Remédios para insônia são eficazes a curto prazo, mas têm limitações

por Angelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar, a bióloga e pesquisadora Yara Fleury Van Der Mollen (Unifesp) que realiza pesquisa sobre o uso de imagens mentais no tratamento de insônia aponta os caminhos para os insones fazerem as pazes com o sono e a cama. Ela apresenta as causas da insônia e questiona o método mais usado pada combatê-la: o uso de remédios para dormir.

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Vya Estelar – A dificuldade de pegar no sono ou de, ao acordar no meio da noite, não conseguir dormir novamente, é um problema de ordem psicológica ou física?

Yara Fleury – Há uma probabilidade grande do problema não ser físico, mas comportamental, incluindo hábitos e atitudes erradas, e cognitivo, abrangendo idéias e crenças erradas sobre o sono.

Vya Estelar – Quais são as principais causas da insônia e de um sono não reparador?

Causas psicológicas: estresse, ansiedade e depressão e outros

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Causas médicas: dores, cirurgias, preocupação com doenças, doença pulmonar obstrutiva, hipertiroidismo, doenças gastrointestinais como o refluxo ou a úlcera, doenças renais, etc

Causas ambientais: ruído, luz, temperatura, colchão, movimentos do parceiro(a)

Causas farmacológicas: medicamentos para tratar outros problemas, como os betabloqueadores para hipertensão, diuréticos, por aumentarem a micção noturna, broncodilatadores que possam ter efeitos estimulantes, etc

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Vya Estelar – Pessoa com insônia deve tomar medicamentos para conseguir dormir?

Yara Fleury – Aqui está a mais polêmica de todas as questões relativas à insônia.

De maneira geral, podemos dizer que há, sim, lugar para os medicamentos no tratamento de insônia. Este é, de longe, o método mais usado para tratar a insônia. Uma pesquisa Gallup realizada em 1991, revelou que 21% das pessoas que sofrem de insônia tinham tomado um remédio para dormir receitado em qualquer altura do passado, e 28% tinham usado álcool como auxiliar do sono.

O Dr. Charles Morin, de Québec, no Canadá, reconhecido internacionalmente como um dos maiores especialistas em insônia, afirma que embora os medicamentos receitados para dormir sejam eficazes a curto prazo, eles têm várias limitações. Com alguns deles, após um longo tempo de uso, o cérebro e o corpo se acostumam, desenvolvendo o que é conhecido como tolerância ao remédio. Neste caso, é necessário aumentar a dose para continuar o obter o efeito desejado, até que se chegue à mais alta dose segura. Podem surgir efeitos adicionais como alteração das fases do sono, efeitos residuais durante o dia e a dependência.

O uso a curto prazo, ainda segundo o Dr. Morin, pode ser apropriado para insônia aguda ou temporária, devida a situações de grande tensão como a morte de um ente querido, uma cirurgia ou internamento, uma separação ou divórcio. A curto prazo pode também ser de utilidade em viagens de avião com defasagem de horários ou em pessoas com insônia crônica, quando usados ocasionalmente, para romper o ciclo de noites maldormidas e de ansiedade de desempenho.

Vya Estelar – O que a senhora acha da famosa ‘higiene do sono’ – clique aqui e leia – funciona?

Yara Fleury – Hoje em dia as pesquisas mais recentes começam a colocar em cheque a eficácia da higiene do sono como melhor método para implementar o sono de insones. Mas os maus hábitos mais fáceis de corrigir e mais visíveis são os ligados a horários irregulares de dormir e acordar, realização de cochilos, refeições tardias e pesadas à noite e tentativas de remediar o problema de pouco sono ficando mais tempo na cama.

Se esses itens forem trabalhados e esses hábitos mudados, com certeza, muito terá sido feito. Mas não tudo. O uso de café e álcool também cria dificuldades. Muitas vezes o álcool é um recurso usado para relaxar na hora de dormir, no entanto, agita o sono e provoca mais despertares durante a noite, além de poder levar à dependência. Conheço pessoas que tomam café para poder aguentar a faculdade à noite, depois de ter acordado cedo para um dia de trabalho extenuante. Mas quando chegam em casa depois das aulas, não conseguem dormir devido à excitação causada pelo café. Então, tomam um aperitivo para relaxar e com isso, embora capotem, acabam dormindo mal. De manhã bem cedo, na hora de acordar, sentem-se moídas e exaustas, com aquelas poucas horas de sono. Aqui temos um caso de insônia provocada pelo café juntamente com restrição de sono por ter de acordar cedo.

