicólogo e espero que isso ajude. Você, que é especialista no caso, se tiver algo que possa me falar para abrir a minha mente ou se der algum tipo de palestra, me informe por favor! Obrigada desde já!”

Continua após publicidade

Resposta: Frequentemente, esposas de parceiros com quadros de dependência química demonstram significativo sofrimento acerca do comportamento do dependente químico, não poupando esforços no sentido de auxiliá-lo. Não estar sozinha nessa empreitada é um aspecto importante, tendo em vista o alto custo emocional que a jornada na busca pela recuperação do dependente químico e de si mesma pode representar.

Muitas esposas (parceiras) de dependentes químicos acabam por desenvolver notáveis sintomas psíquicos que perturbam gravemente a própria qualidade de vida, a do casal e a dos filhos.

Abaixo, aponto algumas características típicas de parceiros de dependentes químicos:

a) a parceira desempenha enormes esforços e sacrifícios para preencher as necessidades dos dependentes;

Continua após publicidade

b) a parceira tem dificuldades para impor limites ao dependente ou mesmo para dizer “não” diante das demandas dele;

c) a parceira “encobre” problemas profissionais, legais e familiares gerados pelo comportamento do dependente químico, com a finalidade de não prejudicá-lo ou mesmo de não causar vergonha diante dos familiares e amigos próximos;

d) a parceira demonstra elevada preocupação com as opiniões de terceiros;

Continua após publicidade

e) a parceira não mostra o quanto está infeliz, angustiada, magoada e preocupada para o próprio parceiro dependente químico nem tampouco para os demais membros familiares;

f) a parceira percebe que não consegue modificar o comportamento e atitudes do esposo dependente e, consequentemente, sente-se impotente;

g) a parceira desempenha diferentes atos no sentido de auxiliar o parceiro dependente, inclusive deixando de cuidar adequadamente de si mesma e dos seus filhos.

Geralmente, a parceira não dependente inicia o processo conhecido como codependência estabelecendo um sistema de crenças nocivo. Esse indivíduo pode então avaliar de forma distorcida seu próprio comportamento, suas necessidades, sua história e seus relacionamentos pretéritos.

A partir de então, desenvolve pensamentos que distorcem a realidade e amparam o comportamento do parceiro dependente. Por exemplo, sempre fui pouco desejável; logo, é melhor permanecer nessa forma atual do que em uma outra. Ou mesmo: minha mãe sempre manteve o relacionamento com meu pai, apesar dos seus problemas com o álcool; logo, tenho a mesma sina. Ou mesmo: ele é assim, porque sofreu muito na infância. Tenho a obrigação de ser convivente.

A mesma sensação de solidão e de perda do controle experimentada pelo dependente químico pode ser vivenciada pelo parceiro codependente.

Consequentemente, muitos codependentes manifestam:

1ª) Perda de amigos;
2ª) Tristeza e pensamentos de ruína;
3ª) Sonhos não usuais;
4ª) Mudanças de apetite e padrão do sono;
5ª) Falha no desempenho de tarefas usuais;
6ª) Problemas financeiros;
7ª) Comportamentos degradantes ou humilhantes.

Em situações como estas, aliás nada incomuns, é recomendável e desejável que tanto o parceiro dependente quanto o parceiro codependente iniciem um tratamento específico.

Caso o parceiro dependente não o deseje, é fundamental que o companheiro não dependente químico (mas codependente) faça seu próprio tratamento. É essencial que os pensamentos disfuncionais sejam reconhecidos e comportamentos não saudáveis possam ser modificados.

Infelizmente, muitos codependentes acreditam que conseguem domar a situação por si mesmos ou com o auxílio de alguns familiares. No entanto, um ciclo de comportamentos problemáticos e desenfreados pode já estar ocorrendo há algum tempo e o reconhecimento disso, bem como seu manejo, pode ser bastante salutar.

Uma atitude recomendada para a parceira codependente é a busca por tratamento psiquiátrico especializado para si mesma. Muito amiúde, não basta que “ele tenha agendado um psicólogo”. Você tem que agendar a sua própria consulta, comparecer à consulta, e iniciar um tratamento sério e condizente com a sua situação.

Não aguarde soluções mágicas. Da mesma forma, não espere soluções provenientes apenas do tratamento dele (se ele realmente comparecer à consulta agendada). Comece por você e para você. Somente assim, fortalecida e com os instrumentos necessários, poderá tomar as decisões mais corretas para você e para a sua família. Corra!