Vya Estelar – Quais são os fatores que atrapalham e que favorecem uma boa noite de sono?

Yara Fleury – O uso da cama para pensar nos problemas do dia e da vida também pode levar ao desenvolvimento de uma resistência a ir dormir. Sei que na cama vou me sentir mal, ao pensar nas dificuldades que enfrentei ou enfrentarei. É só deitar que a maquininha mental começa a funcionar desenfreadamente. Não consigo pará-la!

Então, só de pensar na cama, fico nervosa, agitada e desassossegada. Bingo! Aí está a fórmula perfeita para não dormir. Esse círculo vicioso passa despercebido ao insone, impossibilitando-o de cortá-lo pela raiz.

A preocupação com o próprio sono deixa o insone muito tenso e incapaz de voltar a dormir ou pegar no sono. Neste caso, a pessoa pode não ter problemas em sua vida, mas o próprio sono insatisfatório a deixa angustiada.

O treinamento com imagens mentais é um tratamento que ocupa a mente com outras coisas ou que ensina o insone a livrar-se desses problemas que o impedem de dormir. Associado a relaxamento muscular e respiração profunda, tem produzido bons resultados na busca de um sono melhor.

A ansiedade em relação ao dia de amanhã, ao futuro, faz com que muitos percam o sono, remoendo mentalmente o que precisa ser feito amanhã, como fazê-lo, como desviar de riscos e de perigos.

Pessoas que têm insônia precisam aprender a desligar, deixar para amanhã, descansar, dar um tempo. No seu afã perfeccionista, exigem de si 24 horas por dia, ou quase. Muitas vezes, há também uma tendência a uma atividade mental excessivamente negativa antes de dormir. Pensam em tudo que pode dar errado. Pensam que tudo pode dar errado.

O tratamento para insônia é feito sob medida. Durante o tratamento vamos percebendo quais desses componentes todos estão presentes em cada paciente. É feito um trabalho sobre hábitos, sobre formas de pensar características de cada pessoa e o acompanhamento do diário de sono para modificá-lo. Relaxamento, respiração profunda e treinamento com imagens mentais são dados como lição de casa.

Vya Estelar – Fazer uma atividade física aeróbica como correr ou caminhar pode ajudar a ter uma boa noite de sono?

Yara Fleury – De modo geral, toda a atividade física que ajuda a cansar é benéfica ao sono, contanto que seja encerrada pelo menos 2 a 3 horas antes de dormir. Uma das perguntas que são colocadas sobre a dificuldade de sono em idosos é: será que eles dormiriam melhor se tivessem mais atividades durante o dia e ficassem mais cansados? Parece que a resposta é sim. E aí entra também a satisfação de estarem ocupados, ativos, úteis.

Vya Estelar – Como eliminar os fatores externos que atrapalham o sono? Exemplos: passarinhos cantando às 05h00 da manhã, trânsito, barulhos no prédio…

Yara Fleury – De um ponto de vista concreto, não podem ser eliminados. No entanto, nosso cérebro é capaz de “eliminar” estímulos através de um filtro cerebral. O insone aprende naturalmente a selecionar e monitorar esses estímulos que o impedem de dormir. Para voltar a dormir bem, deve aprender a não dar atenção a esses estímulos, não se agitar e não se tensionar com eles e, calmamente, esperar que o sono volte ou comece. Quanto menos ele se “ligar” nos estímulos, e pensar que eles vão atrapalhá-lo, melhor será seu sono.

Vya Estelar – Recentemente foi publicado um estudo que pessoas que têm um sono não reparador e dormem menos, urinam mais. Existem casos de pessoas que acordam à noite para ir ao banheiro urinar e ao voltar para cama não conseguem dormir. O que elas devem fazer?

Yara Fleury – Não se irritar com a dificuldade em voltar a dormir. Não catastrofisar pensando que não vai dormir mais. Continuarem calmas e tranquilas, até o sono chegar. Acreditar que, mais cedo ou mais tarde, ele virá.

Parece muito fácil, mas exige um aprendizado de não se alvoroçar com essa questão, de confiar que é possível voltar a dormir, mesmo que nos últimos 20 anos tenha sido diferente. Hábitos são difíceis de mudar, mas é possível.